Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

sábado, 30 de novembro de 2013

O Estupro dos Cânticos de Salomão - 1/4


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Por John MacArthur


Aparentemente, o caminho mais curto para a relevância no ministério da igreja atualmente é que o pastor fale sobre sexo em termos extravagantemente explícitos durante o culto matinal de domingo. Se ele puder chocar os paroquianos com palavras cruas e humor irreverente, tanto melhor. Os defensores desta tendência nos informam solenemente que sem tal estratégia é praticamente impossível se conectar com a “cultura” de hoje. (No evangelicalismo contemporâneo, este termo tem se tornado um rótulo conveniente para quase tudo que é inculto e grosseiro).

Sermões sobre sexo têm repentinamente se tornado uma grande moda no mundo evangélico tal como a oração de Jabez jamais foi. Em todo lugar, ao que parece, igrejas estão apresentando séries especiais sobre o assunto. Algumas delas fazem propagandas com cartazes sugestivos, concebidos propositadamente para ofender a sensibilidade de suas comunidades conservadoras.

Realmente, alguns pastores têm ganhado ampla cobertura na mídia pela edição de “desafios sexuais” para membros de igrejas. Estes são esquemas que propõem sexo diário obrigatório para cônjuges durante um período de tempo específico — geralmente entre sete a quarenta dias. (Como as pessoas prestam conta disto é uma questão que tenho medo de levantar).

Eu seria o último a sugerir que os pregadores evitassem totalmente o tema do sexo. A Escritura tem muito a dizer sobre o assunto, a começar com as primeiras palavras de Deus a Adão e Eva (“Frutificai e multiplicai-vos” — Gênesis 1:22). A lei de Deus possui numerosos mandamentos que regem o comportamento sexual, e o Novo Testamento reafirma repetidamente o padrão de pureza sexual do Antigo Testamento. Finalmente, nos capítulos finais da Escritura somos informados de que pessoas sexualmente imorais serão lançadas no lago de fogo (Apocalipse 21:8). Portanto, não há maneira de pregar todo o conselho de Deus sem mencionar o sexo.

Mas a linguagem que a Escritura emprega quando lida com o relacionamento físico entre marido e mulher é sempre cuidadosa — muitas vezes simples, algumas vezes poética, usualmente delicada, freqüentemente silenciada por eufemismos, mas nunca completamente explícita. Não há indício de lascívia irreverente na Bíblia, mesmo quando o claro propósito do profeta é chocar (como quando Ezequiel 23:20 compara a apostasia de Israel a um ato de fornicação grosseira motivada pelo desejo de bestialidade). Quando um ato de adultério é parte da narrativa (tal como o pecado de Davi com Bate-Seba), ele nunca é descrito de uma maneira que agradaria uma imaginação lasciva ou despertaria pensamentos luxuriosos.

A mensagem da Escritura a respeito do sexo é simples e consistente do começo ao fim: a total intimidade física dentro do casamento é pura e deve ser desfrutada (Hebreus 13:4); mas remova o pacto do casamento da equação e toda atividade sexual (incluindo aquela que ocorre apenas na imaginação) nada mais é que fornicação, um pecado grave que é especialmente profano e escandaloso — tanto que até falar inapropriadamente a respeito é vergonhoso (Efésios 5:12).

Acima de tudo, a Escritura nunca se rebaixa ao nível sensacionalista da educação sexual contemporânea. A Escritura não tem um correspondente ao Kama Sutra Hindu (um antigo manual de sexo sânscrito supostamente transmitido pelas deidades Hindus). Nada nas Escrituras dá qualquer vívida instrução, do tipo “como fazer”, a respeito da relação física dentro do casamento.

Isto inclui o Cantares de Salomão.

De fato, o poema amoroso de Salomão sintetiza a abordagem exatamente contrária. É, naturalmente, um longo poema sobre namoro e amor conjugal. Ele está cheio de eufemismos e imagens descritas. Todo o seu intuito é expressar gentilmente, sutilmente e elegantemente a intimidade emocional e física do amor conjugal — em linguagem adequada para qualquer público.

Mas tem se tornado popular em certos círculos empregar extremas descrições gráficas de intimidade física como um meio de expor os eufemismos do poema de Salomão. À medida que esta tendência se desenvolve, cada novo palestrante parece encontrar algo mais chocante nas metáforas que qualquer de seus predecessores jamais sequer imaginou.

Assim, somos informados que a linguagem poética de Sulamita ao invocar as delícias de uma macieira (Cânticos 2:3) é uma metáfora para sexo oral. O conforto e deleite de um simples abraço (2:6) não é nada do que parece ser. Aparentemente é impossível descrever o que este versículo realmente significa sem mencionar certas partes inomináveis do corpo.

Somos ainda assegurados de que os significados chocantes escondidos nesses textos não são meramente descritivos; eles são prescritivos. A gnose secreta dos Cânticos de Salomão retrata atos que as mulheres devem fazer obrigatoriamente se isto for o que satisfaz seus maridos, independentemente do desejo ou consciência da própria esposa. Foi-me dada recentemente uma gravação de uma dessas mensagens, onde o palestrante dizia: “Senhoras, deixem-me garantir-lhes isto: se você acha que está sendo suja, ele ficará muito feliz.”

Tais pronunciamentos são usualmente feitos em meio a gargalhadas ruidosas, mas evidentemente se espera que os levemos a sério. Quando a gargalhada se extinguiu, aquele palestrante acrescentou, “Jesus Cristo ordena que você faça isto.”

Essa abordagem não é exegese; é exploração. É contrária ao estilo literário do próprio livro. É espiritualmente equivalente a um ato de estupro. É rasgar o belo vestido poético dos Cânticos de Salomão, despir aquela porção da Escritura de sua dignidade, e apresentá-la para que seja ridicularizada e encarada com malícia de uma maneira carnal.

Mark Driscoll tem conduzido o desfile por este caminho carnal. Ele é de longe o proponente popular mais conhecido e mais prolífico desta maneira de lidar com os Cânticos de Salomão. Ele tem dito repetidamente que esta é sua passagem favorita da Escritura, e tem se voltado para ela mais e mais nos últimos anos, culminando em uma série altamente divulgada e lançada em vídeo ano passado via internet.

Continuo encontrando jovens pastores que estão seguindo agora este mesmo exemplo, e estou bastante surpreso de que esta tendência tenha sido tão bem aceita na igreja, sem praticamente nenhuma crítica significativa e sem levantar sérias objeções. Então, nos próximos dois dias vamos analisar e criticar esta abordagem dos Cânticos de Salomão, incluindo uma olhada em alguns exemplos específicos onde a linha da decência tem sido claramente ultrapassada.

Continua...
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Fonte: Grace to you
Tradução: Nelson Ávila

domingo, 24 de novembro de 2013


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Por Rev. Augustus Nicodemus Lopes


Lamentavelmente, os escândalos ocorridos nas igrejas vêm confirmar nosso entendimento de que em muitos ambientes evangélicos, a santidade de vida, a ética e a moralidade estão completamente desconectados da vida cristã, dos cultos, dos milagres, da prosperidade em geral.

Uma análise do conceito bíblico de santidade destacaria uma série de princípios cruciais, dos quais destaco alguns aqui:

1) A santidade não tem nada a ver com usos e costumes. Ser santo não é guardar uma série de regras e normas concernentes ao vestuário e tamanho do cabelo. Não é ser contra piercing, tatuagem, filmes da Disney. Não é só ouvir música evangélica, nunca ir à praia ou ao campo de futebol. Não é viver jejuando e orando, isolado dos outros, andar de paletó e gravata. Para muitos, santidade está ligada a esse tipo de coisas. Duvido que estas coisas funcionem. Elas não mortificam a inveja, a cobiça, a ganância, os pensamentos impuros, a raiva, a incredulidade, o temor dos homens, a preguiça, a mentira. Nenhuma dessas abstinências e regras conseguem, de fato, crucificar o velho homem com seus feitos. Elas têm aparência de piedade, mas não tem poder algum contra a carne. Foi o que Paulo tentou explicar aos colossenses, muito tempo atrás: “Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade” (Colossenses 2.23).

2) A santidade existe sem manifestações carismáticas e as manifestações carismáticas existem sem ela. Isso fica muito claro na primeira carta de Paulo aos Coríntios. Provavelmente, a igreja de Corinto foi a igreja onde os dons espirituais, especialmente línguas, profecias, curas, visões e revelações, mais se manifestaram durante o período apostólico. Todavia, não existe uma igreja onde houve uma maior falta de santidade do que aquela. Ali, os seus membros estavam divididos por questões secundárias, havia a prática da imoralidade, culto à personalidade, suspeitas, heresias e a mais completa falta de amor e pureza, até mesmo na hora da celebração da Ceia do Senhor. Eles pensavam que eram espirituais, mas Paulo os chama de carnais (1Coríntios 3.1-3). Não estou negando as manifestações espirituais. Creio que Deus é Deus. Contudo, Ele mesmo nos mostra na Bíblia que manifestações espirituais podem ocorrer até mesmo através de pessoas como Judas, que juntamente com os demais apóstolos, curou enfermos e ressuscitou mortos (Mateus 10.1-8). No dia do juízo, o Senhor Jesus irá expulsar de sua presença aqueles que praticam a iniqüidade, mesmo que eles tenham expelido demônios e curado enfermos (Mateus 7.22-23).

3) A santidade implica principalmente na mortificação do pecado que habita em nós e em viver de acordo com a vontade de Deus revelada nas Escrituras. Apesar de regenerados e de possuirmos uma nova natureza, o velho homem permanece em nós e carece de ser mortificado diariamente, pelo poder do Espírito Santo. É necessário mais poder espiritual para dominar as paixões carnais do que para expelir demônios. E, a julgar pelo que estamos vendo, estamos muito longe de estar vivendo uma grande efusão do Espírito. Onde as paixões carnais se manifestam, não há santidade, mesmo que a ortodoxia doutrinária seja defendida ardorosamente, doentes sejam curados, línguas sejam faladas e demônios sejam expulsos. A Bíblia não faz conexão direta entre santidade e manifestações carismáticas e defesa da ortodoxia. Ao contrário, a Bíblia nos adverte constantemente contra a ortodoxia dos fariseus, contra os falsos profetas, Satanás e seus emissários, cujo sinal característico é a operação de sinais e prodígios, ver Mateus 24.24; Marcos 13.22; 2Tessalonicenses 2.9; Apocalipse 13.13; Apocalipse 16.14.

4) É mais difícil vencer o domínio de hábitos pecaminosos do que quebrar maldições, libertar enfermos, e receber prosperidade. O poder da ressurreição, contudo, triunfa sobre o pecado e sobre a morte. Quando “sabemos” que fomos crucificados com Cristo (Romanos 6.6), nos “consideramos” mortos para o pecado e vivos para Deus (Romanos 6.11), não permitimos que o pecado “reine” sobre nós (Romanos 6.12) e nem nos “oferecemos” a ele como escravos (Romanos 6.13), experimentamos a vitória sobre o pecado (Romanos 6.14). Aleluia!

5) A santidade é progressiva. Ela não se obtém instantaneamente, por meio de alguma intervenção sobrenatural. Deus nunca prometeu que nos santificaria inteiramente e instantaneamente. Na verdade, os apóstolos escreveram as cartas do Novo Testamento exatamente para instruir os crentes no processo de santificação. Infelizmente, influenciados pelo pensamento de João Wesley – que noutros pontos tem sido inspiração para minha vida e de muitos outros –, alguns buscam a santificação instantânea, ou a experiência do amor perfeito, esquecidos que a pureza de vida e a santidade de coração são advindas de um processo diário, progressivo e incompleto aqui nesse mundo.

6) A santificação é um processo irresistível na vida do verdadeiro salvo. Deus escolheu um povo para que fosse santo. O alvo da escolha de Deus é que sejamos santos e irrepreensíveis diante dele (Efésios 1.4). Deus nos escolheu para a salvação mediante a santificação do Espírito (2Tessalonicenses 2.13). Fomos predestinados para sermos conformes à imagem de Jesus Cristo (Romanos 8.29). Muito embora o verdadeiro crente tropece, caia, falhe miseravelmente, ele não permanecerá caído. Será levantado por força do propósito de Deus, mediante o Espírito. Sua consciência não vai deixá-lo em paz. Ele não conseguirá amar o pecado, viver no pecado, viver na prática do pecado. Ele vai fazer como o filho pródigo, “Levantar-me-ei e irei ter com o meu Pai, e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti” (Lucas 15.18). Ninguém que vive na prática do pecado, da corrupção, da imoralidade, da impiedade, – e gosta disso – pode dizer que é salvo, filho de Deus, por mais próspero que seja financeiramente, por mais milagres que tenha realizado e por mais experiências sobrenaturais que tenha tido.

Precisamos de santidade! E como! E a começar em mim. Tenha misericórdia, ó Deus!

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Fonte: Augustus Nicodemus, via Facebook
 

Por John MacArthur


Perto do final de sua vida, Agostinho de Hipona reviu meticulosamente tudo o que ele já tinha publicado. Ele escreveu um catálogo completo de suas próprias obras, uma bibliografia detalhadamente anotada com centenas de revisões e correções para corrigir falhas que ele viu em seu material anterior. O livro, intitulado Retractationes, é uma evidência poderosa da humildade e do zelo de Agostinho pela verdade. Nenhuma de suas publicações anteriores escapou do exame do teólogo mais maduro. E Agostinho foi tão corajoso em renunciar os erros que ele percebeu em suas próprias obras como ele tinha sido ao refutar as heresias de seus adversários teológicos. Porque ele reviu suas obras na ordem cronológica, Retractationes é uma memória maravilhosa da rigidez de Agostinho, bem como de sua busca incessante por maturidade espiritual e precisão teológica. Sua franqueza em tratar de suas próprias deficiências é um bom exemplo do por que Agostinho é estimado como um modelo raro tanto de piedade como de erudição.

Eu frequentemente tenho desejado a oportunidade de revisar e corrigir todo o meu material já publicado, mas receio de que jamais terei o tempo ou a energia para realizar a tarefa. Nesses dias de arquivos eletrônicos, meu material “publicado” inclui não apenas os livros que já escrevi, mas também quase todo sermão que já preguei - aproximadamente 3.000 deles até agora. É muito material para que eu possa fazer uma análise critica exaustiva da forma como eu desejaria poder.

Não que eu faria revisões abrangentes e por atacado. Durante todo o meu ministério, minha perspectiva teológica tem permanecido fundamentalmente imutável. A declaração doutrinária básica que subscrevo hoje é a mesma que afirmei quando fui ordenado ao ministério há quase 40 anos atrás. Eu não sou alguém cujas convicções são facilmente modificadas. Eu penso que eu não sou uma cana sacudida pelo vento, nem o tipo de pessoa que é facilmente levada por quase todo vento de doutrina.

Mas ao mesmo tempo, eu não quero ser resistente ao crescimento e correção, especialmente quando minha compreensão da Escritura pode ser aguçada. Se o entendimento mais preciso de um ponto importante de doutrina exige uma mudança no meu pensamento - até mesmo se isso significar emendar ou corrigir material já publicado - eu quero estar disposto a fazer as mudanças necessárias.

Eu tenho feito muitas dessas revisões durante anos, frequentemente tomando medidas para deletar declarações errôneas ou confusas de minhas próprias pregações, e algumas vezes até mesmo pregando novamente em porções da Escritura com um melhor entendimento do texto. Onde quer que eu tenha mudado minha opinião sobre qualquer questão doutrinária significante, tenho buscado tornar minha mudança de opinião, bem como as razões dela, tão clara quanto possível.

Para esse fim, quero declarar publicamente que abandonei a doutrina da ‘filiação encarnacional'. Um estudo cuidadoso e reflexão me trouxeram ao entendimento de que a Escritura, de fato, apresenta o relacionamento entre Deus o Pai e Cristo o Filho como um relacionamento eterno de Pai-Filho. Eu não mais considero a filiação de Cristo como um papel que ele assumiu na sua encarnação.

Minha posição anterior surgiu do meu estudo de Hebreus 1:5, que parece falar da geração do Filho pelo Pai como um evento que aconteceu num ponto no tempo: “Tu és meu Filho, hoje te gerei”; “Eu lhe serei Pai, e ele me será Filho” (ênfase adicionada).

Esse versículo apresenta alguns conceitos muito difíceis. “Gerar” normalmente fala da origem de uma pessoa. Além do mais, filhos são geralmente subordinados aos seus pais. Eu, portanto, encontrei dificuldade em ver como um relacionamento eterno Pai-Filho poderia ser compatível com a perfeita igualdade e eternidade entre as Pessoas da Trindade. “Filiação”, conclui, indica o lugar de submissão voluntário à qual Cristo condescendeu em sua encarnação (cf. Filipenses 2:5-8; João 5:19).

Meu objetivo era defender, não de alguma forma minar, a absoluta deidade e eternidade de Cristo. E eu me esforcei desde o princípio em deixar isso tão claro quanto possível.

Todavia, quando eu publiquei pela primeira vez minhas visões sobre o assunto (em meu comentário sobre Hebreus de 1983), alguns críticos sinceros me acusaram de atacar a deidade de Cristo ou questionar sua eternidade. Em 1989 eu respondi àquelas acusações numa sessão plenária da convenção anual das Igrejas Fundamentalistas Independentes da América (a ordenação que me ordenou). Logo após aquela seção, para explicar mais as minhas visões, escrevi um artigo intitulado “A Filiação de Cristo” (publicado em 1991 na forma de livreto).

Em ambas as ocasiões eu re-enfatizei o meu comprometimento incondicional e inequívoco com a verdade bíblica de que Jesus é eternamente Deus. A visão da ‘filiação encarnacional', embora admitidamente uma opinião da minoria, não é de forma alguma uma heresia. O cerne da minha defesa da visão consistia de declarações que afirmavam tão claramente quanto possível meu compromisso absoluto com as essências evangélicas da deidade e eternidade de Cristo.

Ainda, controvérsias continuaram a girar ao redor das minhas visões sobre ‘filiação encarnacional, incitando-me a re-examinar e repensar os textos bíblicos pertinentes. Através desse estudo eu tenho ganhado uma nova apreciação do significado e da complexidade desse assunto. Mais importante, minhas visões sobre o assunto têm mudado. Aqui estão duas razoes principais para a minha mudança de opinião:

1. Estou agora convencido de que o título “Filho de Deus” quando aplicado a Cristo na Escritura sempre fala de sua deidade essencial e de sua igualdade absoluta com Deus, não de sua subordinação voluntária. Os líderes judeus dos tempos de Jesus entenderam isso perfeitamente. João 5:18 diz que eles pediram a pena de morte contra Jesus, acusando-o de blasfêmia “porque não só violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus”.

Naquela cultura, um filho adulto dignitário era considerado como sendo igual ao seu pai em estatura e privilégio. A mesma deferência exigida por um rei era fornecida ao seu filho adulto. O filho era, no final das contas, da mesmíssima essência que o seu pai, herdeiro de todos os direitos e privilégios do pai - e, portanto, igual ao pai em toda consideração significante. Assim, quando Jesus foi chamado de “Filho de Deus”, isso foi entendido categoricamente por todos como um título de deidade, fazendo-o igual com Deus e (mais significantemente) da mesma essência que o Pai . Isso foi precisamente o porquê os líderes judeus consideraram o título “Filho de Deus” como alta blasfêmia.

Se a filiação de Jesus significa sua deidade e expressa igualdade com o Pai, ela não pode ser um título que pertence somente à sua encanação. De fato, o ponto principal do que se quer dizer por “filiação” (e certamente isso incluiria a essência divina de Jesus) deve pertencer aos atributos eternos de Cristo, não meramente à humanidade que ele assumiu.

2. É agora minha convicção de que a geração da qual se fala em Salmos 2 e Hebreus 1 não é um evento que aconteceu no tempo. Mesmo que à primeira vista a Escritura pareça empregar terminologia com insinuações temporais (“hoje te gerei”), o contexto do Salmo 2:7 parece se referir claramente ao decreto eterno de Deus. É razoável concluir que a geração da qual se fala ali também é algo que pertence à eternidade, e não a um ponto no tempo. A linguagem temporal deveria ser entendida, portanto, como figurativa, não literal.

A maioria dos teólogos reconhece isso, e quando tratando com a filiação de Cristo, eles empregam o termo “geração eterna”. Eu não gosto da expressão. Nas palavras de Spurgeon, ela é um “termo que não nos transmite nenhum grande significado; ela simplesmente encobre nossa ignorância”. E, todavia, o conceito em si - estou agora convencido - é bíblico. A Escritura se refere a Cristo como o “unigênito do Pai” (João 1:14; cf. v. 18; 3:16, 18; Hebreus 11:17). A palavra grega traduzida como “unigênito” é monogenes . A ênfase do seu significado tem a ver com a unicidade absoluta de Cristo. Literalmente, ela pode ser traduzida como “um de um tipo” - e, todavia, ela claramente significa que ele é da mesmíssima essência que o Pai. Esse, creio, é o próprio cerne do que se quer dizer pela expressão “ unigênito”.

Dizer que Cristo é “gerado” é em si mesmo um conceito difícil. Dentro do reino da criação, o termo “gerado” fala da origem da descendência de alguém. O gerar de um filho detona sua concepção - o ponto em que ele veio à existência. Assim, alguns assumem que “unigênito” refere-se à concepção do Jesus humano no ventre da virgem Maria. Todavia, Mateus 1:20 atribui a concepção do Cristo encarnado ao Espírito Santo, não a Deus o Pai. O gerar ao qual o Salmo 2 e João 1:14 se referem parece claramente ser algo mais do que a concepção da humanidade de Cristo no ventre de Maria.

E, de fato, há outro significado, mais vital, para a idéia de “gerar” do que meramente a origem da descendência de alguém. No desígnio de Deus, cada criatura gera sua descendência “segundo sua espécie” (Gênesis 1:11-12; 21-25). A descendência carrega a semelhança exata do pai. O fato de que um filho é gerado pelo pai garante que o filho compartilha a mesma essência do pai.

Eu creio que esse é o sentido que a Escritura deseja transmitir quando ela fala da geração de Cristo pelo Pai. Cristo não é um ser criado (João 1:1-3). Ele não teve princípio, mas é tão eterno quanto o próprio Deus. Portanto, o “gerar” mencionado em Salmo 2 e suas referências cruzadas não tem nada a ver com sua [de Cristo] origem .

Mas ele tem a ver com o fato de que ele é da mesma essência que o Pai. Expressões como “geração eterna”, “Filho unigênito”, e outras pertencentes à filiação de Cristo, devem todas ser entendidas nesse sentido: a Escritura as emprega para enfatizar a absoluta unicidade da essência entre Pai e Filho. Em outras palavras, tais expressões não pretendem evocar a idéia de procriação; elas pretendem transmitir a verdade sobre a unicidade essencial compartilhada pelos Membros da Trindade.

Minha visão anterior era que a Escritura empregava a terminologia Pai-Filho antropomorficamente - acomodando verdades celestiais insondáveis às nossas mentes finitas, moldando-as em termos humanos. Agora estou inclinado a pensar que o oposto é verdade: relacionamentos humanos de pai-filho são meramente figuras terrenas de uma realidade celestial infinitamente maior. O relacionamento arquétipo verdadeiro Pai-Filho existe eternamente dentro da Trindade. Todos os outros são meramente réplicas terrenas, imperfeitas porque elas são limitadas pela nossa finitude, todavia, ilustrando uma realidade eterna vital.

Se a filiação de Cristo é toda sobre sua deidade, alguém se perguntaria por que isso se aplica somente ao Segundo Membro da Trindade, e não ao Terceiro. Afinal de contas, não nos referimos ao Espírito Santo como Filho de Deus, nos referimos? Todavia, ele também não é da mesma essência que o Pai?

Certamente ele é. A essência plena, não diluída e não dividida de Deus pertence igualmente ao Pai, Filho e Espírito Santo. Deus é apenas uma essência; todavia, ele existe em três Pessoas. As três Pessoas são co-iguais, mas elas ainda são Pessoas distintas. E as características principais que distinguem entre as Pessoas estão implicadas nas propriedades sugeridas pelos nomes Pai Filho Espírito Santo . Os teólogos têm chamado essas propriedades de paternidade filiação processão . Que tais distinções são vitais para o nosso entendimento da Trindade é claro a partir da Escritura. Como explicá-las completamente permanece de certa forma um mistério.

De fato, muitos aspectos dessas verdades podem permanecer inescrutáveis para sempre, mas esse entendimento básico das relações eternas dentro da Trindade, contudo, representa o melhor consenso do entendimento cristão durante muitos séculos da história da Igreja. Eu, portanto, afirmo a doutrina da filiação eterna de Cristo, enquanto reconhecendo-a como um mistério no qual não deveríamos esperar sondar muito profundamente.

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Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 25 de Novembro de 2005.

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Fonte: Monergismo
Via: MCA - Ministério Cristão Apologético

Teologia da Prosperidade e as prostitutas da religião


molhar_a_maoPor Antognoni Misael
Uma das coisas evidentes nos dias atuais em grande parte da igreja brasileira é o desejo de prosperidade material. Alguém diz: – Deus é Fiel! e entende-se: “Deus vai me abençoar financeiramente, pois Ele é dono do ouro e da prata”; outro diz, “sou mais que vencedor” e interpreta-se: “tenho que ter mais bens e dinheiro do que os ímpios”. Gente, muito maior do que fila para empréstimo consignado é a fila dos que almejam um deus preocupado com luxo e prosperidade dos seus interesseiros.
A falácia da teologia da prosperidade espalha-se como um câncer em nossa terra tropical.
Em uma nação onde a esperança política praticamente acabou, nada mais viável do que encontrar a botija da riqueza na metafísica divina. Os pilantras logo sacaram isso logo! Alguns, mestres estelionatários da fé, outros manobrados, mas ambos conspirando para o mesmo deus.
Os canais de TV nos expõe ao ridículo quando estes falsos mestres anunciam seus produtos em troca de investimentos e se esquivam de falar de temas como arrependimento,pecado, Cruz, Graça e Inferno.
Num país onde há 70% de analfabetos funcionais (ou seja, os que lêem, escrevem, mas quase nada decodificam e interpretam) e a sua maioria não gosta de ler, é oportuno que muitos crentes com tais características fechem as cartas de Deus em detrimento de um contato místico através de barganhas altamente convenientes às suas necessidades e desejos terrenos.
Como bem diz o Rev. Antonio Carlos Costa em relação a nossa natureza caída: “o principal compromisso do homem é a com a sua própria felicidade”. E isso é uma total verdade, principalmente diante de uma cultura onde ser feliz significa ter muito dinheiro, bens e status social.
Nossa reflexão é a seguinte:
- na pauta de Deus há tanto interesse em nos conceder prosperidade material? Será que isso fará com que vivamos em maior comunhão e gratidão a Ele?
Aconteceu que nos tempos de Jeremias, o povo de Israel passava por um momento de economia próspera e conforto material, no entanto estes estavam sob julgamento de Deus por terem cometido apostasia, vejam o que a divindade falou:
“Como, vendo isto, te perdoaria?’ Teus filhos me deixaram a mim e juram pelo que não são deuses; depois de eu os ter fartado, adulteraram e em casa de meretrizes se ajuntaram em bandos; como garanhões bem fartos correm de um lado para o outro, cada um rinchado a mulher de seu companheiro”. Jeremias 5.7-8.
Note que quando o povo estava alimentado, farto e com tempo de sobra o que eles decidiram fazer? Perceba que Deus usa termos fortes e os acusa de adultério.
Amigos, quanto mais abastados , menos nos identificamos com o sofrimento de Cristo e menos almejamos a eternidade!
Nas palavras de Paulo em 2Co 11.1-2 podemos ressignificar o adultério do tempo de Jeremias e pensá-lo em outra dimensão: adultério espiritual.
“Quisera eu me suportásseis um pouco na minha loucura! Suportai-me, porém, ainda.
Porque estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo”. 2 Coríntios 11:1-2
Deus quer que nos apresentemos como uma noiva pura e  fiel. Não obstante, quando a noiva não se satisfaz com a doce presença do noivo e o troca por outros deuses, dentre eles o deus da prosperidade, ela comete tal adultério e passa a ser uma prostituta travestida de religião.
Alguns líderes midiáticos que têm ceifado multidões e lhes oferecido um deus cujo objetivo principal é ludibriar seus filhos e engordar as contas dos falsos mestres. Por isso a cada dia tem se tornado difícil falar da beleza do Evangelho. A satisfação em apenas ter Jesus tornou-se irrelevante para muitos ditos evangélicos. Cantar “Tua Graça me Basta” está totalmente fora de moda. Isso é triste e inquietante!
Urgentemente, precisamos pregar para as pessoas deixando claro que o convite de Jesus não nos garante sucesso material, mas paz, gozo, e alegria eterna. Semelhantemente, para alguns evangélicos, precisamos perguntá-los com ousadia: como anda esse amor pelo noivo. É Amor ou só interesse?
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Antognoni Misael. Um Maluco Pecador que coedita o Púlpito Cristão e Arte de Chocar.
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Por Rev. Augustus Nicodemos Lopes


O debate na Igreja brasileira sobre o batismo com o Espírito Santo tem sido às vezes conduzido em torno das figuras do (já falecido) Dr. Martyn Lloyd-Jones e do Dr. John Stott.[1] Mais particularmente, o debate tem girado em torno das suas interpretações da conhecida passagem de Paulo em 1 Coríntios 12.13, "Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito."[2] A passagem é crucial para o debate, já que é a única, fora dos Evangelhos e de Atos, que traz juntas palavras como "todos", "Espírito", "batizar", "corpo", e "beber". Alguns defensores do batismo com o Espírito Santo como uma experiência distinta da conversão, referem-se ao Dr. Lloyd-Jones como exemplo de um teólogo reformado e puritano que defende essa posição. Os do campo contrário, referem-se ao Dr. Stott como um teólogo de renome mundial que sustenta ser o batismo com o Espírito Santo idêntico à conversão.

Duas observações iniciais sobre esta realidade. Primeira, o debate sobre o batismo com o Espírito Santo tem encontrado muito mais participantes ilustres do que apenas Lloyd-Jones e Stott. Existem muitos livros e artigos defendendo uma e outra posição, escritos por teólogos conhecidos e de diferentes persuasões teológicas. O fato de que, no Brasil, esta polêmica desenvolve-se em torno dos nomes de Lloyd-Jones e de Stott deve-se ao simples fato de que ambos tiveram suas obras traduzidas para o português, e outros não. E a segunda observação decorre deste último ponto: a doutrina do batismo com o Espírito Santo não é a principal ênfase dos ministérios de Lloyd-Jones e Stott.[3] Ambos falaram e escreveram sobre muitos outros assuntos. Mas o fato é que, no Brasil, por falta de autores nacionais que escrevam claramente sobre o assunto, e que tomem uma posição definida, e também por causa das poucas traduções em português de livros sobre o tema, o debate desenvolveu-se mesmo em torno desses dois nomes.

Também é importante lembrar que esses dois importantes líderes não se envolveram pessoalmente em disputa pública sobre esse ponto específico. São alguns de entre os seus seguidores e admiradores que têm usado seus escritos para debater as diferenças que a discussão moderna sobre o assunto tem levantado. Lloyd-Jones e Stott, na verdade, estiveram envolvidos em outro tipo de polêmica, mais especificamente com relação a eclesiologia, e a unidade dos evangélicos.[4]

Partindo então da inevitável realidade de que teremos de lidar com Lloyd-Jones e Stott ao nos referirmos à questão do batismo com o Espírito Santo em um artigo destinado a pastores e líderes brasileiros, tentaremos aqui dar uma colaboração ao debate através de uma apresentação e análise da posição de ambos, particularmente à luz da maneira como interpretam 1 Co 12.13.

Lloyd-Jones e 1 Co 12.13

Vamos começar com Martyn Lloyd-Jones, por uma questão de cronologia. Sua opinião sobre o batismo com o Espírito Santo, e sua interpretação de 1 Co 12.13, podem ser encontradas em três de suas obras principais. Primeiro, em God’s Ultimate Purpose, o primeiro volume de sua famosa série de sermões na carta aos Efésios, pregados nos anos 1954-1955, durante seu ministério na Capela de Westminster, Londres.[5] Ele expõe Efésios 1.13 em seis capítulos, quando então aborda o tema do batismo com o Espírito Santo.[6] Segundo, no volume da sua série em Romanos, intitulado The Sons of God, onde ele expõe Romanos 8.5-17.[7] Esse volume contém os sermões pregados em Romanos durante os anos 1960-1961, dos quais oito tratam de Rm 8.16, uma passagem que, segundo Lloyd-Jones, refere-se ao batismo com o Espírito Santo.[8] Por fim, em seu livro Joy Unspeakable, publicado em 1984, que é a transcrição de vinte e quatro sermões pregados em 1964 na Capela de Westminster, Inglaterra, numa série em João 1.26-33.[9] Nesta obra, Lloyd-Jones trata de forma detalhada da sua posição sobre o batismo com o Espírito Santo, e de 1 Co 12.13.10 Procuraremos resumir, partindo destas fontes, a sua interpretação da passagem.[11]

O contexto do ensino de Lloyd-Jones

Devemos estar conscientes do contexto em que Lloyd-Jones aborda esse assunto. Ele estava reagindo a duas tendências de sua época, as quais considerava perniciosas para a vida da Igreja. Em primeiro lugar, contra o nascente movimento de "línguas", em Londres, cujos proponentes reivindicavam terem sido "batizados com o Espírito", e colocavam a ênfase maior no dom de línguas. Lloyd-Jones freqüentemente adverte contra os perigos do fanatismo, misticismo, e abusos nesta área,[12] fato que às vezes tem sido esquecido por alguns que usam seus escritos para promover conceitos e práticas carismáticos.

Lloyd-Jones enfrentava ao mesmo tempo um tipo de ensino aparentemente ortodoxo que ele considerava ainda mais pernicioso à vida da Igreja do que os excessos dos carismáticos. Basta que leiamos os capítulos 21—25 do seu livro God’s Ultimate Purpose para verificarmos que, na maioria das vezes, ele está reagindo, não aos excessos do movimento carismático nascente, mas ao tipo de ensino que dizia que os crentes já tinham recebido tudo por ocasião da sua conversão, e que não mais precisavam buscar a plenitude do Espírito ou um nível maior de vida espiritual.[13] Era esse Cristianismo anti-emocional e intelectualista que prevalecia nas Igrejas evangélicas da Inglaterra. Para muitos pastores e estudiosos daquela época, todos os crentes já haviam recebido tudo do Espírito na sua conversão, e o que restava era irem se apropriando destes benefícios gradativamente, na vida cristã.[14] Para eles, quase todos os aspectos da obra redentora e santificadora do Espírito Santo ocorriam num âmbito não "experienciável",[15] e atividades do Espírito como o "selo" (Ef 1.13) e o "testemunho ao nosso espírito" (Rm 8.16) eram encarados como se processando em um nível intelectual, ou acima da nossa capacidade de sentir ou experimentar. Outros ensinavam que todas estas coisas eram para ser tomadas "pela fé", independentemente dos sentimentos ou das emoções.

Para Lloyd-Jones, esse tipo de ensino era responsável em grande parte pelo fato de a maioria dos cristãos na Europa desconhecerem um Cristianismo vigoroso, "experienciável", e de praticarem uma religião fria, sem emoções, e destituída de vigor e vida. Como pastor de formação puritana, Lloyd-Jones reagiu fortemente a esse tipo de ensino que acabava por negar o caráter "experienciável" da fé em Cristo, e o lugar das emoções na experiência cristã. Mas, o seu maior conflito com esses teólogos era que tal ensinamento, na sua opinião, não deixava lugar para reavivamentos espirituais, para novos derramamentos do Espírito sobre a Igreja.

Por esse motivo, ele abordou o assunto do batismo com o Espírito Santo muito mais em reação à frieza espiritual da sua época, do que em reação ao movimento carismático, que estava apenas em seus inícios naqueles dias.

O selo do Espírito e o batismo com o Espírito

Ao expor Ef 1.13, "fostes selados com o Santo Espírito da promessa", Lloyd-Jones segue a interpretação de alguns teólogos Puritanos (Thomas Goodwin, John Owen, Charles Simeon, Richard Sibbes), e do famoso Charles Hodge de Princeton, que defendiam que esse "selo" não é a mesma coisa que a conversão, e pode ocorrer depois.[16] A principal ênfase de Lloyd-Jones em sua exposição da passagem é que esse "selo" é algo que pode ser experimentado, sentido e identificado pelos crentes, e que não se trata de algo que já ocorreu automaticamente com todos eles na sua conversão. Como demonstração, ele menciona experiências de personagens famosos na História da Igreja, como John Flavel, Jonathan Edwards, D. L. Moody, Christmas Evans, George Whitefield e John Wesley.[17]

Trata-se de uma experiência, diz Lloyd-Jones, e não de um processo. Assim, é algo que deve ser buscado por cada um.[18] Também não devemos confundir o "selo" com a plenitude do Espírito, e nem com a santificação;[19] o "selo" também não é algo a ser "apropriado pela fé", como ensinam alguns pregadores e escritores:[20] ele funciona como uma autenticação de Deus de que de fato pertencemos a ele, algo semelhante ao ocorrido com o Senhor Jesus quando foi batizado (comparar Jo 1.32-34 com 5.27).[21]

Lloyd-Jones identifica esse "selar" do Espírito com o "batismo" do Espírito, experimentado pelos apóstolos no dia de Pentecostes, e ainda pelos samaritanos, Cornélio e sua casa, e os discípulos de João Batista em Éfeso.[22]

O testemunho do Espírito e o batismo com o Espírito

Em sua exposição de Romanos 8.16, Lloyd-Jones afirma que o testemunho do Espírito ao nosso próprio espírito é mais do que o resultado de um processo racional, pelo qual o crente chega à certeza da salvação. Segundo ele, trata-se de uma certeza dada de forma imediata (sem o uso de meios) pelo Espírito, diretamente à nossa consciência. Portanto, é algo da mesma ordem que o "selo" ou batismo com o Espírito.[23] É algo distinto da conversão, que ocorre após a mesma, às vezes em um intervalo de tempo extremamente breve.[24]

1 Coríntios 12.13

Lloyd-Jones está consciente de que alguns apelarão para 1 Co 12.13 para contradizer seu ponto de vista. Para ele, a passagem ensina de fato que o Espírito Santo batiza o crente, colocando-o no corpo de Cristo que é a Igreja, e que isto ocorre na conversão, e que, portanto, todos os cristãos já foram objeto desta atividade do Espírito. Porém, ele argumenta, esse "batismo" de 1 Co 12.13 não é o mesmo "batismo" ou "selo" do Espírito mencionado nos Evangelhos e em Atos. O que ocorre é que a palavra "batismo" é empregada no Novo Testamento com vários sentidos diferentes.[25] Para ele, o batismo pelo Espírito em 1 Co 12.13 significa o ato pelo qual o Espírito nos incorpora à Igreja, e que portanto é idêntico à conversão, ao passo que, nos Evangelhos, e principalmente em Atos, o batismo com o Espírito refere-se a uma experiência pós-conversão, confirmatória e autenticadora em sua essência.[26]

Lloyd-Jones argumenta que uma das diferenças decisivas entre 1 Co 12.13 e as passagens em Atos sobre o batismo com o Espírito Santo, é quanto ao agente do batismo, ou seja, a pessoa que batiza. Ele acredita que na expressão e)n e(ni/ pneu/mati h(mei=j pa/ntej ei)j e(\n sw=ma e)bapti/sqhmen a preposição e)n tem força instrumental, e que deve, portanto, ser traduzida "por um só Espírito", e não "em um só Espírito". Ele argumenta que "por" é a tradução da maioria das versões em Inglês, e que a preposição e)n ocorre em várias outras ocasiões no Novo Testamento com a mesma força instrumental (ele cita Mt 7.6; 26.52; Lc 1.51; Rm 5.9). Ele cita ainda várias outras autoridades na área de exegese que mantém esta opinião.[27] Ele conclui que, em 1 Co 12.13, é o Espírito quem nos batiza no corpo de Cristo. Nas demais passagens, o agente é o Senhor Jesus, o que é algo muito diferente. A confusão existe pelo fato de que a mesma palavra "batismo" é usada.[28] Em 1 Co 12.13 ela se refere à conversão, mas nas demais passagens, a uma experiência posterior à conversão, e portanto, distinta da mesma.

Era Lloyd-Jones um Carismático?

Em resumo, para Lloyd-Jones, o batismo com o Espírito Santo é uma experiência na qual o Espírito concede ao crente plena certeza de fé, e que deve ser identificada com o selo e o testemunho do Espírito mencionados por Paulo. Esta experiência resulta em poder e ousadia, que por sua vez, capacitam o crente a testemunhar eficazmente de Cristo.

É extremamente importante notar que o pensamento de Lloyd-Jones sobre o selo ou batismo do Espírito, é essencialmente diferente da posição pentecostal clássica, e da posição neopentecostal. Lloyd-Jones não vê nenhuma evidência bíblica de que esta experiência deva ser acompanhada pelo falar em línguas e pelo profetizar, ou por qualquer outra manifestação extraordinária. Na verdade, ele chama a atenção para o fato de que muitos dos dons que foram concedidos no início da Igreja Cristã não haviam sido mais concedidos no desenrolar desta mesma história. Ele aponta para o fato de que nenhum dos grandes nomes da História da Igreja, conhecidos como tendo passado por experiências profundas com o Espírito (que ele considera como tendo sido esse "selar" ou "batizar" do Espírito) terem manifestado dons como línguas, profecia, ou milagres. Para Lloyd-Jones, o ponto essencial desta experiência também não é a capacitação de poder, como enfatizado em círculos pentecostais e carismáticos, mas a certeza dada de forma direta, pelo Espírito, de que somos filhos de Deus.[29]

Como já mecionamos, ao mesmo tempo em que estava reagindo contra o Cristianismo frio e árido de sua época, Lloyd-Jones também estava em combate contra várias ênfases do nascente movimento carismático. Talvez o único ponto em que ele estivesse em acordo com eles é que o "selo" (batismo) do Espírito é algo distinto da conversão, e que ocorre após a mesma.[30] As diferenças quanto ao propósito e às evidências deste evento são por demais distintas das convicções pentecostais-carismáticas, para que venhamos a classificar Lloyd-Jones como um carismático.

Stott e 1 Coríntios 12.13

Passemos agora para a opinião de John Stott. Conhecido pregador e escritor, Stott é ministro da Igreja Anglicana da Inglaterra. Em 1964 ele fez uma série de estudos numa conferência para líderes evangélicos sobre a obra do Espírito Santo, os dons espirituais, e especialmente, sobre o batismo com o Espírito Santo. Estas palestras foram uma reação de Stott ao crescente Pentecostalismo dentro da sua própria paróquia.[31] As palestras vieram ao grande público em 1966, num livrete intitulado The Baptism and Fullness of the Holy Spirit,[32] após os sermões de Lloyd-Jones sobre o assunto já terem sido impressos. Dez anos após Stott publicou uma segunda edição, intitulada Baptism & Fullness: The Work of the Holy Spirit Today,[33] onde ampliou algumas partes que precisavam de mais clareza e fundamentação, sem, entretanto, alterar seus pontos de vista.[34] Esta obra foi traduzida e publicada em Português em 1986, como Batismo e Plenitude do Espírito Santo.[35] Nela, Stott trata dos principais aspectos da obra do Espírito relacionados com a polêmica moderna, tais como a promessa do Espírito, o batismo do Espírito, a plenitude, o fruto e os dons do Espírito. Procuraremos nos concentrar na sua interpretação de 1 Co 12.13.

Uma experiência iniciatória

Stott argumenta que a expressão "batismo com o Espírito Santo", que ocorre sete vezes no Novo Testamento, é equivalente à expressão "o dom do Espírito Santo" que ocorre em At 2.38, e refere-se à experiência iniciatória da qual participam todos os que se tornam cristãos.[36] O próprio conceito de "batismo com água" é iniciatório, como sendo o ritual público de introdução na Igreja, e está intimamente associado ao batismo com o Espírito Santo, como sugere At 10.47, 11.16 e 19.2-3.37 Ele argumenta que a linguagem empregada por Paulo para descrever a experiência cristã com o Espírito, como "estar no Espírito", "ter o Espírito", "viver pelo Espírito", e "ser guiado pelo Espírito", é aplicada nas cartas do apóstolo a todos os cristãos, indistintamente, até mesmo para os recém convertidos, a partir do momento em que se tornam cristãos. O Novo Testamento, continua Stott, presume que Deus tem dado o Espírito a todos os cristãos, cf. Rm 8.9; Gl 5.25; Rm 8.14.38

Das sete vezes em que a expressão "ser batizado com o Espírito Santo" ocorre no Novo Testamento, somente uma vez é fora dos Evangelhos e de Atos (ou seja, em 1Co 12.13). Stott lembra que, nos Evangelhos, a expressão aparece quatro vezes nos lábios de João Batista, ao descrever o ministério do Senhor Jesus, "ele vos batizará com o Espírito Santo" (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33). Em Atos, uma vez é aplicada pelo Senhor a Pentecostes (At 1.5), e outra é aplicada por Pedro à conversão de Cornélio, citando as palavras do Senhor Jesus (At 11.16).

A sétima vez é em 1 Co 12.13, "Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito". Stott contesta que, aqui, Paulo esteja se referindo ao Dia de Pentecoste, já que nem ele, nem os coríntios, participaram daquele evento histórico. Paulo está se referindo à participação nas bênçãos que Pentecoste tornou possível aos cristãos. Ele e os coríntios tinham recebido o Espírito Santo; aliás, para usar a terminologia de Paulo, tinham sido "batizados" com o Espírito Santo, e tinham "bebido" deste mesmo Espírito.

Stott aponta para o fato de Paulo estar enfatizando a unidade no Espírito no contexto da passagem, em contraste deliberado à variedade dos dons espirituais, assunto que o apóstolo havia discutido na primeira parte de 1 Co 12. Esse ponto é evidente pela repetição da palavra "todos" (todos...foram batizados, todos...beberam) e da expressão "um só" (um só Espírito... em um só corpo... de um só Espírito). O que Paulo está fazendo aqui, afirma Stott, é sublinhar aquela experiência com o Espírito Santo que todos os cristãos têm em comum. Esta é a diferença entre "o dom do Espírito" (quer dizer, o próprio Espírito Santo), e "os dons do Espírito" (isto é, os dons espirituais que ele distribui). Neste capítulo Paulo emprega várias vezes uma terminologia onde a unidade dos cristãos é destacada, cf. 12.4,8,9,11,13. O clímax é 12.13, onde o apóstolo afirma que em um só Espírito todos nós fomos batizados em um corpo. A expressão de Paulo, "quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres", bem pode ser uma alusão a "toda a carne" mencionada na profecia de Joel. Stott conclui que o batismo com o Espírito Santo não é uma segunda experiência, nem uma experiência subseqüente desfrutada somente por alguns cristãos, mas a experiência inicial desfrutada por todos.[39] Ou seja, o batismo com o Espírito é o mesmo que conversão.

No seu recente comentário em Atos, Stott procura deixar claro que não nega que haja experiências mais profundas e mais ricas após a conversão. Porém, ele rejeita a idéia de que tais coisas possam ser chamadas de "batismo com o Espírito", uma terminologia que ele reserva apenas para a conversão, a obra inicial do Espírito no crente.40 É importante notar que, para ele, as passagens nos Evangelhos e em Atos devem ser interpretadas à luz da passagem de Corintios, e portanto, devem se referir à conversão, quando o crente recebe tudo o que lhe é dado receber do Espírito. É sintomático que no seu livro Baptism & Fullness não exista nem uma palavra sobre reavivamento espiritual. Stott aparentemente não nega a possibilidade da ocorrência de um reavivamento em nossos dias, mas certamente não é um dos seus proponentes mais entusiastas.

Batismo "pelo", "com", ou "no" Espírito?

Em seguida, Stott passa a responder às objeções que geralmente são levantadas contra sua interpretação de 1 Co 12.13. Inicialmente, ele aborda o argumento de que as outras seis passagens, que se referem ao "batismo com o Espírito Santo", tratam do batismo feito por Jesus em, ou com, o Espírito Santo, enquanto que 1 Co 12.13 trata do batismo realizado pelo Espírito no corpo de Cristo, algo completamente diferente. Os defensores desta posição, esclarece Stott, concordam que o Espírito Santo batizou a todos os crentes no corpo de Cristo, mas isto não prova, para eles, que Cristo batizou a todos com o Espírito Santo. Stott afirma que esse tipo de argumentação é um exemplo de se tentar defender o indefensável, e passa, então, a refutá-la como se segue.[41]

Em todas as sete ocorrências da frase, a idéia de batismo é expressa pelas mesmas palavras gregas bapti/zw, e)n, pneu=ma, e portanto, a priori, deve ser entendida como se referindo à mesma experiência de batismo. Esta é uma regra sadia de interpretação, diz Stott, e cabe aos que pensam o contrário apresentar provas de que ela não se aplica aqui. A interpretação natural é que Paulo estaria em 1 Co 12.13 ecoando as palavras de João Batista, como Jesus e Pedro haviam feito antes dele (At 1.15; 11.16). É estranho tomar Jesus como o batizador nas seis primeiras passagens, e então, na sétima, tomar o Espírito como sendo o batizador, já que as expressões são idênticas. A preposição grega em 12.13 é e)n, como nos demais versículos, onde é traduzida como "com". Por quê, pergunta Stott, deveria ser traduzida diferentemente?[42]

Os quatro elementos de todo batismo

Ele então defende esse ponto com o argumento de que em qualquer tipo de batismo existem quatro partes: (1) o sujeito, que é o batizador, (2) o objeto, que é a pessoa sendo batizada, (3) o elemento em, ou no qual a pessoa é batizada, e (4) o propósito com o qual o batismo é realizado. Como exemplo, ele cita o "batismo" dos israelitas no Mar Vermelho (cf. 1 Co 10.1-2). Deus foi o batizador, os israelitas foram os batizandos, o elemento em que foram batizados foi água, ou vapor que caia das nuvens, e o propósito é indicado pela expressão "batizados em Moisés", isto é, para um relacionamento com Moisés como o líder apontado por Deus. O batismo de João, igualmente, tem quatro partes: João (o sujeito) batizou as multidões que vinham de Jerusalém e regiões circunvizinhas (os batizandos) nas (e)n) águas do Rio Jordão (elemento) para (ei)j) arrependimento e, portanto, remissão de pecados, cf. Mt 3.5,11. O batismo cristão é similar, continua Stott. O pastor (sujeito) batiza o candidato (objeto) na, ou com, água (elemento), e o batismo é ei)j, "para" o nome da Trindade, ou mais especificamente, para o nome de Cristo (Mt 28.19; At 8.16). O batismo do Espírito não é exceção a esta regra, conclui Stott. Se colocarmos as sete referências juntas, verificaremos que Jesus Cristo é o batizador (sujeito), todos os crentes (1 Co 12.13) são os batizandos (objeto), o Espírito Santo é o "elemento" com o qual (e)n) somos batizados, e o propósito (ei)j) é a incorporação do crente no corpo de Cristo.[43]

Stott reconhece que alguém poderia objetar que estas quatro partes não aparecem claramente em todos as sete passagens mencionadas. Por exemplo, o sujeito (o batizador) não aparece em 1 Co 12.13. Para Stott, isto não é problema: Jesus Cristo é o batizador implícito da passagem, assim como também em At 1.5 e 11.16. Ele não é mencionado porque nestas passagens o verbo "batizar" está na voz passiva, e a ênfase recai sobre as pessoas sendo batizadas, enquanto que o sujeito da ação recua para os bastidores.

Ele ainda argumenta que, se o Espírito é quem batiza em 1 Co 12.13, então, onde está o elemento com o qual ele batiza? Stott considera a falta de resposta a esta pergunta como sendo conclusiva de que sua interpretação é a correta, já que a metáfora do batismo requer um elemento. De outra forma, "batismo não é batismo".[44] Ele conclui que 1 Co 12.13 refere-se a Cristo batizando com o Espírito Santo, e nos fazendo beber do Espírito, e que "todos nós" temos participado desta bênção (cf. Jo 7.37-39). Esta conclusão é reforçada pelo tempo dos dois verbos, "batizar" e "beber", ambos no aoristo, e que se referem, não a Pentecoste, mas à bênção pessoal recebida pelos cristãos em sua conversão.[45]

Uma avaliação crítica

O quadro abaixo poderá nos ajudar a visualizar o pensamento destes dois eminentes servos de Deus sobre 1 Co 12.13.

Comparação das posições de Stott e Lloyd Jones:

Em que Lloyd-Jones e Stott concordam

Não há diferença entre eles quanto aos batizandos (aqueles sendo batizados) de 1 Co 12.13, e nem de fato deveria haver. Com a expressão todos nós Paulo se refere aos crentes em geral, e não somente a si mesmo e aos coríntios. Paulo está descrevendo na passagem uma experiência que une todos os cristãos, independente de raça, sexo, ou status social, e que isto o apóstolo faz porque seu objetivo, na segunda parte de 1 Co 12, é enfatizar a unidade dos cristãos, em contraste com a diversidade dos seus dons. Colocado dentro desta perspectiva, fica pouca dúvida de que 12.13 esteja se referindo a uma experiência na qual todos os cristãos participam.

Da mesma forma, o propósito deste batismo é claramente indicado pela preposição ei)j.[46] Ou seja, "colocar" o crente no corpo, que é a Igreja. Ambos concordam que esse é o alvo do batismo na passagem, e portanto, também concordam que o batismo mencionado é o mesmo que a conversão.

Em que Lloyd-Jones e Stott diferem

A tradução de e)n

Em primeiro lugar, analisemos a tradução da preposição e)n e a sua relação com o batizador, ou o agente do batismo. Não é fácil decidir sobre quem está certo, se Lloyd-Jones com a tradução "por", ou se Stott, com a tradução "com" ou "em". Todas são gramaticalmente possíveis. A decisão, finalmente, não será uma questão de gramática ou sintaxe, mas de teologia, das pressuposições teológicas que cada exegeta traz consigo ao analisar a passagem.

A favor da tradução "por um só Espírito" (Lloyd-Jones) está o fato de que esta é a tradução adotada pela maioria das traduções nas línguas modernas.[47] Contra, está o fato de que esta tradução faz com que a passagem seja a única no Novo Testamento a fazer do Espírito Santo o agente do batismo, e não o elemento com o qual o crente é batizado. Mas, para Lloyd-Jones, isto não é dificuldade, pois o batismo "pelo" Espírito é de fato distinto do batismo "com" ou "no" Espírito. E esta é a pressuposição com a qual ele se aproxima de 1 Co 12.13, ou seja, que o batismo com o Espírito mencionado nos Evangelhos e no livro de Atos é uma experiência distinta da conversão.

A favor de Stott está o fato de que, nas demais ocorrências da expressão, a preposição pode ser traduzida por "com" ou "no" Espírito. Ao analisar 1 Co 12.13 à luz das seis outras ocorrências da expressão "ser batizado com o Espírito Santo", Stott utiliza-se de um princípio sadio e sólido de exegese bíblica: uma passagem da Escritura deve ser interpretada à luz de outras passagens que tratem do mesmo tema. Contra sua interpretação está o fato de que, em última análise, sua posição exige que a conversão dos apóstolos, dos samaritanos e dos discípulos de João Batista, narradas em Atos, tenha ocorrido na mesma ocasião em que foram batizados com o Espírito. Esta posição é insustentável, do nosso ponto de vista, já que, pelo menos no caso dos apóstolos, é evidente que eles já eram regenerados quando foram batizados com o Espírito Santo. Porém, se considerarmos as experiências de Atos como exceções, o caso muda de figura. É isto que Stott eventualmente faz.[48]

A relação entre 1 Co 12.13 e as experiências no livro de Atos

Em segundo lugar, ambos divergem com respeito à relação entre 1 Co 12.13 e as demais passagens paralelas nos Evangelhos e Atos. Como vimos, Lloyd-Jones sustenta que se tratam de experiências diferentes: em 1 Coríntios "batismo pelo Espírito" se refere à conversão, enquanto que, em Atos, "batismo com o Espírito" se refere a uma experiência de confirmação e autenticação. Por outro lado, Stott afirma que em 1 Coríntios e em Atos, a expressão designa a mesma coisa, ou seja, conversão.

Não podemos entrar de forma profunda aqui neste artigo na questão do batismo com o Espírito Santo nos Evangelhos e no livro de Atos, mas podemos no mínimo afirmar que, em alguns dos casos narrados em Atos, o batismo com o Espírito ocorreu com pessoas que já eram crentes, como os discípulos em Pentecostes (At 2.1-4; cf. Jo 13.10; 15.3; Lc 10.20), e provavelmente os samaritanos (At 8.14-18; cf. 8.12). Somente em uma ocasião o batismo com o Espírito ocorreu claramente ao mesmo tempo que a conversão, que foi durante a pregação de Pedro na casa de Cornélio.

Os estudiosos têm tirado conclusões diferentes destes fatos. Lloyd-Jones, como vimos, conclui que tais fatos estabelecem a norma e a terminologia para todas as épocas da Igreja. Contudo, parece-nos que as experiências narradas em Atos são melhor entendidas à luz do contexto histórico em que ocorreram, à luz daquele período especial de transição, em que o Evangelho estava se universalizando, passando dos judeus para os gentios, um processo onde era necessário que manifestações extraordinárias acompanhassem os diferentes estágios desta transição, como uma forma de autenticação das mesmas. Esta é a convicção de Stott. Entendemos que MacArthur expressa bem esse ponto de vista, ao escrever o seguinte sobre a experiência dos samaritanos:

Aqueles crentes em particular tiveram de esperar pelo Espírito Santo, mas não lhes foi dito que deviam buscá-lo. O propósito daquela exceção era demonstrar aos apóstolos, e fazer ouvir entre os crentes judeus em geral, que o mesmo Espírito que havia batizado e enchido os crentes judeus, agora havia feito o mesmo com os crentes samaritanos, exatamente como, em pouco tempo, Pedro e outros judeus crentes, haveriam de ser enviados como testemunhas à casa de Cornélio, do fato de que "o Espírito havia também sido derramado sobre os gentios" (At 10.44-45).[49]

Não entendemos que as experiências narradas em Atos, onde houve um intervalo entre conversão e batismo com o Espírito, sejam a norma para as demais etapas da Igreja de Cristo, após o período de transição ter-se completado, e nem que a terminologia "batismo com o Espírito" deva ser usada para experiências posteriores à conversão. Se tivéssemos de tomar algum evento como normativo, tomaríamos a experiência dos três mil no dia de Pentecostes, que num mesmo evento se converteram, receberam o Espírito, e foram batizados com aquele mesmo Espírito (cf. At 2.38).

Parece-me, concluindo, que a dificuldade com a posição de Lloyd-Jones é essencialmente uma questão de terminologia. Creio que ele está correto em sua tese fundamental. Ou seja, que a plenitude das bênçãos espirituais que recebemos em nossa conversão não esvaziam, necessariamente, a possibilidade de termos experiências espirituais profundas após a mesma, que envolvam o crente como um todo, que atinjam as suas emoções e transformem a sua vida, que o conduzam a níveis ainda mais elevados de vida cristã. A História Eclesiástica demonstra eloqüentemente a possibilidade destas experiências.

Porém, não estou convencido de que possamos usar a terminologia do "batismo com o Espírito Santo" para designá-las. Esta terminologia, na minha opinião, foi utilizada para expressar no início da Igreja os eventos únicos relacionados com as etapas da universalização do Reino, relatos esses expostos no livro de Atos. À parte do que está narrado no livro de Atos, as Escrituras não aparentam reconhecer qualquer intervalo entre a conversão e o batismo com o Espírito Santo. Assim, a expressão é corretamente empregada hoje para designar a experiência universal de todos os crentes, ao receberem a Cristo pela fé em seus corações. Ao mesmo tempo, é de se lamentar profundamente que, ao reagir contra os abusos e exageros de muitos que professam ter recebido um "batismo com o Espírito", vários estudiosos conservadores tenham adotado uma posição onde há pouco, ou nenhum, lugar para novos derramamentos do Espírito, para reavivamentos e experiências espirituais profundas e ricas com Deus.

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Notas: Para visualizá-las, veja no artigo original.

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USUÁRIOS DE “ADORAÇÃO”


praise-640Por Andrew McAlister
Alguns crentes são tão friamente intelectuais que se questiona serem eles mamíferos de sangue quente, para não dizer seres humanos, ao passo que outros são tão emocionais que se deseja saber se são possuidores de uma porção mínima de massa cinzenta. Eu me sinto constrangido a dizer que o mais perigoso dos dois extremos é o anti-intelectualismo e depois a entrega ao emocionalismo.
John Stott, Cristianismo equilibrado
O assunto de louvor e adoração é sempre polêmico de se abordar. Por um lado, temos uma ala tradicional que quer, a todo custo, tirar toda a emoção da adoração. Do outro, há uma certa cultivação de um desespero e uma busca desenfreada por Deus, que vem acompanhada de uma avalanche de emoções. A resposta para tal questão é uma busca constante por equilíbrio, o entendimento do papel de cada faculdade humana no relacionamento com Deus. Hoje, porém, quero abordar o perigo do lado emocional.
Antes de mais nada, por favor entenda o seguinte, pois sei que estou pisando em campo minado: não escrevo a fim de me intrometer na vida de quem quer que seja. Você tem total direito de discordar dos meus pensamentos e em nenhum momento quero que minhas palavras sejam usadas para criar uma norma. Não quero reprimir ninguém nem apontar o dedo. Porém, reconheço que os pensamentos que trago confrontam a prática de alguns. Se você estiver em paz com a sua vida espiritual após discordar do que escrevi, glória a Deus por isso. Escrevo para cutucar (levemente) aqueles que possam estar enveredando por um caminho perigoso sem saberem. A única coisa que desejo verdadeira e explicitamente interromper é uma vida espiritual ignorante e preguiçosa. Se esse não for o seu caso, glória a Deus pela sua vida!
Confissões de um ex-viciado em adoração
Me deparei, recentemente, com o relato de um jovem que descreveu um vício. Ele narra o seu processo de “libertação”, por assim dizer, de ministérios de louvor. Recomendo a leitura do artigo, que você pode conferir aqui. Já estamos cansados de bater no “louvor show” e no mercado gospel. Não farei isso. O que me intrigou no texto citado foi a seguinte afirmação:
“Eu queria mais daquilo, eu queria “experimentar” a presença de Deus. Foi aí que descobri a indústria Gospel (…) Assim como hoje, meu coração possuía um forte desejo de ser missionário, de influenciar a sociedade com o Evangelho e mudar o mundo! Foi exatamente isso que encontrei (…). Só que isso nunca era suficiente para mim. Sempre queria mais e foi aí que a “adoração” se tornou um vício para mim. Eu baixava um novo CD (…) de “adoração” praticamente todo dia. Nesse período eu nunca deixei de ler a Bíblia, mas ainda assim não conseguia enxergar o meu erro. Necessitava diariamente de um novo hit, de uma nova canção de adoração para “experimentar” a presença de Deus, mas quanto mais eu buscava a Deus dessa forma mais eu me distanciava d’Ele.”
Muitas vezes, os consumidores vorazes de CDs e DVDs de adoração o fazem para preencher uma lacuna em suas vidas. Em vários casos, há um desejo por Deus que raramente repercuti no resto da vida da pessoa. Ela sabe todas as letras de cor, mas não consegue enxergar uma vida de adoração longe das músicas.
Lembro-me de um episódio de um conhecido que pegou carona com uma senhora da igreja. Ela estava ouvindo um CD de adoração no carro. A senhora o perguntou que ministérios ouvia, ao qual ele respondeu que não costumava ouvir músicas de adoração e que preferia música clássica, entre outros gêneros. Ela ficou espantada com a afirmação e perguntou como que ele podia passar tanto tempo entre um culto e outro sem “adorar” a Deus. Ele, sem graça, não resistiu e respondeu: “Bem, se Jesus voltar de segunda a sábado, então eu acho que vou para o inferno.”
Tanto na confissão quanto no episódio citado, o que me intrigou foi o conceito restrito de ambos sobre a adoração. No caso do ex-viciado, ele nunca deixou de ler sua Bíblia, mas mesmo assim estava errado. Não podemos simplesmente afirmar que ele rejeitava a Palavra de Deus. O que espanta é uma cegueira genuína, uma busca sincera (porém errada) por Deus.
“Mestre, é bom estarmos aqui…” […] (Ele não sabia o que estava dizendo.)
Quando Jesus subiu ao monte para orar acompanhado de Pedro, João e Tiago, seu rosto e suas vestes se transformaram. No relato da Transfiguração (Mt 17.1-8; Mc 9.2-8; Lc 9.28-36), Jesus começa a conversar com Elias e Moisés. Perante aquele momento ímpar e (sem dúvida) indescritivelmente incrível, Pedro faz a seguinte afirmação: “Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias”. (Lc 9.33) Será que Pedro estava sendo egoísta ao fazer tal afirmação? De maneira alguma! Afinal, segundo alguns comentaristas bíblicos, ele estava contemplando Jesus já em sua forma divina! Quem não gostaria de estar perante o Cristo já em sua forma final? Caso estivéssemos nesse lugar, por que razão sair dalí? O que seria mais importante que estar na presença do Filho?
Bem… a resposta à boa intenção de Pedro é o mais interessante. Jesus não o repreende como em outros relatos. Em vez disso, uma nuvem envolve os três apóstolos (fato que os aterrorizou) e Deus diz: “Este é o meu Filho, o Escolhido; ouçam a ele!”. (Lc 9.35) O que aconteceu ali? O acontecimento serviu para confirmar o testemunho da Lei (Moisés) e dos profetas (Elias) de que Jesus era o Messias. Por mais que o desejo de Pedro de estar ali naquele ambiente muito bom e prazeroso, o intuito de Deus naquilo era outro. Tanto que, em seguida, Jesus desce do monte com os três e se depara com um jovem possesso. De acordo com o comentário do Pr. Russell Shedd a respeito desse texto, “a sequencia da transfiguração e depois a cura do jovem ensinam a necessidade do serviço suceder ao culto. Apenas a permanência no monte do êxtase, sem tentar melhorar a vida dos outros no vale, ou vice-versa, resultam na falta de poder.”
O que tirar disso?
Por mais bem intencionado que Pedro estava, isso não justificou o seu erro. Ele não entendeu o objetivo daquele evento. Paralelamente, imagino que o ex-viciado também tinha a melhor das intenções! Porém ele, assim como Pedro, estava errado. Mas então… seria errado buscar uma vida de contemplação contínua de Cristo? Qual é o problema de se buscar a Deus acima de qualquer outra coisa? Afinal, não há nada mais importante. Certamente. Mas será que ao focarmos demais nessa busca, na experiência da presença de Deus, não estaríamos o fazendo apenas pelo prazer que isso produz em nós? Será que, inversamente, queremos a “presença Dele” somente pelo que isso produz… em nós? Então, a motivação da busca Dele é focada apenas no nosso prazer. Por mais genuíno, lícito e bem intencionado que seja, podemos buscar Deus “apaixonadamente” de maneira completamente equivocada e focada em nós. É uma armadilha sutil, e é por isso que quis abordá-la. Mas não se preocupe, como todo pecado que nos afasta de um real relacionamento com Deus, esse também não é novidade na história.
Misticismo e espiritualidade medieval
Em seu texto Sobre Espiritualidade, Místicos e Neoliberais, o Rev. Augustus Nicodemus descreve um movimento místico medieval que era focado justamente na busca e contemplação irrestrita de Deus. Ele diz:
“Sei que alguns místicos citavam a Bíblia, mas vai uma distância muito grande entre fazer isso e desenvolver uma espiritualidade que seja decorrente da teologia bíblica. A piedade ascética certamente não era moldada pelas Escrituras, a começar pelos votos de abstinência, a auto-flagelação, o isolamento social e uma vida dedicada à contemplação. Para não falar na busca de Deus de forma direta. A mística medieval, com raras e notáveis exceções, é voltada para a experiência interior, para a busca do êxtase, do mistério, de uma comunhão com Deus que não tenha troca de conteúdos, onde o homem não fala teologicamente e Deus também não responde teologicamente.”
Creio que a descrição na segunda parte da citação (grifada por mim) descreve bem até demais a busca de muitos hoje que correm insaciavelmente atrás da “experiência de adoração”.
Estádios lotados e corações vazios
Ao ir a cada evento, a cada culto e ao reproduzir os CDs durante a semana, nós queremos cultivar e de alguma maneira manter aquele “clima gostoso” da adoração. As frases repetidas, as mãos levantadas, a sensação de gritar a plenos pulmões até o ar fugir de nós, o choro, o balanço do corpo de lá para cá ou se ajoelhar e “se prostrar” no chão, o salão à meia luz, o riff de guitarra suave ao fundo… Não queremos perder aquilo. Mas o que talvez seja o aspecto mais assombroso de tudo isso é o fato de que nenhuma adoração parece satisfazer plenamente. É gravação de DVD após CD após evento após “festival de louvor” após “cultaço”… e nunca alcançam o que procuram. Continuam “desesperados de amor” por Cristo, mas parecem nunca encontrá-lo. Agostinho de Hipona disse:
“Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.”
Se fomos criados para Ele e não encontramos descanso em nenhuma adoração, a conclusão lógica é a de que Deus não está na adoração. A adoração não é um fim em si mesmo, é apenas um dos meios pelos quais nos aproximamos de Deus. Assim como na transfiguração, cabe a nós entendermos o real propósito da adoração e o seu lugar no plano maior da nossa vida com Cristo. Não é a toa que nenhuma experiência de louvor é suficiente, pois Deus não está no louvor. Este é apenas um meio e não um fim.
Enquanto isso, podemos acusar o mercado gospel o quanto quisermos. Podemos apontar para os “mercenários e vendilhões” do templo. Mas a verdade é que eles existem para atender uma demanda que não vem deles. Eles existem porque há uma multidão que busca cultuar o seu prazer, apenas, e não a Deus. E nós cristãos lotamos qualquer praça, auditório, estádio ou casa de shows em busca de nós mesmos.
Voltando ao texto de Stott, temos que constantemente buscar o equilíbrio na vida cristã. A nossa busca será constante, pois não somos capazes de nós mesmos o pecado. Só Cristo pode o fazer. Enquanto vivermos essa vida, seremos escravos não da consequência do pecado, mas da sua influência.
Que Deus nos ajude a perseverar numa peregrinação equilibrada ao cumprirmos o maior mandamento:
Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. (Mateus 22.37)
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