Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Cruz - Crucificação
"mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo." (Gálatas 6:14)
Eu já li esse versículo uma centena de vezes. Mas ele nunca tinha saltado aos meus olhos desta forma, admito. A cruz de Cristo serviu para, pasme, crucificar.

Às vezes a gente complica coisas que são tão simples, tão singelas, tão elementares. Não há o que dizer, não há argumentos, não há filosofia ou pensamento secundário. Pela cruz somos crucificados. Paulo escreveu isso aos irmãos Gálatas com tanta clareza e simplicidade que me envergonho de não ter percebido antes.

Pense comigo: era necessário morrer para apagar o meu pecado diante do Pai. Aliás, era uma lista de pecados que pesavam contra mim cujo preço era a morte. Jesus de Nazaré encarou a bronca, foi para a cruz no meu lugar. Portanto, o mundo está crucificado para mim e eu para ele. Ou seja, pela cruz eu sou crucificado. Simples assim.

O que eu preciso é apenas olhar para esse mundo, suas tentações, seus apelos, seus chamados, suas alegrias, seus convites - e dizer não, pois ele está crucificado para mim. Se eu morri naquela cruz juntamente com Cristo, não tem mais o que negociar. Não preciso pensar nem argumentar. Meu ego, minha vontade, minhas opiniões, meus desejos, minhas paixões... tudo foi crucificado pois pertencem a este mundo.

O que talvez muitas pessoas custem a compreender, ou se neguem a aceitar, é que a cruz não é um troca da morte de um pela vida de outro. Leia atentamente o livro de Levítico e veja que a justiça de Deus é baseada em equilíbrio: Vide "olho por olho, dente por dente". Portanto, a morte de Jesus na cruz é morte na cruz para mim e para você. A única troca é que Jesus precisou morrer fisicamente naquela cruz para ressuscitar glorificado, enquanto que nós morremos naquela cruz para este mundo e não fisicamente. Morre nosso ego, não nossa biologia. A seu tempo, obviamente, nosso corpo também morrerá.

O mais lindo disso tudo é que eu posso aceitar isso ou não, mas a minha decisão não mudará os fatos. Jesus morreu por mim e o que "devo" a Ele é estar crucificado para esse mundo. É um sacrifício diferente, mas não deixa de ser um sacrifício.

Dias atrás eu conversava com um cliente em sua empresa, um homem bem sucedido financeiramente com seus 73 anos de idade. Ele me disse "eu passei dos 70 estou no lucro". Eu retruquei "eu passei dos 19, estou no lucro". A estranheza dele me permitiu explicar que me converti aos 19 anos, quando fui crucificado para este mundo. Eu trabalho para ter sustento, não é o que dá sentido para minha vida. Se sou engenheiro, médico, jardineiro, motorista, bancário, pastor - é apenas um trabalho. A minha vida tem sentido naquela cruz, onde fui sentenciado a morrer para este mundo e viver eternamente no Reino de Deus.

Simples, completamente simples. Um morreu por mim, eu morro para o mundo, o mundo morre para mim. Chame como quiser. É simples.
"Senhor, ajuda-me a compreender a simplicidade de focar minha vida em Ti e no Teu Reino. Crucificar minha vontade e minhas opiniões é doloroso mas é menos do que Jesus fez por mim."
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Por Thiago Oliveira e Thomas Magnum


A vaidade é algo comum em todo ser humano, mas, gostaríamos, com esse texto, chamar a atenção dos músicos: instrumentistas e cantores. Esta é uma categoria que tem ganhado muita notoriedade com o boom da música gospel e vem moldando a forma de cultuar da Igreja. Anteriormente, a congregação cantava embalada por hinários e um organista. Isto foi mudando e após a revolucionária década de 1960 a sonoridade pop invadiu as liturgias, com isso boa parte das igrejas aderiu ao que chamamos de “liturgia contemporânea”.

Embora gostemos das letras contidas nos hinários, pois teologicamente são bem robustas, não desprezamos a musicalidade de nossa época. Os louvores podem sim ter uma melodia que comportem serem tocadas por instrumentos como guitarra, bateria e baixo. Quanto a isso, não há nada de errado em si. O foco importante deve estar no comportamento do grupo de louvor e, sobretudo, no conteúdo daquilo que se canta. Fica a pergunta no ar: Os louvores contemporâneos são bíblicos? 

Todos os cantores e instrumentistas que compõem os grupos de louvor devem saber exatamente o que significa louvar a Deus, e porque isso é parte importante no culto. Em Efésios 5.19, o apóstolo Paulo vai citar os elementos de culto e lá estão listados hinos e cânticos espirituais. Este é o respaldo bíblico para que a música seja parte importante no ajuntamento dos remidos para adorar ao Deus verdadeiro (durante a reforma do século 16, alguns teólogos eram contra as músicas executadas nos cultos). Portanto, é necessário entender que o objetivo do louvor não é demonstrar técnica exuberante e nem chamar a atenção da igreja a um determinado instrumento ou cantor. O objetivo do período de louvor é a glória de Deus.

Tendo este pressuposto bem definido (o louvor é para glorificarmos a Deus), gostaríamos de elencar alguns conselhos práticos para que os grupos de louvor pudessem se apresentar sem querer roubar a glória de Deus. Um princípio joanino deve vir sempre à mente quando o assunto é louvor e adoração: “É necessário que ele cresça e que eu diminua” (João 3.30). Agora vamos aos pontos, que formam meia dúzia de conselhos bem práticos:

I) Cantem a Bíblia: Organizem o repertório com músicas que mostrem claramente passagens bíblicas. Algo precioso da herança reformada é o princípio de que temos que ler a Bíblia, orar a Bíblia, pregar a Bíblia, cantar a Bíblia e viver a Bíblia. Se ela é nossa fonte suprema de sabedoria, o livro da revelação que nos alimenta espiritualmente, o retrato de Cristo (pois aponta para ele) e nosso guia prático, então porque cantar letras derivadas de outros mananciais? Chega de tanto humanismo e psicologia barata que fala que “você é campeão e vencedor”. Paremos com esses “hinos” que amaciam nosso ego e que não tem respaldo na Palavra. Embasemos nossas canções na Sagrada Escritura. Isto agrada a Deus.

II) Não molde o repertório ao gosto pessoal: O culto é determinado por Deus e não está ao bel prazer do grupo de músicos.  Deus o instituiu para ser comunitário. A Igreja é quem louva e não o grupo de louvor sozinho. Lembrem que a congregação é multi-geracional, isto é, tem diversas gerações: idosos, adultos, jovens, adolescentes e crianças. Temos visto que o estilo de música mais atraente para o público jovem tem dominado as listas de canções nos cultos. Lembrem que, na igreja, nem todo mundo é fã de solos de guitarra e gritos ensurdecedores. Parem de tocar músicas que fazem aeróbica. Não desprezem os antigos hinos, toque-os alternando-os com hinos mais recentes. E não esqueçam da importância do nosso primeiro item, que é cantar a Bíblia.

III) Abaixem o volume e evitem o estrelato: Como dito acima, o culto é comunitário. A igreja canta junto numa só voz. A maioria esmagadora dos grupos de louvor cobre a voz da congregação devido ao alto volume do seu som amplificado. É preciso ter sensibilidade e evitar o exibicionismo. A congregação também encontra dificuldades quando a música escolhida tem um tom muito elevado, onde apenas o cantor consegue alcançar as notas. Ademais, quando um músico toca em uma apresentação fora da igreja, ele está apresentando sua arte, em muitos casos deve realmente demonstrar técnica e virtuosismo instrumental, mas, no culto solene o objetivo não é esse, é apenas acompanhar a melodia e conduzir o povo a louvar a Deus. Conduzir o louvor - e não se apresentar - é o propósito. Entendeu?

IV) Não queiram ser os mais importantes no culto: Como foi frisado, o momento de louvor é para a igreja cantar ao Senhor. Sendo assim, não é o momento para orações extensas e pregações no meio da música. A pregação será realizada pelo pastor. A música na igreja não pode ofuscar a pregação. Em muitos lugares temos de quinze à vinte minutos de pregação e quase duas horas de música. Nesse caso, tanto o pastor como os músicos devem ter ciência que estão em desobediência a Palavra de Deus e invalidando a pregação do evangelho. A música comunica o evangelho, mas, a pregação foi o meio criado por Deus para que os homens creiam e se arrependam dos seus pecados. Não se pode reposicionar a música no lugar da pregação. E também, o momento do louvor não prepara o coração da igreja para a pregação, quem prepara a igreja para o momento da exposição da Palavra é o Espirito Santo. Não acredite que o momento do louvor é mais importante no culto, pois não é. A pregação é o momento que Deus fala com sua igreja. A pregação foi determinada por Deus como meio de transmissão de sua poderosa graça, pois nela, a Escritura é exposta e por meio da exposição bíblica o Espírito Santo age convertendo corações. Tenham cuidado para não negligenciar aquilo que Deus deu importância no seu culto.

V) Zelem por uma boa conduta: Os músicos cristãos devem ter uma vida piedosa, santa e não escandalosa e ímpia como acontece em alguns casos. Tocar na igreja não pode ser um passatempo, mas, um exercício piedoso. Componentes carnais, insubordinados ou estrelas devem se arrepender ou então serem afastados de seus afazeres nas atividades musicais na igreja. Os músicos cristãos devem reger suas atividades diárias pela Escritura Sagrada. Devem ler a Bíblia, amar a Palavra de Deus. O momento de louvor não é um show, aqueles que cantam e tocam na igreja devem saber que sua presença a frente da congregação é algo de responsabilidade para com Deus e não para inflar o ego. Por isso deve-se atentar também até para o tipo de roupa do grupo. Mulheres com roupas extremamente apertadas e sensuais, ou homens da mesma forma amantes de si mesmo e da sensualidade não podem estar a frente desse momento solene no culto.

VI) Dediquem-se a música com esmero: Os músicos crentes devem estudar seu instrumento (isso inclui a voz) de forma excelente. Devem ser bons músicos, pois estão fazendo para glória de Deus. Certa feita, um sapateiro perguntou para Lutero o que deveria fazer para agradar a Deus. O Reformador lhe respondeu dizendo que ele deveria cuidar dos sapatos de maneira caprichada, assim, poderia até “engraxar sapatos para o louvor do SENHOR Deus”. Os músicos cristãos devem ter boa técnica e conhecer os mais variados gêneros musicais, devem ser exímios conhecedores de sua arte. Deus é o autor de todas as coisas. O grande artista que fez o homem a Sua imagem e semelhança, dotando o ser humano com vários dons. A música é um dom divino e precisa ser executada e desenvolvida com uma mentalidade reverente. O compositor erudito Johann Sebastian Bach entendeu isso. Ele compôs suas sinfonias dando o máximo de si e ao final de cada partitura colocava a sigla S.D.G. (Só a Deus Glória, do latim Soli Deo Gloria).

Bem, aqui finalizamos na expectativa que tais conselhos ajudem a todos os que trabalham com a música nas congregações. Falamos como irmãos em Cristo, e membros que amam a Igreja do SENHOR, valorizando o culto comunitário como sendo uma fonte vigorosa que nos incentiva no caminho do Evangelho.

Graça e Paz.

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Fonte: Electus
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Por Leonardo Dâmaso


Texto base: Provérbios 6.16-19

Introdução

Salomão traça uma descrição de seis pecados que Deus odeia, porém o sétimo Ele abomina. Cada um destes pecados demonstra a maldade do homem. Esta lista de sete pecados apresenta um quadro vívido e lacônico do “promotor de intrigas”. As formas de comportamento social enfatizadas por estes sete pecados destroem tanto o relacionamento de uma pessoa com a outra quanto o próprio “disseminador de contendas”.

Este catálogo de sete pecados baseia-se no que há dentro do coração do homem, isto é, na sua parte interior (veja Mt 15.19). Eles possuem uma ligação com o trecho antecedente (vs.12-14), e funcionam como um sumário destes alertas ao homem de “Belial”:

1) Olhos altivos (vs.13a, acena); 2) língua mentirosa (vs.12b, perversidade); 3) mãos (vs.13c, dedos), 4) coração (vs.14a); 5) pés (vs.13b); 6) testemunha falsa (vs.12b); 7) contenda (vs.14c).

No trecho a lume, esta lista também forma pares que resultam numa estrutura cruzada, tais como: mãos (vs.17c) e pés (vs.18b), e língua mentirosa (vs.17b) com falso testemunho (vs.19a). Por outro lado, existe um contraste destes sete pecados com as sete bem aventuranças. “Bem-aventurados os humildes de espírito” (Mt 5.3), contrasta com o primeiro pecado detestável, os olhos altivos, e “bem-aventurados os pacificadores” (Mt 5.9), contrasta com a sétima abominação, o divulgador de conflitos (vs.19).  
           
Este catálogo de sete pecados que o Senhor detesta pode ser dividido em três partes:
1) Uma introdução a lista dos pecados que são execráveis para Deus (vs.16) 
2) As partes do corpo humano que são aplicadas indevidamente ao pecado (vs.17-18)
3) Duas atitudes antissociais (vs.19)

Explanação

1) Uma introdução a lista dos pecados que são execráveis para Deus (6.16) 

Antes de argumentar acerca dos seis pecados que são detestáveis a Deus, e o sétimo é abominável para Ele, Salomão começa com uma introdução, afirmando que estes seis pecados são menos graves que o sétimo pecado, o qual é gravíssimo. “A poesia hebraica passa do número menor para o maior em linhas paralelas para dar a ideia de “quanto mais” na segunda linha”.¹

O trecho composto pelos versículos 16-19 também está relacionada ao homem de “Belial”, que foi descrito no trecho anterior (vs.12-15). Este termo é abrangente em seu significado. “Belial” traz a ideia de alguém que é maligno, e significa também algo “sem proveito”; “inútil”; que não possui nenhum valor (1Sm 2.12; 1Rs 21.10). É frequentemente empregado no Antigo Testamento para enfatizar o pecado (veja, como exemplo, Jz 19.22). 

Abrange, ainda, uma tendência à destruição (Na 1.11,15); e, finalmente, “Belial” foi aplicado por Paulo como sendo um dos nomes de Satanás (2Co 6.15). Logo, os seis pecados que Deus aborrece, e o sétimo que ele abomina, são marcas desse tipo de pessoa, a qual peca com os olhos e com as mãos (13-17), com o coração (14-18), com os pés (13-18), causa divisões e maquina perversidades (14-19).

“Uma vez que as sete características são detestáveis para Deus, aquele que as possui será removido de sua presença benévola e entregue à perdição. A ligação com o versículo 15, ainda que não explícita, é clara”.²    
   
2) As partes do corpo humano que são aplicadas indevidamente ao pecado (6.17-18)

O “promotor de conflitos” peca contra Deus e contra os outros utilizando todas as partes do seu corpo. Ele peca com o seu comportamento, no pensamento, com a sua boca, proferindo mentiras particulares e públicas, e, por fim, com sua influência maligna (vs.17-19). Vejamos, então, cada um destes pecados que caracterizam o “homem agitador” que desencadeia inimizades nos lugares em que interage na sociedade.   

a) Os pecados comportamentais (vs.17a, c-18b)  

Salomão escreve que o “disseminador de intrigas” possui olhos arrogantes, mãos que derramam sangue inocente e pés que se apressam a correr para o mal.

i. Olhos arrogantes [literalmente, “par de olhos que se levanta”]

A arrogância é a exaltação de si mesmo sobre outras pessoas. O arrogante pensa que é melhor que os outros em tudo. Este pecado transgride as virtudes fundamentais que cada indivíduo possui; ou seja, todos possuem características que o fazem se destacar entre os outros, mas não que isso faça alguém ser melhor que outro.

O rei da Assíria é o exemplo de um homem dominado pela a arrogância (veja Is 10.13-14). Contudo, Deus humilhará e executará o seu juízo sobre o orgulhoso de coração que se coloca acima dos outros como foi com o rei da Assíria (Is 10.12; 2.11-12; veja, ainda, Pv 8.13; 16.5; 29.23; 30.13; 1Pe 5.5-6). Nenhum pecado se opõe mais à sabedoria e ao temor a Deus que o orgulho.

ii. Mãos que derramam sangue inocente

As mãos são uma parte do corpo que fica localizada entre o cotovelo e a ponta dos dedos. A expressão derramam sangue inocente “não é uma expressão neutra para “matar”; antes julga o ato; é um homicídio intencional e, portanto, apesar da exceção da compensação (Gn 9.6), é um homicídio que envolve culpa”.³ Sangue inocente traz a ideia de uma morte violenta, como o assassinato.

O homem de Belial, que derrama sangue inocente, mata o outro sem que o mesmo tenha feito algo contra ele. Caim matou seu irmão Abel sem que este tenha feito nada contra ele. Caim matou o inocente Abel simplesmente por inveja dele (Gn 4.2-8).

iii. Pés que se apressam a correr para o mal 

Os pés são a parte inferior do corpo ligado às pernas. A expressão se apressam para fazer o mal, denota a compulsão interior que a pessoa tem para fazer o mal contra o outro. Realça a urgência na execução de um plano malévolo. Quantos são os que não desperdiçam um passo sequer para prejudicar os outros de alguma forma!

b) O pecado mental (vs.18a)

i. Coração que trama projetos iníquos 

O coração é a sede dos pensamentos, sentimentos e vontade. É o que dá origem a toda a atividade física e espiritual da pessoa. Esta palavra aparece 46 vezes em Provérbios e 858 vezes no Antigo Testamento.

Na antropologia bíblica, o coração controla o corpo, suas expressões faciais (15.13), sua língua (15.28; 12.23) e todos os seus outros membros (4.23-27; 6.18). O coração também pensa, reflete e pondera (24.12). A função do cérebro era desconhecida no Antigo Testamento. Assim como os olhos foram feitos para ver e os ouvidos para ouvir, o coração se destina a discernir e levar à ação.4

Quando uma pessoa não tem discernimento ou julgamento, o hebraico fala de uma “falta de coração” (10.13). O coração também planeja (6.14, 18; 16.9); é o fórum interior no qual as decisões são tomadas.

Bruce Waltke salienta:

Os autores bíblicos também atribuíam funções espirituais ao coração. Na esfera religiosa o coração aceita e confia (3.5). Ele sente todos os tipos de desejo, desde as formas físicas mais ordinárias, como fome e sede, até as formas espirituais mais elevadas, como reverência e remorso. Um elemento intimamente relacionado com sua função piedosa é a atividade ética. O mestre adverte o filho para não permitir que seu coração cobice a beleza da adúltera (6.25) e não invejar os pecadores (23.17), mas “o coração sábio procura o conhecimento” (15.14). O estado ou condição espiritual do coração é básico para as suas funções fisiológicas e espirituais; ele pode ser sábio (14.33) e puro (20.9), ou perverso (17.20; 26.23-25). Essa direção ou predisposição do coração determina suas decisões e, portanto, as ações do indivíduo (Êx 14.5; 35.21; Nm 32.9; lRs 12.27; 18.37).6

Sendo assim, o coração do “divulgador de contendas” trama projetos iníquos. Esta expressão significa que este homem planeja em seu coração maneiras pérfidas de prejudicar os outros.  

c) O pecado verbal (vs.17b)

Salomão ressalta os pecados da boca na esfera particular e pública. Senão vejamos:   

i. Língua mentirosa

A língua é um órgão muscular que serve como instrumento para a fala. O termo mentirosa, unido à língua, denota uma falsidade agressiva que tem como alvo prejudicar o outro através das palavras. Assim, o “disseminador de intrigas” é alguém que difama o outro com mentiras, cujo intuito é arruiná-lo moralmente com as pessoas as quais se convive (Sl 109.2-3).

Matthew Henry escreve:

Nada é mais sagrado do que a verdade, e nada é mais necessário para a conduta de alguém do que dizer a verdade.  Deus e todos os homens de bem detestam e abominam a mentira.7

3) Duas atitudes antissociais (6.19) 

Salomão, agora, traça duas advertências para concluir a perícope sobre a maldade. Ele esboça dois pecados sociais: a testemunha mentirosa e o que dissemina conflitos pessoais. Este último pecado recebe a ênfase em toda a seção como sendo o pecado mais abominável para Deus. Senão vejamos: 

a) Os pecados sociais (vs.19)

i. Testemunha falsa que profere mentiras      
    
Uma testemunha é alguém que tem o conhecimento de uma situação que presenciou e que pode relatar num tribunal baseada no que viu ou ouviu em favor de alguém. No entanto, a testemunha falsa que profere mentiras refere-se a uma pessoa que transmite conscientemente uma falsa informação no tribunal com o intuito de prejudicar o outro. O nono mandamento da lei de Deus adverte a não mentir num testemunho (Êx 20.16).  

O objetivo da testemunha que mente é ameaçar a vida e/ou a propriedade de alguém, e não necessariamente defender ou promover a si mesma. Contudo, segundo Provérbios 19.5,9, a testemunha que mente não ficará empune, e o que profere mentiras não escapará, pois certamente perecerá (veja, também, 12.17; 21.28). A testemunha mentirosa sofrerá exatamente o mesmo castigo que pretendia impor a seu acusado, pois atrai a ira de Deus sobre si (Dt 19.18-20).    
   
Dar falso testemunho, que é uma das maiores maldades que a imaginação ímpia pode imaginar, e contra a qual a proteção é menor. Não pode haver maior afronta a Deus a quem se faz uma súplica através de um juramento, nem uma ofensa maior ao nosso próximo [de quem todos os interesses neste mundo, até mesmo os mais preciosos, estão abertos a um ataque deste tipo] do que dar intencionalmente um falso testemunho.8  

ii. O que semeia contendas entre os irmãos 

A palavra irmãos pode se referir aos parentes de sangue, como um irmão de sangue (Gn 25.26), um membro da mesma família (Gn 14.14), um compatriota, isto é, uma pessoa do mesmo país e/ou da cidade da outra (Gn 31.32; 18.19), e também pode ser aplicada aos “irmãos espirituais” unidos em Cristo pela fé (1Co 11.9-11; 2Co 11.9; 1Ts 4.6; 1Jo 4.20).

As contendas divulgadas causam nos relacionamentos mais íntimos efeitos devastadores, como divisão, discórdia e feridas emocionais prementes!

Conclusão

Aquele que promove inimizades na família, na turma de amigos, no trabalho e, especialmente na igreja, é abominável para Deus! O disseminador de conflitos é dissimulado, manipulador, mentiroso e distorce as informações. Ele diminui ou eleva a informação num patamar inexistente, para, assim, tentar fazer com que seja acreditado e enlace suas vítimas em sua teia de intrigas.

Que não sejamos homens de “Belial”! Que não sejamos “divulgadores de intrigas” em nossas casas, em nossas famílias, em nosso trabalho, com os nossos amigos e em nossas igrejas! Que Deus possa retirar da igreja todos os “Beliais”, todos os maliciosos! Que Deus purifique a sua igreja dos arrogantes, dos que derramam sangue inocente, dos que tem pressa em fazer o mal contra os outros, dos conspiradores de projetos malévolos, dos mentirosos e das testemunhas mentirosas; e, principalmente, dos promotores de divisões nos relacionamentos interpessoais, pois é a vontade de Deus que os irmãos vivam em união (Sl 133.1)! 
  
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Notas:
[1] Bíblia de Estudo Genebra. Notas de Rodapé, pág 817. 
[2] Bruce Waltke. Provérbios, volume 1, pág 441. 
[3] Ibid, pág 442.
[4] Ibid, pág 141.
[5] Ibid, pág 141-142
[6] Ibid, pág 142.
[7] Matthew Henry. Comentário Bíblico do Antigo Testamento. Jó a Cantares, pág 747.
[8] Ibid.   

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Fonte: Bereianos
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Por Denis Monteiro

14º Dia do Senhor
35 - O que você entende, quando diz que Cristo "foi concebido pelo Espírito Santo e nasceu da virgem Maria"?
R. Entendo que o eterno Filho de Deus, que é e permanece verdadeiro e eterno Deus, tornou-se verdadeiro homem da carne e do sangue da virgem Maria, por obra do Espírito Santo.  Assim Ele é, de fato, o descendente de Davi igual os seus irmãos em tudo, mas sem pecado.
36 - Que importância tem para você Cristo ter sido concebido e nascido sem pecado?
R. Que Ele é nosso mediador e com sua inocência e perfeita santidade, cobre diante de Deus meus pecados no qual fui concebido e nascido. 
Catecismo de Heidelberg (1563)

Todos os que nascem neste mundo nascem de uma mulher que já não é mais virgem. Porém, Jesus também nasceu neste mundo e nasceu de uma mulher, mas há um diferencial para a história da humanidade; Jesus Cristo nasceu de uma mulher virgem, ou seja, que não teve nenhum contato com homem. E essa afirmativa foi justamente o que Maria perguntou ao anjo quando disse que ela seria mãe: Como se fará isto, visto que não conheço homem algum? (Lc 1.34).

Claro, a dúvida de Maria foi sanada logo após o esclarecimento do anjo: “Disse então Maria: Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a Tua palavra. E o anjo ausentou-se dela” (Lc 1.38). 

Mas as dúvidas sobre a veracidade do nascimento virginal de Cristo não vem de hoje, alguns até comparam o relato dos Evangelhos sobre o nascimento de Cristo como se fosse uma fábula pelo fato de ser parecida com alguns relatos em outras religiões, no mitologismo pagão. No entanto, podemos fazer algumas objeções a esse pensamento, pode alguém propagar uma história a judeus, inicialmente tentando convertê-los, onde, nesta história tivesse elementos pagãos? Seria um péssimo marketing para a seita judaica: o cristianismo. 

Entretanto, há uma pergunta essencial e duas respostas (pelo menos) concretas que diferenciam a necessidade do nascimento virginal de Cristo com outras religiões que tem a mesma “teoria”, mas uma coisa deve ficar bem clara: Jesus não teve que nascer de uma virgem para que Ele não fosse pecador, como se o sexo fosse transmissor de pecado, pois Cristo de qualquer forma seria e é santo porque isso faz parte de Sua natureza. Voltando a pergunta: Por que era essencial que Cristo nascesse de uma virgem? 

Primeiro, por intermédio do nascimento virginal de Cristo nós temos a certeza que se tornou verdadeiro homem. Ou seja, Cristo era Deus-Homem. Se Cristo não fosse homem nós não poderíamos acreditar em sua humanidade plena e nem na promessa que há na Escritura de que Jesus teria que ser da descendência de Davi, o verdadeiro herdeiro do trono (2 Sm 7.12), agora se Jesus não foi verdadeiramente homem todas as tentações que ele sofreu, todas as suas dores, agonias e sua morte podem ser contestadas. 

E por último, vemos acima que Cristo tinha que ser um homem verdadeiro, mas o Catecismo não para por ai. De forma resumida, explicando na resposta 36, a necessidade do nascimento virginal de Cristo faz com que tenhamos certeza em sua obra de redenção. Pois, Cristo sendo o nosso sumo sacerdote humano, compadeceu de nossas dores, porem não pecou em nenhum momento, oferecendo-se de uma vez por todas fazendo eterna redenção (Hb 4.15; 7.26,27). 

Por isso é importante crer que Cristo nasceu de uma virgem. Pois temos plena certeza da humanidade de Cristo e de sua perfeita redenção feita em lugar dos eleitos, sendo o segundo Adão, fazendo uma obra superior a de Adão levando sobre Ele nossas dores e nos justificando. Caso contrário, toda obra de redenção que a Bíblia mostra seria considerada mentira. 

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Fonte: Bereianos
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Por Leonardo Dâmaso


Texto base: 1 Coríntios 14.2,4a, 13-17, 21-25, 27-35.

Introdução

No capítulo 14, Paulo estabelece algumas diretrizes para corrigir a forma desorganizada de culto que a igreja de Corinto estava realizando. Para isso, o apóstolo se concentra em dois dons espirituais – o dom de profecia e o dom de línguas. Segundo Paulo, estes dons estavam sendo usados no culto público de maneira equivocada, e, portanto, não estava promovendo a edificação dos participantes.

Todavia, os Coríntios pareciam não se importar com relação à ausência de entendimento que havia nos cultos públicos. Eles sequer procuravam compreender tudo o que acontecia. Este desprezo pelo uso da mente para a compreensão intelectual das coisas estava sendo substituído por um culto eivado pela histeria e focado nas experiências emocionais, as quais eram confundidas com verdadeiras experiências espirituais.

Por outro lado, muitas destas experiências espirituais que os crentes de Corinto experimentaram possuíam influência demoníaca (12.2-3). Tudo isto residia na prática usual de muitos “falarem em línguas” ao mesmo tempo sem interpretação, e isto num estado de “êxtase frenético”, o qual privava os participantes de edificação espiritual (14.14-17,27-28). 
  
O mesmo ocorria com o dom de profecia; todos que possuem este dom “profetizavam” ao mesmo tempo, o que gerava confusão em vez de compreensão da mensagem transmitida (14.29-31). 

A ênfase de Paulo neste capítulo é ressaltar como critério a edificação coletiva, e não um tipo de edificação individual, conforme ressalta os continuacionistas na questão das línguas.  

O apóstolo ensinou em Efésios 4.12-13, que os dons foram distribuídos pelo Espírito Santo para o aperfeiçoamento e a edificação dos crentes como igreja. Na lista de alguns dos dons espirituais descrita no capítulo 12 de 1 Coríntios, as línguas se encontram em último lugar (12.28). Agora, no capítulo 14, as línguas se encontram em segundo lugar de importância, estando em primeiro lugar a profecia. 

Logo, os dons de profecia e línguas deveriam ser exercidos para que promovessem a edificação de todos que estavam presentes no culto público. Podemos dividir o esboço analítico da seção sobre o dom de variedade de línguas em quatro partes.

1) O dom de variedade de línguas com relação aos crentes (14.2,4a,21-25). 2) O dom de línguas com relação aos não crentes (14.21-25). 3. A limitação do dom de variedade de línguas (14.26-28). 4) Equívocos relacionados ao dom de variedade de línguas pelos Coríntios e pelos pentecostais e neopentecostais no presente.

Explanação

1. O dom de variedade de línguas com relação aos crentes (14.2,4a,6-11)

Paulo inicia sua argumentação no capítulo 14 doravante à conclusão de sua argumentação sobre a importância do amor no capítulo 13. No versículo 1 do capítulo 14, ele tece dois imperativos diretos e um indireto.

Em primeiro lugar, o apóstolo ordena que os crentes sigam ou busquem com intensidade e determinação o amor. Em segundo lugar, retomando o seu argumento descrito no capítulo 12.31, ele instrui os crentes para que sejam diligentes na procura dos dons espirituais e, de modo indireto, que eles prefiram especialmente o dom de profecia em relação aos outros dons.

Entretanto, obter o dom de profecia depende, primeiramente, da soberania de Deus; Ele, mediante o seu Espírito, concede os dons a quem quer e como quer. Por conseguinte, obter um dom depende também daquele que o requer. Portanto, os dons que o Espírito Santo confere aos crentes devem ser empregados com amor para o benefício espiritual e material da igreja (veja Rm 12.4-8).    

Em seguida, Paulo se concentra num longo trecho sobre a questão das línguas. Ao escrever o capítulo 14, o apóstolo imagina um culto público. Seu intuito é corrigir a maneira equivocada com que este dom estava sendo exercido no culto como sinal de imaturidade espiritual dos crentes da igreja de Corinto (3.1-4). Assim, ele esboça algumas características do dom de línguas com relação aos crentes. Senão vejamos: 
        
a) A natureza das línguas (vs.2)

Paulo afirma que aquele que fala em uma língua humana γλωσση (glossa) não interpretada no culto público não comunica nenhuma mensagem que tenha sentido às pessoas ali reunidas, pois elas não são capazes de entender o que está sendo dito; como consequência, não há edificação ou instrução alguma. Logo, somente Deus entende o que está sendo transmitido em outra língua.1 

Em Atos 2.4-11, todos os judeus estrangeiros [aqueles que residiam em outros locais onde se falava outras línguas] que estavam reunidos em Jerusalém para a festa do pentecostes compreenderam os idiomas humanos ou dialetos διαλέκτω (dialektos) que foram falados pelos apóstolos. Este não foi um milagre “auditivo”, onde a multidão ali reunida foi miraculosamente capacitada a entender em sua própria língua aquelas palavras. Antes, o milagre foi realizado nos apóstolos, os quais falaram sobrenaturalmente idiomas que desconheciam.  
No texto a lume, Paulo não menciona nada referente à interpretação. Pelo contrário, ele escreve que a mensagem transmitida em outra língua sem interpretação não é dirigida às pessoas, como no pentecostes, mas a Deus. Assim, os pentecostais e neopentecostais sugerem que as línguas faladas na igreja de Corinto e nas igrejas do século 1 não eram idiomas, como no pentecostes, mas uma língua espiritual incompreensível aos homens, talvez até uma língua de anjos (1Co 13.1), visto que somente Deus a 
entende.2

Porém, a expressão ainda que eu falasse a língua dos anjos em 1 Coríntios 13.1 é uma hipérbole, isto é, uma figura de linguagem que aumenta ou diminuiu exageradamente uma verdade. Desse modo, Paulo não diz que ele falava a língua dos anjos, pois o texto não menciona nada acerca da natureza da língua falada pelos anjos; ele também não afirma sobre a possibilidade de os crentes falarem a língua dos anjos.

Antes, o apóstolo descreve que ainda que fosse possível ele falar na língua dos anjos [e se realmente existe esta língua], e tivesse todos os dons (13.2), mas se não tivesse amor, ele não seria nada. Portanto, assim como no pentecostes, as línguas descritas em 1 Coríntios 14 também são idiomas humanos.

No fenômeno moderno das falsas línguas, podemos notar que as supostas interpretações são geralmente repreensões, revelações de segredos, predições vagas do que Deus está por fazer e exortações gerais muitas vezes indefinidas. Uma vez que os pentecostais e neopentecostais afirmam que o que fala em línguas dirige-se a Deus, e não aos homens, as interpretações deveriam ser uma mensagem do “homem para Deus”, e não de “Deus para o homem”! Com isso, percebemos um concomitante anacronismo em relação ao verdadeiro dom de línguas!
  
b) O meio pelo qual as línguas são emitidas (vs.2c)

Se alguém que fala em uma língua humana não interpretada não fala às pessoas, mas a Deus, visto que somente Ele entende o que está sendo falado, isto é através do “espírito”. A palavra grega πνενματι (pneuma) pode ser traduzida se referindo tanto ao “espírito” humano quanto ao “Espírito Santo”. Assim, fica difícil saber com exatidão se Paulo faz menção ao “espírito humano” ou ao “Espírito Santo”.3

Dentro do contexto do capítulo 14, Paulo salienta o “espírito humano” duas vezes (vs.14,32). Pessoalmente, acredito que ele tinha em mente aqui o “espírito humano”. Então, aquele que falava em línguas, o fazia pela atuação do Espírito Santo “em seu espírito” sem transmitir a informação à mente. Por isso, aquele que falava em línguas “em espírito” não entendia o que falava.   

c) O conteúdo das línguas (vs.2c)    

Paulo, agora, declara que aquele que fala em línguas estrangeiras fala a Deus mistérios. Ele utiliza esta palavra no capítulo 4.1, onde se refere aos ministros do evangelho comodespenseiros dos mistérios de Deus. Ele utiliza esta mesma expressão no capítulo 2.7-9 para enfatizar Cristo e o Evangelho que foi revelado como o mistério de Deus que esteve oculto na eternidade (veja também Cl 2.2).

No capítulo 13.2, Paulo ressalta que conhecer todos os mistérios é algo pertencente ao profeta. Estes mistérios que eram revelados aos profetas das igrejas locais do Novo Testamento se tratavam da exposição verbal dos aspectos do mistério de Cristo que fora revelado aos apóstolos e, por conseguinte, registrado nas Escrituras. Comunicar osmistérios não é adivinhar os segredos das pessoas presentes no culto através de uma suposta revelação como fazem os “profetas” modernos. Antes, é simplesmente anunciar o grande mistério de Cristo.

Todavia, poderíamos interpretar que os mistérios que Paulo se refere aqui em 1 Coríntios 14 é o mistério de Cristo, embora seja empregado o plural – mistérios. A lógica desta interpretação é que aquele que fala em línguas transmite o Evangelho a Deus. Contudo, qual é o sentido disso? Nenhum!

Também devemos rejeitar a interpretação que ressalta os mistérios como sendo segredos conhecidos somente por Deus e por aqueles que falam em línguas. Não existem “crentes especiais” ou mais iluminados que possuem acesso a segredos particulares com Deus.

Esta interpretação, além de ser gnóstica, é vigente em ramificações heréticas como o adventismo, mormonismo, o neopentecostalismo, entre outras. Deus não têm filhos preferidos; Ele revelou o Evangelho a todos os crentes. Outra interpretação que deve ser rejeitada é que o dom de línguas foi concedido para os crentes se comunicarem com Deus de forma mais espiritual, uma vez que falam mistérios.

Não obstante, o meio que Deus concedeu aos crentes para se comunicarem com Ele é a oração realizada na própria língua. Então, o que significa falar pelo espírito mistérios? Paulo está simplesmente dizendo que, quando um idioma desconhecido é falado no culto sem haver tradução, a mensagem divulgada é “misteriosa” ou incompreensível para os ouvintes.4

Calvino ratifica esta interpretação em seu Comentário Expositivo de 1 Coríntios, dizendo que o termo mistérios possui um sentido negativo, “como sendo certas expressões ininteligíveis, confusas, enigmáticas, como se Paulo tivesse escrito: ninguém entende uma só palavra do que ele [o que fala línguas] diz”.5

d) O foco equivocado das línguas (vs.4a)

Prosseguindo sua argumentação, Paulo acentua que aquele que fala em línguas edifica6 a si mesmo. Este trecho de difícil interpretação é o favorito dos pentecostais e neopentecostais na defesa do falar em línguas em particular para a edificação individual. Esta ideia foi chamada de o “dom de pijamas”, referindo-se ao ato de falar em línguas em privado. Carlos Ortiz foi o criador desta expressão.

Por conta de uma interpretação equivocada deste trecho, ele assegurou que, diferentemente dos outros dons, que foram conferidos para a edificação coletiva [da igreja], as línguas foram conferidas especialmente para a edificação individual do crente, como um tipo de hábito privado a ser realizado pelo crente em casa, a sós com Deus.

Apesar de alguns continuacionistas afirmarem que não deve haver línguas no culto sem interpretação, através desta passagem eles apoiam o hábito de falar em línguas em particular. Entretanto, se analisarmos meticulosamente o contexto imediato de 1 Coríntios 14, abrangendo também o capítulo 12, 13, Atos 2, e o contexto teológico das línguas, entenderemos que Paulo não está ensinando aqui uma prática das línguas como um devocional privado. O apóstolo não ensina que este é o propósito das línguas! Sendo assim, vejamos algumas razões que demonstram outro entendimento: 

i. Conforme disse anteriormente, quando escreveu 1 Coríntios 14, Paulo tinha em mente um culto. Ele imagina a igreja reunida para um culto de adoração a Deus quando trata da questão da profecia e das línguas. Era como se Paulo fosse visitar a igreja quando estivesse reunida para o culto público.

Desse modo, o apóstolo relata o que acontece quando os irmãos se reúnem para o culto (vs. 26), e, assim, tece as diretrizes necessárias com relação ao uso adequado dos dons no culto (vs. 27-40). Ele imagina o caso de um irmão falando em línguas e os demais irmãos ao seu redor não entendendo o conteúdo do que está sendo emitido verbalmente (vs.9,16-17). Ele afirma enfaticamente que, ao estar presente num culto público, prefere instruir os irmãos na própria língua em vez de falar muitas palavras em línguas humanas desconhecidas para eles (vs.19). Ainda que de forma implícita, vemos aqui a preocupação de Paulo com a edificação coletiva.

No versículo 12, o apóstolo orienta os irmãos da igreja em Corinto a progredir nos dons espirituais, tendo em vista a edificação da igreja como um todo, e não a edificação pessoal do crente. Portanto, no capítulo 14, vemos orientações acerca de como deve ser o procedimento dos crentes no exercício dos seus dons no culto público. Por outro lado, nesta primeira carta a igreja de Coríntios, Paulo orienta os crentes a fazerem algumas coisas no âmbito privado [ou seja, em suas próprias casas], e não na igreja. Ele escreve que os crentes, antes de participar da celebração da santa ceia, devem comer em casa (11.34).

Caso houvesse dúvidas bíblicas por parte das mulheres no culto, elas deveriam buscar o esclarecimento em casa, indagando os seus próprios maridos ao invés de interromper o progresso do culto com interpelações (14.35). E, finalmente, os crentes deveriam reunir o dinheiro das contribuições para os crentes da Judéia em casa (16.2). Portanto, se os crentes não poderiam falar em línguas no culto sem haver tradução, mas pudessem fazer isso em particular, seria bem provável que Paulo escrevesse orientações claras acerca desta prática, como fez nos casos supramencionados.

Diante disso, percebemos que Paulo não escreve nenhuma orientação sobre o uso das línguas sem interpretação no âmbito privado. Neste capítulo ele está discorrendo sobre questões relacionadas ao culto, isto é, quando alguém fala em línguas sem haver a tradução. Logo, os continuacionistas não podem utilizar este trecho para justificar o hábito de falar em línguas em particular.   

ii. A edificação ensinada por Paulo ocorre somente quando os crentes compreendem as questões de Deus exercidas pelos dons no culto. Sendo assim, a ideia de alguém edificar a si mesmo através do hábito de falar em particular uma língua estrangeira sem interpretação foge do padrão estabelecido por Paulo. Acerca da contradição existente na auto edificação, Charles Hodge, em seu Comentário de 1 Coríntios, escreve que aquele que fala em línguas “se edifica porque entende a si  mesmo”.7 A interpretação de Hodge é interessante, porém se depara com o versículo 14, que diz que aquele que fala em línguas não entende o que está dizendo.

D.A.Carson, que apoia o hábito de falar em línguas sem tradução em privado, foge das evidentes implicações descritas no capítulo 12.7. Lá, Paulo assevera que os dons do Espírito são conferidos para o que for proveitoso, e que, no contexto, refere-se ao que for proveitoso para [ou que beneficie] a igreja. Carson reconhece isso, e afirma que, de acordo com este trecho, “não existe nenhum benefício direto [para aquele que fala em línguas sem tradução em particular]”.8 

Porém, o argumento de Carson de que as línguas faladas em secreto traz algum tipo de “benefício indireto” é tendencioso e incongruente. A prova que ele utiliza para sustentar esta afirmação é ínfima e forçada. Ele escreve:

Todavia, a Paulo foram concedidas visões e revelações extraordinárias que objetivavam somente seu beneficio imediato (2Co 12.1-10); contudo, certamente a igreja recebeu ganhos indiretos, pois essas visões e revelações, para não mencionar a questão do espinho na carne, o capacitaram mais para o seu ministério e proclamação. [...] É difícil ver como o versículo 7 torna ilegítimo o uso privado do falar em línguas se o resultado é uma pessoa melhor, um cristão com mais consciência espiritual: a igreja pode sim receber benefícios indiretos.9  
       
Não existe a comparação entre o que Paulo ensinou sobre os dons espirituais com as experiências espirituais que ele teve em particular. Também não existe nas cartas de Paulo uma proibição contra experiências espirituais particulares. Porém, o ato de falar em línguas humanas é visto como um dom que foi concedido pelo Espírito Santo a alguns para o beneficio da igreja (veja Ef 4.11-12; 1Pe 4.10-11). Portanto, o argumento de Carson, que diz que a igreja recebe um "benefício indireto" com aquele que fala em línguas em particular é frágil demais para acreditarmos, uma vez que a experiência espiritual não edifica em si a igreja numa forma coletiva, mas apenas a pessoa que teve.

iii. Por outro lado, na tentativa de manter o equilíbrio na interpretação deste trecho, Augustus Nicodemus Lopes sugere uma posição intermediária. Ele escreve:

Paulo está admitindo que existe algum benefício espiritual para o que fala em línguas, mas que não é a edificação que ele deseja para a igreja, apesar de usar a mesma palavra. Seria uma espécie de compensação quando não houvesse intérprete na igreja, como um consolo ao que falou mas não foi entendido. Paulo admite que o espírito de quem ora, canta e bendiz a Deus em línguas, mesmo sem compreender o que diz (a mente permanece infrutífera) recebe algum tipo de beneficio. (vs.14-17). Ele mesmo recomenda que, no caso de não haver intérprete, o que fala em línguas “fale consigo mesmo e com Deus”, como uma espécie de consolo diante da ordem para calar-se (14.28). 

Isso, entretanto, não significa que o apóstolo encoraja a prática das línguas em privado. O beneficio que a mesma traz, na opinião do apóstolo, é inferior à edificação recebida na comunidade, pelo ministério dos outros irmãos, pelos dons espirituais. A compensação para o que fala em línguas é somente no caso de não haver intérprete na igreja. É bastante diferente alguém querer falar línguas em privado, já sabendo de antemão que não haverá interpretação.

Como entender, então, as experiências relatadas por cristãos sinceros de que experimentaram o falar línguas a sós? Pessoalmente, creio que Deus pode fazer exceções, mas o que ele nos ensina no Novo Testamento é que as línguas, juntamente com os demais dons do Novo Testamento, foram dados para a edificação da igreja e deveriam ser exercidos durante os cultos. 

Talvez pudéssemos justificar o uso do dom de línguas em particular lembrando que dons como o de curar, socorros e milagres provavelmente eram exercidos também fora do ambiente de culto. Porém, olhando o argumento mais de perto, vemos que há uma diferença fundamental: curas, milagres e socorros, exercidos em particular, sempre são administrados por alguém a outro alguém. No fim, acaba sendo um membro da igreja edificando outro membro da igreja. O mesmo não pode ser dito no caso de falar línguas a sós.10

O problema desta “interpretação intermediária”, embora seja atraente, consiste no fato de não haver nenhuma informação clara nas cartas de Paulo sobre a ideia de umaedificação parcial [“compensação”, segundo pressupõe Nicodemus] quando um dom espiritual [no caso, as línguas] não é usado da forma que foi estabelecida. Basear-se nos versículos 14-17 não soluciona o problema; é apenas uma fuga mal sucedida! 

Neste trecho, especialmente os versículos 16-17, Paulo, de fato, elogia aquele que louva a Deus. Ele não censura as expressões de gratidão a Deus, mas, sim, o modo em que este agradecimento é manifesto, ou seja, em línguas não interpretadas. Paulo repreende aquele que ora em línguas pela desconsideração para com o próximo, pois a pessoa não entende o que está sendo transmitido em outra língua e, portanto, não recebe nenhum benefício espiritual. Assim, o versículo 17 é uma altissonante censura desferida ao que fala em línguas no culto sem interpretação, visto que privou o seu próximo da edificação.

Diante do fracasso das interpretações que tentaram sanar a dificuldade existente no versículo 4, qual seria a melhor interpretação? O que Paulo quis dizer quando escreveu que aquele que fala em línguas edifica a si mesmo?

Segundo o meu entendimento, Paulo escreveu o versículo 4 em um tom de ironia. Esta é uma figura de linguagem que esboça uma censura disfarçada de aprovação. É o oposto do que se quer dizer, porém sempre ressaltando o sentido verdadeiro da afirmação. Era como se Paulo estivesse declarando uma verdade – o que fala em línguas edifica a si mesmo – no entanto, esta “aparente verdade” é uma ironia! Nesta mesma carta Paulo escreve outra verdade em tom de ironia (veja 1Co 4.6-8). Existem formas de ironia nas Escrituras que são praticamente sarcasmos (veja 1Sm 26.15; 1Rs 18.27).

Portanto, a melhor interpretação para o versículo 4 seria entendermos a declaração de Paulo como uma ironia ao Coríntios. Eles estavam abusando do uso do dom de línguas para exibirem uma “espiritualidade superior” aos demais; na verdade não passava de uma falsa espiritualidade egoísta e equivocada (3.1-4). Os dons espirituais eram um símbolo de status para os imaturos Coríntios!  

Interpretando o versículo 4, John Stott ratifica que “certamente deve existir pelo menos uma ponta de ironia no que Paulo escreve, porque a frase praticamente se contradiz em seus termos. A auto edificação está completamente fora de cogitação quando o Novo Testamento fala de edificação.11 

Não obstante, para fortalecer sua argumentação sobre a necessidade do entendimento das línguas faladas para que a igreja seja edificada, Paulo utiliza como exemplo três ilustrações. Ele fala sobre os instrumentos musicais (vs.7), uma trombeta tocada que alerta sobre a preparação para uma batalha (vs.8), e as conversas interpessoais (vs.9-11).

O versículo 6 é uma introdução para as ilustrações subsequentes. Paulo pergunta aos Coríntios qual seria o benefício que obteriam se ele fosse visita-los e ministrasse na igreja deles num idioma desconhecido. A resposta é: nenhum benefício! Haveria, sim, benefício se o apóstolo ministrasse na língua própria, quer fosse como profeta [revelação e profecia] ou como mestre [ciência e doutrina]. O tema desta seção poderia ser resumido numa frase: A manifestação dos dons espirituais no culto deve ser inteligível para que haja a edificação de todos!

Por mais que as línguas sejam espirituais, se não forem interpretadas, irão produzir o mesmo som confuso que os instrumentos musicais soam quando são tocados por leigos, é o mesmo que dizer de alguém que não sabe o toque de preparação de uma trombeta para a guerra, e é como se houvesse uma conversa entre dois estrangeiros que não entendem o idioma um do outro. Senão vejamos:

i. Os instrumentos musicais (vs.7)

Se uma pessoa que é leiga na música decide tocar uma flauta ou uma harpa, o som que emitirá destes instrumentos será indefinido e confuso.  

ii. A trombeta (vs.8)

De modo semelhante à questão da música, se uma pessoa produzir um sonido indefinido com a trombeta, visto que desconhece o sonido que deve ser tocado, como um exército se preparará para a batalha? Haverá confusão ao invés de preparação.

iii. As conversas interpessoais (vs.9-11)

Imagine você, um brasileiro, conversando com um alemão. Ambos desconhecem a língua um do outro. Portanto, a conversa será vã, pois não houve a compreensão da mesma. Através destas ilustrações, Paulo ensina que se alguém falar em outra língua sem interpretação no culto, a igreja não poderá ser edificada, visto que o idioma falado é incompreensível para as outras pessoas (vs.11). Para que ocorra a edificação deve haver o entendimento.

Continua nos próximos dias...

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Notas:
[1] A expressão não fala a homens, senão a Deus, é comumente usada por alguns estudiosos para confirmar que as línguas que Paulo salienta em 1 Coríntios 14 não são idiomas humanos. Porém, a expressão somente demonstra que as línguas são “uma forma de oração” (veja 14.14-15). Em Atos 2.11; 10.46, as línguas, aparentemente, eram uma forma de oração e louvor a Deus distintos da profecia (veja também Atos 19.6).  
[2] Alguns estudiosos deduzem pela expressão “outras línguas”, que ocorre algumas vezes em 1 Coríntios 14, como um sinal de que Paulo está se referindo a uma língua espiritual diferente das línguas humanas. No entanto, a palavra “outras” não aparece no grego, e trata-se de um acréscimo de interpretação dos tradutores para o português.
[3] Charles Hodge, em seu Comentário Bíblico de 1 Coríntios, defende que Paulo se refere no versículo 2 ao Espírito Santo, e não ao espírito humano. Ele ressalta que "as Escrituras não fazem distinção entre o “nous” (mente) e o “pneuma” (espírito) como faculdades diferentes da inteligência humana". Porém, o apóstolo traça esse contraste nos versículos 14 e 15.
[4] Augustus Nicodemus Lopes corrobora que quando o Senhor apareceu a Paulo no caminho de Damasco, falou-lhe em língua hebraica (At 26.14). Seus companheiros, possivelmente soldados romanos cedidos por Pilatos aos principais sacerdotes para prender os cristãos, viram a luz, ouviram a voz, mas não a entenderam (“ouviram”, veja At 22.9), visto que não falavam hebraico. A voz soou como um perfeitomistério para eles. Talvez devamos interpretar 1 Coríntios 14.2 nesse sentido (O culto espiritual, pág 195).  
[5] Calvino. 1 Coríntios, pág 414.
[6] A palavra edificar significa literalmente “construir”; traz a ideia de se construir cidades, casas ou sinagogas. É aplicada figuradamente à igreja como um todo (veja Mt 16.18; Rm 14.19; 15.2; 1Co 3.9; Ef 2.20-21; 1Ts 5.11; 1Pe 2.5). Desse modo, edificar passou a ser usada no sentido coletivo de “fortalecer uns aos outros”; “fazer com que os outros cresçam em maturidade espiritual”. Estas bênçãos espirituais só acontecem quando os dons são ministrados aos outros como igreja.  
[7] Charles Hodge. 1-2 Corínthians, pág 281.  
[8] D. A.Carson. A manifestação do Espírito. A contemporaniedade dos dons à luz de 1 Coríntios 12-14, pág 37.
[9] Ibid.
[10] Augustus Nicodemus Lopes. O culto espiritual, pág 198-199.
[11] John Stott, em o Batismo e Plenitude do Espírito Santo, na seção acerca do “propósito dos dons espirituais”.    

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Fonte: Bereianos