Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

quinta-feira, 25 de abril de 2013


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por Rev. Ewerton B. Tokashiki


Não há no Pentateuco uma declaração objetiva de que Moisés tenha escrito o Pentateuco. Todavia, há testemunho suficiente, que apóia a sua autoria. A ausência do nome do autor harmoniza-se com a prática do Antigo Testamento em particular, e com as obras literárias antigas em geral. No antigo Oriente Médio, o “autor” era basicamente um preservador do passado, limitando-se ao uso de material e metodologias tradicionais, conforme já foi observado.

A Teoria Documentária

A Teoria Documentária declara que Moisés nunca foi o autor do Pentateuco, mas que ele foi o resultado de séculos de tradição, em que escribas registraram e compilaram diferentes porções, de autores desconhecidos, e realizaram a formação de um texto final. Devemos considerar algumas implicações da Teoria Documentária em afirmar a formação final do Pentateuco num período pós-exílico (entre 500-400 a.C.), quando a religião de Israel já estava bem desenvolvida.

1. A Teoria Documentária não prova a não autoria de Moisés. Falando francamente, esta teoria nem sequer conseguiu provar a sua própria veracidade científica, para tirar de sobre si o estigma de “teoria” a que está vinculada durante todos esses séculos.

2. Mesmo entre os adeptos desta teoria não há concordância acerca da identificação e classificação dos textos e dos grupos documentais a que eles supostamente pertencem.

3. Aceitar a teoria JEDP anula a credibilidade do Pentateuco. Segundo a Teoria Documentária a história bíblica é forjada. O Dt foi inventado pelos profetas para reforçar a idéia da centralização. O uso do nome de Moisés no Pentateuco, era simplesmente para dar autoridade ao texto, mas ele nada tinha a ver com a composição histórica do mesmo. O documento P, composto para assegurar a aceitação do sistema sacerdotal por parte do povo, fora baseado em lendas e crendices folclóricas. Como observa Stanley A. Ellisen “rejeitar a autoria de Moisés é rejeitar o testemunho universal dos escritores bíblicos e solapar a credibilidade do Pentateuco e do resto da Bíblia. É da autoria de Moisés, e não apenas um ‘mosaico’ de diferentes”.[1]

4. Retira todo o caráter normativo do Pentateuco.[2] Não teria qualquer valor para o povo da época, já que nada acrescentaria ao judaísmo. Se o Pentateuco fosse apenas um produto de uma religião tardiamente desenvolvida, e não o princípio regulador, não faria sentido chamá-lo de “a Lei”. Se ele não foi o princípio regulador para os primeiros leitores, não teria valor algum para os crentes de outras épocas, uma vez que os conceitos humanos mudam e o que não foi normativo para um povo, pode não ser para outro.

5. Invalida o esforço de composição. O relato do Pentateuco é rico em detalhes e informações. Possui informações das origens e desenvolvimento dos povos, em especial do povo de Israel. Os supostos autores teriam se dado a um imenso trabalho de imaginação para simplesmente manter uma ordem que já estava estabelecida.

6. Devemos considerar a ausência de evidências histórica, ou manuscritológicas, de que estes supostos documentos (JEDP) tenham circulado em algum período soltos uns dos outros.[3]

7. Considera o autor mal intencionado. A Teoria Documentária implica que um autor (ou autores), com um sentimento profundamente religioso e com o intuito de conduzir o povo diante de Deus, tenha se rebaixado a abandonar valores que quer ensinar e redigir uma mentira, colocando na boca de Deus, o que Ele não disse, inventando “estórias” e fazendo com que todos a considerassem como verdadeiras!

8. Impossibilidade do sobrenatural no AT. Conseqüentemente a intervenção divina é negada: revelação, inspiração, encarnação, milagres, etc.

9. Negação da revelação especial. A Bíblia torna-se meramente uma referência literária semítica. Um livro antigo como outro qualquer, deixando de ser a auto-revelação proposicional de Deus.

Alguns críticos liberais adeptos da Teoria Documentária questionam não somente a autoria de Moisés, mas inclusive até mesmo a sua historicidade. Acham inconcebível como tamanhos desastres puderam atingir um povo tão desenvolvido e organizado, como eram os egípcios, e ainda assim não existir nenhum registro desses fatos? Respondemos mencionando a contribuição do arqueólogo Alan Millard que declara “os faraós, e isso não é surpresa, não apresentam descrições das derrotas sofridas diante dos seus vassalos ou sucessores. Se os monumentos reais não podem ajudar, os distúrbios vividos pelo Egito com as pragas e a perda da mão-de-obra poderiam ter gerado mudanças administrativas. Como qualquer estado centralizado, o governo do Egito consumia grandes quantidades de papel (papiro), e boa parte da documentação era arquivada para consulta. Mas isso também não ajuda, pois, como já vimos, praticamente todos os documentos pereceram, e a probabilidade de recuperar algum que mencione Moisés ou as atividades dos israelitas no Egito é risível.”[4]

Moisés é reconhecido como o homem erudito na antigüidade bíblica. Nos dias de Moisés o Egito era a maior civilização do mundo, tanto em domínio, construções e conhecimento. Moisés teve a oportunidade de ter sido educado na corte real egípcia, recebendo a instrução de disciplinas acadêmicas que no Egito já eram tão desenvolvidas. Incluindo a arte da escrita, que há muito tempo era usada, de comum uso dos egípcios, inclusive entre os próprios escravos.

Como historiador, soube coletar as informações da rica tradição oral de seu povo. Mas além da tradição oral, Moisés dispôs, enquanto esteve no palácio real egípcio, do seu acervo literário. Era possuidor de um vasto e detalhado conhecimento geográfico. O clima, vegetação, a topografia, o deserto tanto do Egito como do Sinai, e os povos circunvizinhos lhe eram familiares.

O modo como o autor do Pentateuco descreve os eventos e lugares, indica que ele não era palestino. Alguns fatos contribuem para esta conclusão 1) conhecia lugares pelos nomes egípcios, 2)usa uma porcentagem maior de palavras egípcias do qualquer outra parte do AT, 3) as estações e tempo que se mencionam nas narrativas são geralmente egípcias e não palestinas, 4)a flora e a fauna descritas são egípcias, 5)os usos e costumes relatados que o autor conhecia e eram comuns em seus dias.[5]

Moisés como fundador da comunidade de Israel, também exerceu o papel de legislador, educador, juiz, mediador, profeta, libertador, sacerdote, pastor, historiador, entre outros. Possuía vários motivos, segundo as funções que exerceu, para prover ao seu povo alicerces morais concretos e religiosos, e era preciso registrar e distribuir a Lei entre o povo, de modo que ela fosse acessível a todos.

Como escritor teve tempo mais que suficiente. O Êxodo durou quarenta árduos e longos anos de peregrinação pelo deserto do Sinai. Apesar de sua ocupação ativista, este seria um tempo mais do suficiente para que pudesse escrever todo o Pentateuco, e ainda se necessário alfabetizar todo o povo.[6] Ele mesmo reivindicou escrever sob orientação de Deus (Êx 17:14; 34:27; Dt 31:9, 24). Nenhum outro autor da antiguidade foi assim identificado.

O Que se entende por autoria Mosaica? [7]

1. Não significa que Moisés tenha pessoalmente escrito originalmente cada palavra do Pentateuco. Certamente ele lançou mão da “tradição oral”;[8]

2. É possível que ele tenha empregado porções de documentos previamente existentes;

3. Talvez, tenha usado escribas ou amanuenses para escrever;

4. Moisés foi o autor fundamental ou real do Pentateuco;

5. Sob a orientação divina, talvez, tenha havido pequenas adições secundárias posteriores, ou mesmo revisões (Dt 34);

6. Substancial e essencialmente o Pentateuco é obra de Moisés. O Dr Wilson comenta “que o Pentateuco, conforme se encontra, é histórico e data do tempo de Moisés; e que Moisés foi seu autor real, ainda que talvez tenha sido revisado e editado por redatores posteriores, adições essas tão inspiradas e tão verazes como o restante, não existe dúvida.”[9];

7. Todo o Pentateuco possui unidade literária. Pequenas adições e mudanças no Pentateuco podem ser admitidas sem que se negue a unidade literária, e autoria mosaica da obra. Não há nenhuma evidência história ou manuscritológica que vários redatores tenham “costurado” os livros do Pentateuco. Não existe nenhuma evidência que em algum período da história, o Pentateuco tenha circulado como “pedaços” (fontes JEDP), e que algum redator, ou redatores, tenha compilado e dado sua formação final, como propõe a teoria documentária. Os rabinos judeus desconhecem tal coisa.

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Notas:
[1] Stanley A. Ellisen, Conheça Melhor o Antigo Testamento (São Paulo, Ed. Vida, 1996), p. 13
[2] O.T. Allis, The Five Books of Moses (New Jersey, Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1964), p. 10
[3] Robert D. Wilson, A Scientific Investigation of the Old Testament(Chicago, Moody Press, 1967), p. 50
[4] Alan Millard, Descobertas dos Tempos Bíblicos (São Paulo, Ed. Vida, 1999), p. 80
[5] G.L. Archer,Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento?, pp. 499-507
[6] Martinho Lutero, por exemplo, apesar de possuir uma vida tão atribulada pode escrever (e em alguns casos reescrever) uma verdadeira biblioteca. A obra completa da edição de Weimar possuí um acervo de 100 volumes.
[7] Edward J. Young, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo, Editora Vida Nova, 1963), p. 52
[8] O.T. Allis, The Five Books of Moses, pp. 12-14
[9] Robert D. Wilson, A Scientific Investigation of Old Testament, p.11

segunda-feira, 22 de abril de 2013


Não transformem igrejas em sinagogas!



Por Hermes C. Fernandes

Uma onda judaizante tem varrido nossas igrejas nos últimos tempos. Segundo os defensores desta tendência, trata-se de um retorno às raízes judaicas do cristianismo.

O púlpito virou altar. Em vez da mesa de comunhão, uma tenda contendo uma réplica da Arca da Aliança. Sem contar o candelabro, o shofar (chifre de carneiro tocado para invocar a presença de Deus), as festas judaicas, danças típicas, a estrela de Davi e para completar, a bandeira de Israel. Seria um santuário cristão ou uma sinagoga? Só falta as orações serem feitas em hebraico (considerado por muitos o idioma falado no céu).

Sinceramente, o que vejo nisso é um enorme retrocesso. Precisamos urgentemente redescobrir as Epístolas de Paulo, sobretudo, a endereçada aos Gálatas.

A igreja contemporânea parece tomar o caminho inverso ao da igreja primitiva. Deixamos a graça genuína para retornar às sombras (Hb. 10:1; Cl.2:17).  Criamos uma geração de cristãos idólatras, que veneram a arca e todos os símbolos judaicos. Confinamos a presença de Deus a uma tenda que afirmamos ser o santo dos santos. É como se tivéssemos recosturado o véu que custou o sangue de Cristo para rasgar.

Reeditar elementos da Antiga Aliança é o mesmo que anular a graça. E não sei como alguém que diz ter recebido entendimento desta maravilhosa graça faria tal desserviço à causa do reino. O povo se deixa levar por faltar-lhe conhecimento. Porém, Deus cobrará dos líderes que apesar de conhecerem a verdade, preferem induzir o povo ao erro. Deus não os tem por inocente.

Será que jamais leram que “o caminho do santuário não estava descoberto enquanto se conservava em pé o primeiro tabernáculo” (Hb.9:8)? Não bastou que o véu fosse rasgado. Era necessário que aquele tabernáculo fosse derrubado. Constitui-se transgressor aquele que se atreve a reconstruir o que foi derrubado (Gl.2:18).

Vale aqui a dura advertência do Espírito Santo:

 “Quão mais severo castigo, julgam vocês, merece aquele que pisou aos pés o Filho de Deus, que profanou o sangue da aliança pelo qual ele foi santificado, e insultou o Espírito da graça?” Hebreus 10:29

Voltem para Cristo! Deixem tais superstições! Vocês, que procuram ser justificados pela lei, separaram-se de Cristo; caíram da graça” (Gl.5:4). Não se pode misturar a graça com elementos judaizantes. É água e óleo. Luz e sombra. Com lágrimas nos olhos e angústia em meu coração, digo: Saiam das sombras e retornem à luz.

Povo de Deus, não se deixe enganar. Despertem seus líderes! Eles os estão levando na direção oposta. Não há pastos verdejantes lá. Só feno. Não há águas tranquilas. Só lama. Escapem! Fujam! Voltem para a liberdade oferecida pela graça! Não se acostumem ao jugo da escravidão. Quem tem o mínimo de discernimento do Espírito vai discernir a Sua voz nesta admoestação. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. 


O Dízimo já era...














Por Hermes C. Fernandes


Muito se temdiscutido sobre a legitimidade do dízimo durante o regime da Nova Aliança. Para muitos, com o fim da Lei, encerra-se também a obrigatoriedade do dízimo. Vamos deixar as paixões de lado, e examinar o assunto com o coração aberto.

De fato, o dízimo figura nas Escrituras Sagradas mesmo antes da instituição da Lei. Portanto, o Dízimo já era praticado muito antes de Moisés receber as tábuas no Sinai. O escritor de Hebreus diz que o patriarca Abraão separou o dízimo de tudo, e o entregou a Melquisedeque, sacerdote de Salém. Nesta passagem é dito que o fato de Abraão lhe haver entregue o dízimo demonstrava o quão grande era Melquisedeque (Hb.7:4). Portanto, tributar-lhe o dízimo de tudo era o mesmo que reconhecer sua superioridade. Abraão, o menor, foi abençoado por Melquisedeque, o maior (7:7).

Ainda não havia templo em Jerusalém, nem mesmo havia sido instituído o sacerdócio levítico, mas isso não impediu que o patriarca entregasse seus dízimos. Portanto, cai aqui a idéia de que os dízimos só valiam enquanto houvesse um templo para ser mantido. O Dízimo já era praticado muitos antes de haver templo em Jerusalém.

Somente séculos depois, com a instituição da lei, os filhos de Levi foram autorizados por Deus a“tomar o dízimo do povo, isto é, de seus irmãos” (v.5). Neste caso,“recebem dízimos homens que morrem” (sacerdotes levíticos), mas no caso de Melquisedeque, figura de Cristo, “os recebe aquele de quem se testifica que vive”(v.8). Portanto, onde haja sacerdócio, ali também haverá quem receba dízimos.

Alguém poderá objetar dizendo que não há nenhuma palavra sobre o dízimo no Novo Testamento. Ledo engano! O próprio Jesus o endossou ao censurar a hipocrisia dos religiosos de Seu tempo:
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas negligenciais o mais importante da lei, a justiça, a misericórdia e a fé. Devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas” (Mt.23:23).
Mais claro que isso? Impossível. Jesus não os censurou por darem o dízimo, e sim por omitirem aspectos mais importantes da lei. Deveriam ser zelosos tanto na entrega do dízimo, quanto na observação da justiça, da misericórdia e da fé. E repare quão detalhistas eles eram. Davam o dízimo até do tempero da comida!

Pode até parecer legalismo de Sua parte, mas Jesus declarou que se a nossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entraremos no reino dos céus (Mt.5:20).

A graça nos ensina a ir muito além do dízimo!

Por que Paulo e os demais apóstolos não precisaram ensinar sobre o dízimo? Porque para os cristãos primitivos, dar o dízimo era fichinha. Eles aprenderam a ir muito além do dízimo.

Também convém salientar que se os apóstolos fossem contrários ao dízimo, eles teriam combatido-o com a mesma veemência com que combateram a circuncisão (também anterior à Lei).

Os mesmos que hoje combatem o dízimo deveriam reconhecer que se o Evangelho chegou até nós, foi graças à fidelidade daqueles que deram muito mais do que o dízimo, patrocinando empreendimentos missionários ao redor do globo.
 

Entregar 10% de nossos rendimentos é dar o que já é esperado. Jesus nos ensinou a transpor os limites das expectativas que nos são postas.

Veja o que Ele diz sobre isso:
“Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. E se alguém quiser demandar contigo e tirar-te a túnica deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas”(Mt.5:39b-41).
Este princípio também se aplica à questão das contribuições na igreja. E podemos ver um exemplo disso na segunda epístola de Paulo aos Coríntios, onde o apóstolo dos gentios dá testemunho da surpreendente atitude dos irmãos das igrejas da Macedônia. Devido à sua pobreza, Paulo quis poupá-los de ter que enviar ofertas para a igreja em Jerusalém. Porém eles imploraram para participarem desse privilégio (2 Co.8:4).
“Sua profunda pobreza transbordou em riquezas de sua generosidade. Pois segundo as suas posses ( o que eu mesmo testifico), e ainda ACIMA DELAS, deram voluntariamente (...) E não somente fizeram como nós esperávamos, mas a si mesmos se deram primeiramente ao Senhor, e depois a nós, pela vontade de Deus” (vv.2b-3,5).
Entregar o dízimo é dar de acordo com a nossa posse.

Uma das coisas que me causam admiração no dízimo é que ele nivela a todos dentro da congregação. Ninguém dá mais, nem menos. Tanto o dízimo de um empresário bem-sucedido, quanto o de uma empregada doméstica têm o mesmo valor, a décima parte.

Porém, somos desafiados pelo Senhor a sermos imitadores das igrejas da Macedônia, transpondo a lei do Dízimo, e dando além de nossas posses.

Interessante que Paulo dá testemunho da generosidade dos Macedônios em sua carta aos Coríntios, e ao mesmo tempo diz que se gloriava da prontidão dos Coríntios perante os Macedônios (9:2). Generosidade e prontidão devem andar de mãos dadas.

Se deixarmos a obra de Deus por último, talvez não sobre nada. Temos que aprender a colocar o reino de Deus em primeiro lugar. Nossas contribuições, sejam a título de dízimo ou de oferta, devem ser preparadas de antemão, e que sejam expressão de generosidade, e não de avareza (v.5).

Muita gente dá o dízimo como o desencargo de consciência. Acham que já estão fazendo muito. O dízimo deve ser considerado o piso, e não o teto de nossas contribuições.

A mesma passagem usada pelos pregadores para exortar a igreja a ser fiel nos dízimos, também menciona outro tipo de contribuição que estava sendo sonegado. Repare no que diz a passagem em questão:
“Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas alçadas” (Ml.3:8).
Nem todo mundo está devidamente familiarizado com a expressão “oferta alçada”. A maioria de nós sequer ouviu falar disso. Oferta alçada é qualquer oferta cujo valor exceda o valor do dízimo.

O que os cristãos macedônios estavam fazendo era cumprir este mandamento. Oferta alçada é aquela que vai além de nossas posses.

O Dízimo é o mínimo que um cristão pode fazer pela manutenção das obras realizadas pela igreja.

Dele dependem aqueles que vivem do Evangelho. Ministros que se dedicam integralmente à igreja, e quem têm filhos para criar, aluguel de casa pra pagar, contas, compras, etc. Alguns são obrigados a cumprir jornada dupla, porque a igreja não atende às suas necessidades. Não nada de mal nisso. O próprio Paulo teve que fazer tendas para garantir sua subsistência por um tempo. O problema é que, ao trabalhar fora, o pastor já não poderá dedicar cem por cento do seu tempo ao rebanho.

O padrão estabelecido pelas Escrituras está claro:
“Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho” (1 Co.9:14).
Veja ainda a recomendação de Paulo a Timóteo:
“Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e no ensino. Porque diz a Escritura: Não atarás a boca do boi quando debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário” (1 Tm.5:17-18).
Se as igrejas abolissem os dízimos, e contassem exclusivamente com as ofertas voluntárias, como se manteriam e fariam planos para o futuro?

A vantagem do dízimo é a sua regularidade. Dá pra se fazer um planejamento, comprar uma propriedade para igreja, contratar novos funcionários, enviar missionários, etc., porque se tem um orçamento fixo.

A diferença básica entre dar o dízimo na Lei, e entregá-lo voluntariamente na Graça está na motivação com que se faz. O que se faz sob a Lei, se faz por mera obrigação religiosa. Mas o que se faz sob a égide da Graça, se faz por gratidão.

Detesto constatar que a maioria daqueles que dão o dízimo, o faz por medo de um suposto espírito maligno identificado como “o devorador”. Definitivamente, não há demônio ou legião com este nome. O que a Bíblia chama de “devorar” são as circunstâncias adversas sobre as quais não temos poder. Mesmo sabendo que o Senhor repreende o devorador, não deve ser esta a nossa motivação.

Seja a título de dízimo ou de oferta voluntária, tudo o que fizermos deve ser feito por amor e gratidão, jamais por coação ou constrangimento.



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Por Clóvis Gonçalves


Decididamente o calvinismo não goza de popularidade entre o povo de Deus. Ele soa e de fato é ofensivo a muitas pessoas que se sentem compelidas a combatê-lo. E assim, muito debate acontece em blogs, fóruns e listas de emails Internet afora. Infelizmente, muito se perde nesses debates por faltar um método adequado de confrontar os calvinistas e suas doutrinas. Neste artigo, apresento algumas dicas de como combater de forma mais objetiva o pensamento calvinista.

Primeiro: avalie sua motivação

Você deve combater o calvinismo movido pelo amor à verdade e ao irmão errado, nessa ordem. O amor, diz a Bíblia, "não folga com a injustiça, mas folga com a verdade" (1Co 13:6). É errado combater o erro sem amor e perigoso quando a pretexto de amar, deixamos de apontar o erro, pois "os que perecem" são aqueles que"não receberam o amor da verdade para se salvarem" (2Ts 2:10).

Mas amar a verdade apenas não basta, "antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo" (Ef 5:15). Você deve purificar sua alma"pelo Espírito na obediência à verdade, para o amor fraternal, não fingido" (1Pe 1:22). O combate ao calvinismo deve ser de forma que ao final você possa dizer "o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas... por amor de vós" (1Ts 1:5) e os que acompanharem o debate possam concluir que "a misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram" (Sl 85:10).

Segundo: reflita no que crê

Antes de tirar o cisco do olho do irmão, convém tirar a trave do próprio. Assim, antes de apontar o erro calvinista, você precisa repensar a própria fé, à luz da Bíblia."Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos" (2Co 13:5a). Algumas afirmações nos parecem verdadeiras, mas serão de fato bíblicas? Por exemplo, será que a declaração "se o homem não tem livre arbítrio, Deus seria injusto se o condenasse" pode ser demonstrada escrituristicamente? Ou então, perguntas do tipo "se alguns já estão eleitos, por que Jesus morreu?" tem sentido, biblicamente falando? Submeta seus pressupostos "à lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles" (Is 8:20). Antes de reprovar a fé alheia, coloque à prova a sua própria fé "se não é que já estais reprovados" (2Co 13:5b).

Terceiro: defina os conceitos

Na controvérsia com os calvinistas, alguns termos são recorrentes. Livre arbítrio, predestinação, presciência, perseverança e graça irresistível são apenas alguns deles. Mas será que você os usa com o mesmos sentido que seu irmão calvinista entende? E será que o sentido em que você toma esses termos é o sentido que os mesmos tem na Escritura? Assim como há "tanta espécie de vozes no mundo, e nenhuma delas é sem significação" (1Co 14:10), há também muitos significados para um mesmo termo e "se eu ignorar o sentido da voz, serei bárbaro para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro para mim" (1Co 14:11), vale dizer, falarão e falarão e não se entenderão. E, pelo menos para os termos que ocorrem na Bíblia, o sentido adotado deve ser aquele que tinham para seu escritor e para os leitores originais.

Quarto: compreenda a doutrina calvinista

Não se iluda. A maior parte do que você "sabe" sobre a doutrina calvinista está errada, trata-se de uma má representação dela. Por exemplo, acreditar que um eleito será salvo mesmo que não creia no evangelho ou que se desvie completa e definitivamente dele, morrendo em pecado. Neste ponto, é bom seguir o exemplo de Jesus: "Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas?" (Lc 10:26). Pedir para um calvinista que explique o que ele crê exatamente sobre um assunto evita que você dê uma de Dom Quixote, brandindo espada a moinhos de vento.

Quinto: comece e termine com a Bíblia

Segundo a própria Bíblia "nada podemos contra a verdade, senão pela verdade" (2Co 13:8). E quando lembramos que Jesus disse "a tua palavra é a verdade" (17:17), o que a Escritura diz, e só o que ela diz, realmente importa. Aquilo que achamos ou que outros dizem torna-se irrelevante diante das declarações da Bíblia. Os calvinistas, em geral, tem pouco apreço por teorias humanistas, do tipo "o homem é a medida de todas as coisas", "dever implica poder" e "sem liberdade não há responsabilidade". Se você quiser ter êxito contra eles, comece com um "a Bíblia diz" e mostre exatamente onde e como ela diz isso.

Mas prepare-se para examinar o contexto e descobrir a intenção do autor. Pois os calvinistas não se contentam com textos-provas, isolados de seus contextos e sem consideração das características e necessidades dos leitores originais. Além disso, costumam separar declarações bíblicas de inferências livres. Por exemplo, se você apresentar um texto que diga "o vencedor... de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida" (Ap 3:5) como prova de que nomes podem ser apagados dali, ele vai dizer que sua inferência é inválida, pois o texto afirma positivamente o contrário.

Siga as dicas acima e boa sorte!

Soli Deo Gloria

Fonte: Cinco Solas

Nota do Blog Bereianos: Para os que não sabem, o irmão Clóvis Gonçalves é calvinista (assim como nós) e o seu artigo expressa o nosso pensamento no que concerne aos debates entre calvinistas e arminianos. Aos desavisados: ele não está "condenando" o calvinismo, mas sim mostrando aos arminianos como proceder corretamente antes que querer debater contra o calvinismo.  

Excelente!
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sábado, 20 de abril de 2013



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Por  Mike Bullmore


O que é pregação expositiva? Um sermão é expositivo quando o seu conteúdo e propósito são controlados pelo conteúdo e propósito de uma passagem específica da Escritura. O pregador diz o que a passagem diz, e ele almeja que o seu sermão efetue em seus ouvintes exatamente o que Deus está buscando efetuar por meio da passagem escolhida de sua Palavra.

Pregador, imagine Deus sentado na congregação enquanto você prega. Qual seria a expressão na face dele? Ele diria: “Isso não é de modo algum o que eu queria comunicar com aquela passagem”? Ou ele diria: “Sim, era exatamente isso o que eu pretendia”?

A defesa bíblica da pregação expositiva começa com a conexão entre o dom dos pastores-mestres que o Cristo assunto deu à igreja (Ef 4.11) e a injunção bíblica para que os pastores-mestres “preguem a palavra” (2Tm 4.2). Aqueles que pregam deveriam pregar as suas Bíblias.

Talvez o melhor ponto de partida para demonstrar que é legítimo identificar a pregação e a pregação da Palavra seja o livro de Atos. Em Atos, a expressão “a palavra de Deus” é um resumo comum para designar o conteúdo da pregação apostólica. Em Atos 6.2, por exemplo, os apóstolos dizem: “Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus” (veja também At 12.24; 13.5, 46; 17.13; 18.11). A expressão também aparece frequentemente como “a palavra do Senhor” (8.25; 13.44; 15.35-36; e outras) e, não poucas vezes, é reduzida para “a palavra” (cf. 4.29; 8.4; 11.19). No livro de Atos, há uma clara e consistente identificação entre a pregação apostólica e a expressão “a palavra de Deus”.

Ao mesmo tempo em que o conteúdo da pregação apostólica eram as boas novas de reconciliação com Deus por meio de Cristo Jesus, tal mensagem era entregue e explicada quase invariavelmente por intermédio de uma exposição da Escritura do Antigo Testamento. Assim, a pregação nos tempos do Novo Testamento envolvia a pregação da “palavra de Deus”, e um componente essencial de tal pregação era a exposição do Antigo Testamento. Isso, por sua vez, nos conduz à conclusão de que as Escrituras do Antigo Testamento devem estar inclusas na nossa concepção da “palavra” a ser pregada, uma conclusão confirmada pelas reivindicações do Novo Testamento, tanto diretas (p. ex. 2Tm 3.16; Rm 3.2) como indiretas (p. ex. Rm 15.4).

Então, essa “palavra” é a palavra acerca de Jesus, tal como antecipada no Antigo Testamento e agora explicada na pregação apostólica. Essa é a palavra que é “falada” (At 4.29), “proclamada” (13.5) e que deve ser “recebida” (17.11) como “a palavra de Deus”. Essa mesma identificação é mantida ao longo das cartas de Paulo. Sem hesitação, ele chama a mensagem por ele proclamada de “a palavra de Deus” (2Co 2.17; 4.2; 1Ts 2.13) ou, simplesmente, “a palavra” (Gl 6.6).

Até mesmo no contexto da incumbência dada por Paulo para que Timóteo “pregasse a palavra”, há uma confirmação dessa identidade entre pregar e pregar a palavra de Deus. Timóteo teria compreendido imediatamente a que “palavra” Paulo se referia. Como a biografia de Timóteo realça, a “palavra” certamente incluía tanto as “sagradas letras” como a mensagem apostólica – “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste” (2Tm 3.10-17).

A conclusão de tudo isso é que a “palavra” a qual devemos pregar é o corpo da verdade que consiste nas Escrituras do Antigo Testamento e no ensino apostólico acerca de Cristo – isto é, o Novo Testamento. Assim, identificar a “palavra” com as nossas Bíblias é apropriado. É isso que aqueles comissionados como “pastores-mestres” devem ensinar. O nosso trabalho é proclamar “a palavra” que Deus falou, preservada na Escritura e confiada a nós. A vida espiritual do povo de Deus depende dessa palavra (Dt 8.3). É por isso que um jovem pastor é encarregado de “dedicar-se à leitura pública da Escritura, à exortação e ao ensino” (1Tm 4.13, NVI). Se esse encargo contém algum apelo a nós hoje, e ele o contém, então a fonte da nossa pregação deve ser inteira e exatamente o que está em nossas Bíblias.

Como isso se dá na prática? Em nossa preparação do sermão, isso se dá quando tomamos passagens definidas da Palavra de Deus e as estudamos cuidadosamente, de modo a podermos “manejar bem a palavra da verdade”. No púlpito, isso se dá de modo semelhante à imagem que vemos em Neemias 8.8: “Leram no livro [...] claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia”. Deus planejou e também prometeu usar esse tipo de pregação para executar um dos seus grandes propósitos – ajuntar e edificar o seu povo.

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Por Mike Bullmore, pastor sênior da CrossWay Community Church em Kenosha, Wisconsin, EUA. Extraído do site www.9marks.org. Copyright © 2007 9Marks. Usado com Permissão. Original: A Biblical Case for Expositional PreachingTradução: Vinícius Silva Pimentel – Editora Fiel © Todos os direitos reservados.

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sexta-feira, 19 de abril de 2013



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por Herman Hoeksema


Romanos 4:6-8: "Assim, também, David declara bem aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça, sem as obras dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos; Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado."

Nestas palavras temos a segunda prova de uma declaração do Apóstolo na última parte do capítulo anterior. Esta afirmação é que a doutrina da justificação pela fé, sem as obras, não anula a lei. A lei em Romanos 3:31 refere-se a toda a revelação do Antigo Testamento. Portanto, o apóstolo quer dizer que a doutrina da justificação pela fé não é uma nova doutrina.

A primeira prova para esta afirmação, o apóstolo tirou do livro de Gênesis. Abraão não foi justificado pelas obras, mas pela fé. Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado por justiça.

A segunda prova é retirada dos Salmos. No Salmo 32:1-2 David pronuncia a bem-aventurança do homem cuja iniquidade é perdoada e cujo pecado é coberto, o homem a quem o Senhor não imputa o pecado.

A coisa a ser demonstrada é que há uma justiça que é sem as obras, que é livre, que é de graça. É preciso demonstrar que tal justiça também é ensinada no Antigo Testamento. Para provar a sua afirmação, o apóstolo refere-se a David. O argumento é que se quisermos ser justos por obras, não pode haver perdão dos pecados. Se um homem é para ser justo por obras, as obras devem ser imputadas. Se as obras estão a ser imputadas, o pecado também deve ser imputado. Mas então, não há perdão dos pecados. No Salmo 32, no entanto, o poeta fala de bem-aventurado o homem cujos pecados são perdoados, a quem o Senhor imputa justiça sem as obras. 

Uma Graça Maravilhosa

Antes de mais nada, o pensamento expresso no texto de Romanos, pela forma dele, é que a bem-aventurança do perdão dos pecados é uma maravilha da graça. A Escritura usa muitas palavras para o pecado, porque há muitos aspectos do pecado. Pecado está relacionado com todo o nosso ser. Ele afeta a nossa relação com Deus, com o mundo, e com os outros. Há muitos aspectos do pecado, tantos quantas relações há. Portanto, a Escritura fala de transgressão, ofensas, iniquidade, culpa, etc. Na passagem, temos dois aspectos. O primeiro é apresentado pela palavra iniquidade. Iniquidade significa, literalmente, "negação da lei". A outra palavra, traduzida pecado, literalmente significa "errar o alvo".

Iniquidade olha para o pecado, do ponto de vista da sua relação com a lei. A lei é a esfera que Deus ordenou para a vida do homem. A iniquidade caracteriza o pecador como alguém que nega a lei. Ele nega a lei de duas maneiras. Ele diz não para a lei com a sua mente, e ele balança a cabeça para a lei. Ele nega que a lei é boa, e ele diz não a ela. Não só, ele nega a lei, em sentido teórico, mas também sacode a cabeça contra a lei e diz: "Eu quero". Isso é iniquidade. O pecador é sem lei. Quando ele traz essa ilegalidade à prática, ele comete a iniquidade.

O outro aspecto da palavra "pecado" olha o pecado do ponto de vista do propósito de Deus para nós. Este propósito é a glória de Deus. Deus quer que este seja o nosso propósito: com tudo que somos e temos, reconheçamos a glória de Deus. O pecado, como caracterizado na passagem, olha para a corrupção do ponto de vista de que o homem falha este propósito. Isto não é acidental, mas intencional. O homem perde este propósito, porque ele visa o oposto. Ele visa a si mesmo, a sua própria glória. Deste ponto de vista, o pecado é um ataque contra a glória de Deus.

Temos de perceber isso, a fim de compreender o que significa quando o poeta David diz: "Bem-aventurado o homem cujas iniquidades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos, a quem o Senhor não imputa o pecado" [Sl. 32:1-2]. Observe que temos ali duas descrições de perdão. Há realmente três palavras usadas, mas uma delas eu chamarei a vossa atenção mais tarde. Temos duas descrições aqui. A primeira é perdão. A outra é não imputar [pecado].

O significado literal de perdoar é "dispensar". "Dispensar de quê?" nós perguntamos. Evidentemente, isso significa dispensar do único registo que existe, isto é, da mente de Deus. Isto é perdoar. Costumamos dizer: "Eu posso perdoar, mas não posso esquecer." Isso é possível. Mas, se esse não esquecer é que você não pode tirá-lo da sua mente como uma ofensa, então você não tem perdoado. Quando Deus perdoa, de acordo com este significado da palavra no texto, Ele tira os nossos pecados de sua mente como pecados. Deus não esquece o facto do pecado, mas Ele dispensa-o de sua mente como pecado. Em vez de ter um sentimento de ira contra o pecador, Ele é cheio de favor para ele.

Como resultado deste perdão, Deus não imputa esse pecado ao pecador. Não imputar descreve o perdão do ponto de vista da culpa. O pecado nos leva a estar aquém de nossa obrigação. Nossa obrigação é amar a Deus com todo nosso coração, mente e força. Devemos amá-Lo todo o tempo. Nunca podemos falhar. Sempre que pecamos, isto é, sempre que dizemos não a esta obrigação, nós caímos, e é contado contra nós. Quando isso acontece, a nossa obrigação de amar a Deus é transformada para uma obrigação de sofrer. O pecador tem de ser punido.

O poeta diz, e Paulo cita-o dizendo que Deus não considera essa obrigação. Ele nos dá uma folha limpa, de modo que não há pecado contra nós. Deus não imputa ou conta pecado contra nós.
Isto é uma maravilha!

É uma maravilha, se você olhar para ele, do ponto de vista de Deus. Deus, que é santo e justo e que não pode permitir que Sua justiça seja espezinhada, não considera o pecado contra o pecador. Deus, que não muda, coloca fora de sua mente todos os nossos pecados, as nossas iniquidades, a nossa corrupção.

É uma maravilha! É uma maravilha do ponto de vista da lei, porque a lei não é apenas um código exterior; é a expressão viva da vontade de Deus. É um poder vivo para condenar, punir todos aqueles que não mantêm seus preceitos, como a lei do fogo é queimar você. Não seria uma maravilha se você colocasse a mão no fogo, e não queimasse? Esta é a maravilha do perdão. Você coloca sua mão no fogo, e não o queima. Você atropela a lei com os seus pés, e ela não o pune.

É uma maravilha também do ponto de vista do pecador. Porque é um assunto perigoso perdoar o criminoso. É um negócio perigoso perdoar o criminoso, não só por seus pecados passados, mas também para todos os pecados que ele irá cometer no futuro. Imagine se o Supremo Tribunal fizesse isso! Mas a maravilha da graça é que, antes de termos deixado o pecado, os nossos pecados são perdoados. Assim diz o poeta no Salmo 32.

Uma Grandiosa Bênção

Oh, bem-aventurado o homem cujas maldades são perdoadas, a quem Deus não imputa o pecado!

Ele é abençoado porque o perdão dos pecados é a maior das bênçãos. É a bênção chave de todas as bênçãos. Se não há perdão, não há bênção para ninguém. A razão é simplesmente porque Deus é justo. Deus não pode abençoar os injustos. Isso é impossível. Deus não pode nem por um instante olhar os injustos em Sua mente com a finalidade de abençoá-los. Se quisermos ser abençoados por Deus, devemos ter uma folha limpa, porque Deus é Deus, e Ele é justo.

A bênção objectiva do perdão, portanto, explicita a diferença entre a ira eterna de Deus e Sua Eterna boa vontade. É a diferença entre Inferno e Céu. Sem o perdão, a porta do Inferno é inevitavelmente aberta. Sem o perdão, as portas do céu são inevitavelmente fechadas. O perdão é a chave que fecha a porta da maldição eterna. O perdão abre a porta para o céu, a eterna glória e comunhão com Deus.

É de se admirar que o poeta exclame: "Oh, bem-aventurado o homem cujas maldades são perdoadas, cujos pecados são cobertos, a quem Deus não imputa o pecado"?

O perdão é a bênção. A passagem fala da bem-aventurança. Ela olha para o perdão do ponto de vista de nossa própria experiência pessoal consciente dela. Temos consciência do perdão dos pecados quando Deus nos dá a fé. Quando pela fé nos tornamos conscientes do perdão dos pecados, de modo que nos apropriamos da bem-aventurança do perdão, o resultado é a alegria. Esta bênção causa a bem-aventurança da paz, que não temos, sem o perdão. Os ímpios não têm paz. Não há paz com Deus, sem perdão. Mas se Deus infundir a fé em nosso coração, para que nos apropriemos da bem-aventurança do perdão, temos paz. Temos paz com Deus e com todas as coisas.

Com base na consciência do perdão dos pecados, temos comunhão com Deus. Podemos, por vezes, fora do costume, ir a Deus sem a consciência do perdão dos pecados. Mas não há comunhão com Deus a menos que haja consciência do perdão dos pecados. Não há comunhão com Deus a menos que haja a abençoada consciência de que, sem medo, nós ficaremos firmes no julgamento.

Oh a bem-aventurança dessa fé, que Deus perdoa os nossos pecados e que nós ficaremos sem medo no juízo!

Um Solo Firme

Mas você diz: "Como é isto possível? Deus pode perdoar pecados? Ele pode contar o que não é? Ele pode deixar de imputar o que deve ser imputado? Ele pode tirar o nome do pecador do seu livro de juízo? Será que ele muda de ideia quando Ele perdoa pecados? "

Isso é impossível. Ele não pode deixar de imputar o que deve ser imputado. Ele não pode mudar Sua mente. Portanto, o texto tem o cuidado de acrescentar cujos pecados são cobertos. Esta é a razão do perdão.

Não entenda isto mal. O significado, não é que haja algo que cobre os nossos pecados ao ponto que Deus não os vê. Não é o caso de que eles realmente estão lá mas Deus não os vê porque eles estão encobertos. Coberto nem mesmo significa que os pecados de alguém estão escondidos sob Cristo, como se costuma dizer. O facto é que Deus olha através de Cristo.

Coberto refere-se, tanto quanto diz respeito à palavra em causa, para a cobertura da arca da aliança. Os nossos pecados são cobertos no sentido de que o seguro cobre os danos. Você não tem nada com que pagar os prejuízos, mas há algo a cobrir, para pagar, os danos. Há uma agência de seguros. É a agência de seguros do próprio Deus. A regra dessa agência é que você pode ser um membro dela apenas na condição de cobertura total.

Você espezinha a lei de Deus, e Deus não lhe imputa o pecado. Ele perdoa porque você é um membro de uma corporação. Esta corporação foi estabelecida na eternidade. O povo de Deus são os membros. A cobertura é o sangue de Cristo. É a cobertura do próprio Deus. Nós nos tornamos membros desta corporação, quando Deus nos incrusta nela por uma fé viva. Por isto, nós reconhecemos o dano. A cobertura é Cristo. A corporação é o corpo eleito. A política é a própria Palavra de Deus. Então nós exclamamos: "Oh, bem-aventurado o homem cujas maldades são perdoadas, cujos pecados são cobertos e a quem Deus não imputa o pecado!"

Nós somos justificados gratuitamente, pela graça, pela fé em Cristo Jesus nosso Senhor.

Fonte: Righteous by Faith Alone, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, capítulo 21
Via: CPRF


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Por John Piper

Deteriorando a Nova Aliança

Um dos ensinos falsos mais antigos que ressurge periodicamente, na história da igreja, é o ensino de que Deus não pode saber de antemão as escolhas responsáveis dos homens. A argumentação é esta: as escolhas são livres, e “livres” significa criadas pela própria pessoa, e “criadas pela própria pessoa” significa fora da capacidade de conhecimento, antes de as escolhas serem criadas. Nem mesmo Deus pode conhecer o “nada”. E “nada” é o que as escolhas são antes de serem criadas.

As pressuposições filosóficas nesta argumentação são: 1) liberdade significa capacidade de criar por si mesmo; 2) as escolhas humanas são livres neste sentido; 3) um Deus infinito não pode saber aquilo que ainda não foi criado, e assim por diante. Esse antigo ensino falso parece ser motivado pela filosofia. Não é prescrito pelas Escrituras. Um recente exponente desse antigo erro falou sobre as “mudanças doutrinárias que a lógica exigiu e, conforme creio, as Escrituras me permitiram fazer” (Clark Pinnock, The Grace of God, the Will of Man: A Case for Arminianism, Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1990, p. 18-19 – ênfase acrescentada). Você percebe a ordem: a lógica exige, e as Escrituras permitem. Algo está fora de ordem, quando a ordem é o rei exigente e as Escrituras fornecem o endosso.

Negar a presciência de Deus acerca das escolhas responsáveis dos homens jamais foi afirmado pela igreja como parte legítima da ortodoxia cristã histórica. Tanto calvinistas como arminianos têm afirmado, historicamente, a presciência exaustiva e específica de Deus. João Calvino escreveu: “[Deus] prevê os acontecimentos futuros somente devido ao fato de que Ele já decretou que eles aconteçam” (Institutes of the Christian Religion, III, 23, 6). Jocobus Arminius escreveu: “[Deus] sabia desde a eternidade que pessoa creria... e que pessoa perseveraria mediante a graça subseqüente” (Carl Bangs, Arminius, Nashville: Abingdon Press, 1971, p. 219, 352). Negar a presciência de Deus a respeito das escolhas humanas não tem sido uma parte da ortodoxia cristã.

Entre as muitas razões para evitar esse erro antigo está o fato de que ele tende a destruir os fundamentos da nova aliança. A nova aliança foi profetizada por Moisés, Jeremias e Ezequiel. Foi inaugurada e adquirida pela morte de Jesus (Lucas 22.20). E Paulo era um ministro da nova aliança (2 Coríntios 3.6).

A essência da nova aliança é que Deus trabalha para que o povo da aliança cumpra as suas condições de fé e obediência. Na antiga aliança da Lei, dada no monte Sinai, a graça foi oferecida (Êxodo 34.6-7) e a obediência que procede da fé foi exigida. Mas para a maioria das pessoas não foi dada a graça transformadora. “O senhor não vos deu coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje” (Deuteronômio 29.4).

Na nova aliança, a promessa é: “O senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração... para amares o senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas” (Deuteronômio 30.6). “Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne; para que andem nos meus estatutos, e guardem os meus juízos, e os executem... Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ezequiel 11.19-20; 36.27). “Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei” (Jeremias 31.33). “Porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim” (Jeremias 32.40).

Em outras palavras, a nova aliança é a base de nossa esperança de que — frágeis e instáveis como somos — perseveraremos na fé e seremos salvos. É a base de nossa segurança de que Deus nos guardará “de tropeços” e nos apresentará “com exultação, imaculados diante da sua glória” (Judas 24).

Considere, porém, em que se torna esta precisa esperança da nova aliança, se Deus não conhece de antemão as escolhas responsáveis dos homens. Toda a estrutura da nova aliança se desfaz. O seu fundamento se desintegra. A nova aliança é a promessa de que Deus trabalhará para garantir a santidade de seu povo. Isso significa que Ele produzirá escolhas santas em seu povo. Ele está agindo em nós para querermos e realizarmos a sua boa vontade. Deus está trabalhando para produzir em nós “o que é agradável diante dele” (Hebreus 13.21; Filipenses 2.13). Mas aquele antigo erro destrói esta esperança, por dizer que Deus não pode fazer isso, pois, se o fizesse, conheceria antecipadamente nossas escolhas, o que, conforme é afirmado, Ele não pode conhecer.

Portanto, visto que nossa salvação final depende do cumprimento das promessas da nova aliança, e visto que o sangue de Jesus obteve o cumpri mento dessas promessas, a deterioração da nova aliança é uma injúria à cruz de Cristo e um enfraquecimento da obra do Espírito em nossa vida. Que Deus nos proteja do ressurgimento desse velho erro e nos ajude a valorizar as pro messas fortalecedoras e preciosas da nova aliança.


quinta-feira, 18 de abril de 2013



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por Alderi Souza de Matos


Introdução

A difícil situação da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos – P.C. (USA). Declínio numérico acentuado: perda de 25% dos membros nos últimos trinta anos (de 4 milhões para pouco menos de 3 milhões). Polarização em torno de inúmeras questões éticas e sociais. Causas: falta de clara identidade teológica, ênfase ao pluralismo, mudança nas prioridades, especialmente no que diz respeito à missão da igreja na sociedade e no mundo.

A Igreja Presbiteriana do Brasil corre o mesmo perigo, ainda que em circunstâncias muito diversas. Muitos pastores e igrejas desconhecem a fé reformada, aquilo que nos caracteriza como uma denominação e nos distingue de outros grupos evangélicos. Situação atual: grande maioria conservadora, que pretende ser reformada, mas não conhece bem a sua herança; grupo progressista ou liberal minoritário, mas influente; minoria significativa simpatizante de crenças e práticas carismáticas.

Não se trata de nos retrairmos no isolacionismo e no exclusivismo, de acharmos que somos melhores que outros grupos evangélicos. Trata-se sim de conhecermos e afirmarmos os nossos valores, que enriquecem a família evangélica e chamam a atenção de outras igrejas para ênfases bíblicas e teológicas que julgamos importantes e necessárias para o nosso testemunho no mundo atual. Ao mesmo tempo, sem perder a nossa identidade, podemos ter comunhão com outros grupos e aprender dos nossos irmãos coisas úteis que tenham a nos ensinar.

Definição de termos: (a) Presbiterianos: igrejas que adotam a forma de governo presbiterial; (b) Calvinistas: partidários das formulações de Calvino, o maior teólogo dentre os reformadores (inclui presbiterianos, congregacionais, batistas e outros grupos); (c) Reformados: conceito mais amplo – os herdeiros dos movimentos liderados por Zuínglio, Calvino, John Knox e seus sucessores, que adotaram em questões de fé e governo uma posição intermediária entre luteranos e anglicanos, de um lado, e dos anabatistas e entusiastas, do outro. No seu sentido mais amplo, a tradição reformada inclui aspectos teológicos, éticos, filosóficos, sociais e políticos.

Vejamos algumas peculiaridades reformadas que cumpre-nos conhecer e ensinar aos nossos rebanhos:

1. História

Assim como a fé bíblica é profundamente histórica, porque fundamentada em atos redentores realizados no tempo e no espaço, a fé reformada valoriza extraordinariamente a história da igreja. O nosso senso da história nos lembra que a igreja cristã não começou com a reforma protestante do século dezesseis. Foi por isso que reformadores como Lutero e Calvino não quiseram romper com tudo o que dizia respeito à igreja antiga e medieval. Por exemplo, eles fizeram questão de reconhecer a validade dos antigos concílios ecumênicos da igreja (séculos quarto e quinto) e das extraordinárias formulações teológicas produzidas pelos mesmos – os credos, especialmente o niceno e o de Calcedônia. Os reformadores magisteriais, Calvino entre eles, também tinham grande apreço pelos antigos mestres cristãos, os pais da igreja, e os citaram abundantemente em seus escritos. É por isso que devemos recitar esses credos, utilizar as antigas liturgias, cantar hinos de séculos passados. Não é questão de tradicionalismo: tudo isto nos coloca em contato com a igreja do passado, da qual somos herdeiros e continuadores.

Por outro lado, os próprios reformados tem uma rica história que precisa ser conhecida, valorizada e transmitida às novas gerações. São fontes de inspiração e reflexão proveitosa, entre outros, os seguintes exemplos:

(a) A vida e obra de João Calvino: em nossos dias a visão de muitas pessoas sobre o grande reformador é tremendamente deturpada e parcial. Para muitos, inclusive presbiterianos, Calvino é visto como o autor da doutrina da predestinação, o tirano de Genebra, o responsável pela morte de Serveto e assim por diante. Ignoram a sua profunda experiência religiosa, sua riquíssima produção teológica, sua defesa apaixonada dos evangélicos europeus perseguidos por sua fé, seu gênio organizador, suas contribuições para o mundo moderno, seus esforços para que a igreja refletisse a preocupação de Deus com todas as áreas da vida, individual e comunitária. (Ver Fides Reformata II/2, “Amando a Deus e ao Próximo: João Calvino e o Diaconato em Genebra”).

(b) A marcha do movimento reformado: a maioria dos presbiterianos precisa conhecer como a fé reformada difundiu-se a partir de Genebra e outros centros para influenciar poderosamente a vida de nações inteiras como a Suíça, a Escócia, a Holanda e os Estados Unidos (além da França, Alemanha, Hungria, Boêmia e Polônia). Poucos conhecem a trajetória sacrificial e inspiradora dos reformados franceses, os huguenotes, que por vários séculos sofreram provações tremendas por causa da sua fé. A propósito, este ano está sendo comemorado o 4º centenário do Edito de Nantes, que concedeu aos huguenotes certa tolerância religiosa, e cuja revogação posterior produziu a famosa “igreja no deserto.” Também merece destaque especial o papel da fé reformada na história da nação holandesa, em sua luta pela independência contra a tirania espanhola, em sua ênfase na liberdade religiosa, em sua atuação no Brasil colonial.

(c) Líderes reformados: poucos conhecem a participação dos reformados na história dos Estados Unidos ou que o grande líder presbiteriano John Witherspoon (1723-1794) foi o único pastor a assinar a declaração de independência daquele país. Poucos conhecem a história do calvinista Jonathan Edwards (1703-1758), o mais notável teólogo e filósofo da história dos Estados Unidos, e a do seu contemporâneo George Whitefield (1714-1770), o maior evangelista do seu tempo e o principal pregador do célebre Primeiro Grande Despertamento. Mais recentemente, a Holanda teve um grande líder calvinista na pessoa de Abraão Kuyper (1837-1920), fundador da Universidade Livre de Amsterdã e primeiro-ministro daquele país (1901-1905).

(d) Outros destaques: as missões presbiterianas ao redor do mundo; as igrejas reformadas florescentes de países como a Coréia e Formosa; a atuação corajosa das comunidades reformadas do leste europeu, especialmente na Hungria e na Romênia, e sua participação na luta contra o regime comunista. Destaque-se ainda a participação direta dos reformados nos grandes reavivamentos dos séculos dezoito e dezenove, dos dois lados do Atlântico.

Não se trata de glorificar o movimento reformado, de cair no triunfalismo fácil que criticamos em outros grupos. Sabemos que também existem páginas tristes na nossa história. Todavia, sem esquecer dos elementos negativos que nos servem de solenes advertências, devemos também conhecer os personagens e eventos que contribuíram para a glória de Deus em nosso movimento.

2. Teologia

Os reformados entendem ser herdeiros de uma teologia que passa por Paulo, Agostinho, Lutero, Calvino e Westminster, entre outros. A teologia reformada é em primeiro lugar a teologia da reforma, sintetizada nos cinco princípios cardeais defendidos pelos reformadores magisteriais:

Sola Scriptura
Solo Christo
Sola gratia
Sola fide
- Sacerdócio universal dos fiéis

A ênfase central da fé reformada está na teologia propriamente dita, a doutrina de Deus, acentuando a plena soberania de Deus em todas as coisas – na criação, na providência e acima de tudo na redenção. B.B. Warfield e C. Van Til referem-se a isso como uma atitude religiosa específica que se expressa numa profunda apreensão de Deus em sua majestade. Essa ênfase pode ser vista de maneira admirável nos escritos de Jonathan Edwards (ver meu artigo em Fides Reformata III/1). O tema central da sua teologia é a celebração da majestade, graça e glória de Deus.

Alguns textos bíblicos:

Jó 42.2: “Bem sei que tudo podes e nenhum dos teus planos pode ser frustrado.”

Sl 90.2: “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade tu és Deus.”

Is 46.9-10: “Eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antigüidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade.”

Rm 11.36: “Porque dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.”

Dessa convicção primordial, decorre todo o arcabouço da teologia reformada, a começar da sua antropologia. Diante de um Deus tão grandioso e santo, o ser humano só pode ter uma profunda consciência da sua própria pecaminosidade e total dependência em relação ao Deus triúno e soberano. Daí também decorre a soteriologia, expressa pelo Sínodo de Dort nos chamados “cinco pontos do calvinismo”:

- depravação total
- eleição incondicional
- expiação limitada
- graça irresistível (vocação eficaz)
- perseverança dos santos

Ainda que haja muita controvérsia a respeito desses pontos, até mesmo entre os calvinistas, todoreformado consciente não pode deixar de afirmar a plena dependência do pecador, morto em sua desobediência e alienação. Isto é, sua plena dependência da iniciativa e da atuação soberana de Deus no que diz respeito à salvação. A salvação do pecador é, do início ao fim, uma obra de Deus, através do Espírito Santo (monergismo). Portanto, qualquer teologia ou prática que relativiza ou limita a soberania de Deus, dando ênfase maior ou menor à iniciativa humana na salvação, afasta-se das convicções reformadas. Qualquer prática evangelística, litúrgica ou pastoral que dá ênfase ao indivíduo, sua capacidade de escolha, suas preferências e seus interesses, em detrimento da soberania, glória e majestade de Deus, conflita com essa ênfase central das Escrituras e da fé reformada.

Alguns textos:

Jo 6.37-39: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu desci do céu não para fazer a minha própria vontade, e, sim, a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum se perca de todos os que me deu.”

Jo 17.9: “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus.”

Atos 13.48: “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna.”

Ef 1.4-5: [Deus] nos escolheu [em Cristo] antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito da sua vontade.”

Ef 2.8-9: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.”

2 Ts 2.13: “Entretanto, devemos dar sempre graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade.”

- 2 Tm 1.9: “[Deus] nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça, que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos.”

2 Tm 2.19: “Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: o Senhor conhece aqueles que lhe pertencem.”

Na eclesiologia, o calvinismo insiste nas marcas da verdadeira igreja de Cristo como sendo a fiel pregação da Palavra e a correta ministração dos sacramentos. Na controvertida área da pneumatologia, Calvino lutou em duas frentes: contra a teologia católica romana, que na prática tornava a atuação do Espírito dependente do sacerdócio e dos sacramentos, e contra os entusiastas, que relativizavam as Escrituras e a autoridade da igreja ao apelarem para supostas revelações diretas e especiais de Deus. Calvino propôs princípios sobre a relação entre o Espírito e a Palavra que são extremamente salutares e relevantes para os nossos dias: (a) o Espírito se reconhece pela Palavra; (b) o Espírito fala somente pela Palavra; (c) a Palavra é tornada eficaz pelo Espírito.

Jo 16.13-14: “... quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar.”

2 Pe 1.20: “... nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.”

Para estes e outros temas recomenda-se a leitura de bons autores reformados, a começar do próprio Calvino (Institutas, comentários); os grandes documentos confessionais do calvinismo; os puritanos, Jonathan Edwards; autores modernos como Lloyd-Jones, Michael Horton, R.C. Sproul; e periódicos como Fides Reformata.

3. Hermenêutica

Grande parte dos problemas doutrinários enfrentados pelas igrejas evangélicas atuais decorre da sua interpretação bíblica falha: hermenêutica alegórica, intuitiva, experiencial (a Bíblia como um depositário de experiências a serem imitadas).

Pressuposto principal da hermenêutica reformada: sola Scriptura (e tota Scriptura). Abordagem hermenêutica: as Escrituras como livro divino e humano. Quanto ao aspecto divino, colocam-se princípios como inspiração, clareza e necessidade de iluminação do Espírito. Quanto ao aspecto humano, os reformados valorizam o estudo sério das Escrituras em suas línguas originais, levando em conta o contexto histórico-cultural em que foram produzidas e, de modo especial, a intenção do autor humano como o único sentido verdadeiro do texto. O método mais equilibrado e saudável de interpretação bíblica é o histórico-gramatical, como corretivo contra as hermenêuticas subjetivas e tendenciosas tão comuns em nossos dias, à esquerda e à direita.

Por causa desse duplo caráter das Escrituras, a sua interpretação exige oração e estudo. Paulo Anglada: “Orare et labutare foram palavras empregadas por Calvino para resumir a sua concepção hermenêutica. Com estes termos ele expressou a necessidade de súplica pela ação iluminadora do Espírito Santo e do estudo diligente do texto e do contexto histórico, como requisitos indispensáveis à interpretação das Escrituras. Com o mesmo propósito, Lutero empregou uma figura: um barco com dois remos, o remo da oração e o remo do estudo. Com um só destes remos, navega-se em círculo, perde-se o rumo, e corre-se o risco de não chegar a lugar algum” (“Orare et Labutare: A Hermenêutica Reformada das Escrituras”, Fides Reformata II:1).

Augustus N. Lopes: “Em nossos dias, os evangélicos todos afirmam amar as Escrituras e crer nelas como inspiradas por Deus. Mas a pergunta é se amam a verdade, e se desejam conhecê-la e submeter-se a ela. Neste época pluralista, não são muitos os que buscam a verdade a qualquer preço. Os reformados interpretavam as Escrituras para encontrar a verdade de Deus nelas, e reformar a Igreja e suas vidas – hoje os evangélicos parecem estar mais preocupados com os sentimentos correto do que com a verdade” (palestra: “Teologia Reformada, Reformada para os Dias de Hoje”).

4. Culto

Os reformados deram ênfase ao chamado princípio regulador – o culto cristão deve se reger pelo que é clara e explicitamente revelado no Novo Testamento. Em contraste, luteranos e anglicanos entendiam que o que não é proibido, é permitido. Daí o culto reformado caracterizar-se por maior austeridade e simplicidade que as liturgias dessas outras confissões protestantes.

Os princípios básicos que regem o culto reformado são, entre outros: precedente bíblico, simplicidade formal, música congregacional com conteúdo doutrinário e a centralidade da pregação. Quanto à música, nunca é demais acentuar que a teologia de uma igreja é influenciada pela música que ela canta. Pastores podem pregar sermões doutrinariamente corretos, mas se a sua igreja cantar hinos e cânticos heterodoxos, esses últimos influenciarão mais que as palavras do pastor.

A prática crescente de substituir os antigos hinos utilizados por gerações de crentes por cânticos com ritmos mais contemporâneos corre dois sérios riscos: primeiro, a perda do sentido da história que já mencionamos, a ruptura da nossa ligação com a igreja do passado; em segundo lugar, há o fato de que muitos desses cânticos, além de sua pobreza melódica, poética e gramatical, padecem de sérias distorções teológicas (“coroamos a ti ó Rei Jesus”) ou são simplórios e repetitivos, trazendo muito pouca instrução para o povo de Deus, ao contrário dos hinos tradicionais da igreja, com todo o seu rico conteúdo bíblico e doutrinário.

5. Pregação

Outra ênfase primordial da fé reformada e do culto reformado é a centralidade da pregação. Sem minimizar os outros aspectos do culto, a pregação é o grande meio escolhido por Deus para proclamar o evangelho aos perdidos e nutrir na fé os filhos e filhas de Deus. Como disse o apóstolo dos gentios: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão se não há quem pregue? E como pregarão se não forem enviados?... E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação pela palavra de Cristo” (Rm 10.14-15,17).

A pregação reformada é essencialmente expositiva e doutrinária, visando ensinar a Palavra de Deus de maneira profunda e sistemática. Mas deve ser também uma pregação experimental e prática, estando ligada à experiência do pregador e contendo instruções para a vida diária dos ouvintes. É, portanto, ao mesmo tempo um exercício intelectual e espiritual. Requer preparo, estudo sério, e também oração, comunhão com Deus. Isso lembra outra ênfase reformada histórica, que é o sólido treinamento dos ministros da Palavra, através de uma educação teológica consistente.

Nos dias atuais, a pregação tem perdido, nos cultos de muitas igrejas, o prestígio de que antes gozava. Tem sido substituída por filmes, cantatas, dramatizações, testemunhos, programas musicais e muitas outras coisas que visam atrair multidões para as igrejas. Pode-se compreender o que gerou essa reação contra a pregação: sermões carentes de unção, conteúdo bíblico e aplicação prática; estilo e linguagem divorciados da vida diária das pessoas; sermões repletos de experiências pessoais, referências a livros que o pregador leu, piadas, ilustrações sem fim, mas pouca exposição bíblica.

Mais especificamente, nota-se uma grande despreocupação dos púlpitos com as doutrinas fundamentais da Reforma. Os presbiterianos raramente ouvem sermões sobre a soberania de Deus, a pecaminosidade humana, a eleição, a graça eficaz, a escravidão do arbítrio humano, a aliança e outros temas reformados. Tudo isso aponta para a necessidade de uma renovada ênfase na pregação com vistas à revitalização da igreja, ao genuíno aprofundamento da vida espiritual pelo qual todos ansiamos. É interessante notar que a igreja de Jonathan Edwards foi alcançada por um poderoso avivamento enquanto ele pregava uma série de sermões sobre a justificação pela fé.

6. Ética

Uma outra ênfase reformada tremendamente crucial para os nossos dias está no campo da ética cristã. Esse é um dos maiores calcanhares de Aquiles da igreja evangélica brasileira, numa época em que multiplicam-se os casos de comportamentos questionáveis por parte de muitos líderes e membros de igrejas. Problemas nas áreas do sexo, dinheiro e poder como sempre são os mais comuns. Além disso, a maioria das comunidades revela grande insensibilidade em relação aos problemas sociais enfrentados pelo país.

A doutrina reformada resulta inevitavelmente em uma ética individual e social de contornos bem definidos. Porque Jesus Cristo é o Senhor, todas as áreas da vida devem refletir o seu senhorio e a sua vontade. Em conexão com a sua ética, os reformados também têm uma visão missionária própria, que visa não somente anunciar as boas novas, mas fazer discípulos e reformar a sociedade, como aconteceu em Genebra e entre os puritanos.

Um ponto interessante nesse aspecto é a diferença de abordagem entre Lutero e Calvino em relação à lei. Enquanto que o reformador alemão tinha uma atitude um tanto negativa, vendo a lei apenas como algo que ressalta a pecaminosidade do ser humano e o impele em direção a Cristo, Calvino também reservava à lei um papel importante na vida dos redimidos, pois pela obediência à mesma o crente expressa a sua gratidão e consagração a Deus. Daí a centralidade da ética no pensamento reformado, como se vê, por exemplo, no Catecismo de Heidelberg, onde o ensino acerca dos Dez Mandamentos vem após a exposição do Credo Apostólico.

Nessas questões, Jonathan Edwards mais uma vez nos fornece uma grande contribuição, ao traçar a profunda ligação que existe entre ética e espiritualidade. Edwards não esconde a sua apreciação por uma espiritualidade fervorosa e intensa. Como Lloyd-Jones destaca, ele é o teólogo do avivamento, da experiência, do coração. Mas isso não significa que a experiência seja o critério da verdade. Significa apenas que o cristianismo tem de ser experimental e prático, não apenas racional e cognitivo. A norma suprema de fé e o critério pelo qual se deve aquilatar toda e qualquer experiência religiosa é sempre a Escritura. Seu critério básico para definir a questão é o mesmo que deve ser observado pela igreja contemporânea: verificar até que ponto Deus ocupa o lugar central da vida, do culto, das práticas e do testemunho. Além de advertir contra o mero emocionalismo, que excita as emoções, mas não produz transformações duradouras, Edwards também combate o erro de se dar ênfase não a Deus, mas às respostas humanas a Deus, algo tão comum nos nossos dias com toda a celebração do eu, a empolgação religiosa e os testemunhos auto-congratulatórios. Em última análise, o que determina se a conversão e a vida espiritual são genuínas ou não, são os seus frutos visíveis: convicção de pecado, seriedade nas coisas espirituais, preocupação com a glória de Deus, apego às Escrituras, mudança no comportamento ético, relações pessoais transformadas e influência regeneradora na comunidade (Fides Reformata III/1, 86).

Desvios da fé reformada encontrados em muitas de nossas igrejas:

1. Arminianismo (semi-pelagianismo): a eleição é com base na presciência de Deus; a obra do Espírito Santo pode ser resistida; o crente pode cair da graça. Linha histórica: Pelágio, Trento, Armínio, Wesley, Finney. As pregações evangelísticas de cunho arminiano põem toda a ênfase no ser humano, a importância da sua decisão, a eleição divina ficando totalmente em segundo plano. Daí os apelos insistentes, carregados de emocionalismo, como se tudo dependesse da pessoa, e não de Deus.

2. Pragmatismo: ênfase no que funciona, no que produz resultados, independente de considerações teológicas. Um bom exemplo disso é o movimento do crescimento da igreja. A preocupação em atrair as pessoas afeta todas as áreas, a começar do culto, que tem de ser agradável e atraente, para que as pessoas se sintam bem. A teologia reformada insiste em que o culto deve ser agradável a Deus, não necessariamente às pessoas. Muitas vezes é até preciso falar de coisas desagradáveis que as Escrituras ensinam e que as pessoas precisam ouvir.

3. Carismatismo: preocupação com manifestações e dons espetaculares, em detrimento de outros dons igualmente importantes para a saúde do corpo de Cristo. Pouca ênfase ao fruto do Espírito, justamente o conteúdo prático e ético da vida cristã. Tendência a assimilar sem avaliação crítica os modismos neo-pentecostais, tais como a teologia da prosperidade, batalha espiritual, confissão positiva, assim como uma linguagem inteiramente estranha às Escrituras e à nossa teologia: “eu repreendo isso ou aquilo”, “está amarrado em nome de Jesus”, “tal e tal bênção é direito nosso” (como se Deus fosse nosso servo e tivesse de obedecer as nossas ordens).

Conclusão

A maioria dos presbiterianos deseja uma espiritualidade mais profunda, um evangelismo mais incisivo, um culto mais vibrante. Podemos obter tudo isso sem abrirmos mão das nossas convicções reformadas, pois esses elementos estão implícitos nelas. Nestes dias conturbados, em que a nossa cultura assume formas cada vez mais distanciadas dos valores do reino de Deus, necessitamos pedir ao Senhor sabedoria e discernimento para dar testemunho da sua verdade com firmeza e convicção, não nos conformando com o presente século, mas transformando-nos pela renovação das nossas mentes.

Fonte: Mackenzie
Via: Teologia & Apologética
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