Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

domingo, 7 de junho de 2015

.

Por Mário Magalhães



(Análise exegética de 1 João 2.2 e 1 Timóteo 2.4)

As controvérsias teológicas são importantes porque elas nos fazem ver os lados obscuros que determinado teólogo não demonstrou. Seja por falta de conhecimento, que, nesse caso, seriam de Hermenêutica e Exegese, seja por desonestidade intelectual vindo de uma defesa apaixonada por determinado assunto, seja por não querer se aprofundar no outro lado da questão.

O texto da revista Obreiro Aprovado, ano 36, nº 68 de autoria do Pr. Silas Daniel trouxe uma resposta do renomado teólogo batista Franklin Ferreira demonstrando as falhas históricas, teológicas e exegéticas desse autor (veja aqui).

Como resposta ao teólogo Franklin Ferreira, um teólogo arminiano chamado Zwinglio Rodrigues, cujo blog dedica-se a escrever e defender essa doutrina, tenta refutá-lo com o tema “Comentários e respostas à crítica de Franklin Ferreira ao artigo ‘Em Defesa do Arminianismo”.

A resposta do teólogo no blog me causou admiração por vários motivos. Primeiro, pela frase de Tomás de Aquino no blog ao lado: “Para mim, tudo que escrevi parece palha”. Na verdade, essa frase me livrou de dar algum parecer sobre o seu texto, senão, de apenas concordar com essa frase no seu blog.

Depois, admirei-me também pela falta de referências, sendo que estava trazendo uma refutação histórica, teológica e exegética a uma refutação de um teólogo. O que impressiona mais ainda é que o autor se justifica por afirmar que o seu texto era apenas informal. No entanto, não se trata de formalidade ou informalidade, mas de credibilidade das citações, mesmo que sejam informais. O próprio Franklin Ferreira, apesar de ter postado em seu Facebook, não deixou de colocar referências, mesmo de uma maneira informal. Demonstra-se, com isso, que o autor tem uma debilidade muito grande em perceber esse aspecto.

O outro motivo que me impressionou foi o simplismo e a superficialidade dos argumentos exegéticos desse autor (com todo respeito). O autor critica a frase de Franklim Ferreira que afirmou: “exegese, exegese e mais exegese” e, pareceu-me, que o autor, com isso, quis mostrar que ele, sim, a partir daquele texto, faria uma exegese. Ele escreve:

Ferreira crítica Daniel por apresentar textos-prova para suas afirmações e não oferecer nenhuma discussão lexical e/ou exegética. Não vou entrar no mérito da reprimenda. Mas, entendendo (acredito que Daniel também) a importância de uma abordagem exegética dos textos bíblicos, conforme destaca Ferreira. Por isso, desejo apresentar aqui duas referências bíblicas pinçadas do artigo de Daniel que atestam a doutrina da expiação ilimitada, uma doutrina cara ao arminianismo clássico. 
Tais escrituras não serão dadas apenas como textos dos quais se presume a expiação ilimitada, mas sofrerão uma análise exegética e lexical.

O autor citou dois textos-chave para a doutrina arminiana que nega a expiação limitada. Com isso, ele deu a entender que a partir daquele momento iria fazer uma exegese começando por 1 Timóteo 2.4. Porém, parece que o autor não sabe o que é exegese, pois, para a sua exegese de 1 Timóteo 2.4, ele simplesmente cita a opinião de Charles Spurgeon. Isso mesmo: apenas a opinião de Spurgeon. Se ele trouxesse a exegese de Spurgeon, seria mais compreensivo. No entanto, o autor traz apenas a sua opinião.

Esse tipo de argumento faz parte de uma falácia chamada “falácia da autoridade”. Essa falácia demonstra que o argumento está apenas baseado na opinião de uma autoridade e nenhum argumento lógico é desenvolvido para demonstrar o contrário.

A base exegética de Spurgeon do texto é apenas superficial da expressão “todos os homens” sem nenhuma exegese do texto em questão e o autor Zwinglio apenas o reproduz sem desenvolver absolutamente nada e sem dar nenhuma referência.

No entanto, o problema da falácia da autoridade é que, se o autor se baseia apenas na autoridade da pessoa que usou como base, ele também deve aceitar outras afirmações do mesmo autor, já que ele o tem como base de argumento, inclusive da mesma área que é a Soteriologia. Então, vamos ver o que Charles Spurgeon pregou e escreveu sobre o assunto. Afinal de contas, se Spurgeon está certo na sua interpretação de 1Tm 2.4, por que não estaria nas demais, já que não houve argumento por parte do autor? Vejamos o que Spurgeon pregava e escrevia, pois esses textos vêm de suas pregações.

1. Sobre o livre-arbítrio:

Já foi provado além de toda controvérsia que o livre-arbítrio é uma tolice. A liberdade não pode pertencer ao arbítrio como a ponderação não pode pertencer à eletricidade. Podemos crer em um agente livre, porém, o livre-arbítrio é simplesmente ridículo. É bem conhecido de todos que a vontade é dirigida pelo entendimento, movida por motivos, conduzida por outros componentes da alma e considerada como algo secundário. 
Tanto a filosofia como a religião descartam de uma vez a ideia de livre-arbítrio: e eu vou tão longe quanto Martinho Lutero, em sua forte afirmação, onde ele diz: “se algum homem, de alguma maneira, atribuir a salvação ao livre-arbítrio do homem – mesmo a ínfima parte – nada sabe sobre a graça e não conheceu Jesus Cristo corretamente” (SPURGEON, 1994, p. 1-2).

2. Sobre a Eleição e predestinação:

Spurgeon cita e concorda com a antiga confissão Batista:

Abro agora este antigo livro, e encontro o seguinte terceiro artigo:
“Por decreto de Deus, tendo em vista a manifestação de sua glória, alguns homens e anjos foram predestinados ou ordenados de antemão para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, para o louvor de sua gloriosa graça; e, quanto aos demais, foi-lhes permitido continuarem em seus pecados, tendo em vista a sua justa condenação, para o louvor da gloriosa justiça divina. Esses anjos e homens, assim predestinados ordenados com antecedência, foram particular e imutavelmente designados, e o seu número foi determinado de maneira tão certa e definida com esse total não pode ser nem aumentado e nem diminuído. No caso daqueles membros da humanidade que foram predestinados para a vida, Deus, antes de serem lançados os fundamentos do mundo e conformidade com o seu eterno e imutável propósito, bem como de acordo com o secreto conselho e beneplácito de sua vontade, escolheu em Cristo, para a glória eterna e com base em sua pura graça gratuita e em seu amor, sem que houvesse qualquer outra consideração na criatura como condição ou causa que OU tivesse impelido a isso, aqueles a quem assim o quis”. 
Não obstante, no que concerne a esses testemunhos humanos autoritativos, não me importa sequer com eles. Não me interessa o que esses testemunhos afirmam em favor ou contra a doutrina da eleição. Tão somente lancei mão deles como uma espécie de confirmação para a vossa fé, afim de mostrar a vocês que, embora eu possa ser acusado de um herege ou de um hipercalvinista, em última análise, o testemunho mesmo da antiguidade está me prestando o seu apoio (SPURGEON, 1994, P. 8-9).

3. Sobre a perseverança dos santos


Demais disso, quero que vocês se lembrem que hoje somos vistos por Deus da mesma maneira como sempre éramos vistos. Ele já nos viu desde o princípio, sujeitos ao pecados, caídos e depravados, e mesmo assim prometeu fazer-nos o bem. 
Ele me viu arruinado pela queda, no entanto, me amou, apesar de tudo. 
E se hoje sou pecaminoso, se hoje preciso gemer por causa da minha natureza maligna, simplesmente estou onde eu estava quando ele me escolheu, e me chamou, e me redimiu pelo sangue de seu Filho. “porque Cristo, quando ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios” (Rm 5.6). Éramos objetos não-merecedores da sua misericórdia a qual ele nos outorgou somente pelo motivo que estava dentro de sua própria natureza; e se continuarmos não merecendo, segue se que sua graça continua sendo a mesma. Se for assim, que ele ainda lida conosco através da graça, fica evidente que ainda nos vê como não-merecedores. E porque ele não iria fazer o bem a nós conforme fez de início? Certamente, se a fonte é a mesma, a corrente continuará fluir. (SPURGEON, 1994, p. 12-13)

Esses textos de Spurgeon expostos são para demonstrar, apenas, que ele é uma das pessoas que um Arminiano jamais deveria fazer referência para defender o Arminianismo, e muito menos usando a falácia da autoridade baseado nele.


No entanto, a última palavra nunca será do homem, mas será sempre da Escritura. Da mesma forma que, antes de Spurgeon, Calvino já defendia nas suas Institutas que o “todos os homens” de 1Tm 2.4 se referia a grupos de homens como no contexto do verso primeiro (Institutas, Livro III, p. 442). Portanto, precisamos analisar as Escrituras dando motivos exegéticos e lógicos por que eles estariam certos e não somente devemos nos basear em seus argumentos.

Interpretação de 1Timóteo 2.4

1 Timóteo 2:4 o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade.

ος παντας ανθρωπους θελει σωθηναι και εις επιγνωσιν αληθειας ελθειν

Calvino usa uma lógica exegética perfeita, pois a expressão παντας ανθρωπους traduzida para “todos os homens” deve ser interpretada dentro do mesmo contexto que o verso primeiro:

1 Timóteo 2:1-2 Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito.

παρακαλω ουν πρωτον παντων ποιεισθαι δεησεις προσευχας εντευξεις ευχαριστιας υπερ παντων ανθρωπων

Paulo exorta que façam súplicas e orações por todos os homens (υπερ παντων ανθρωπων). Com certeza, esse “todos os homens” não se refere cada homem da face da terra, pois seria uma ordenança impossível. O sentido é que a Igreja ore também pelos reis e aqueles que estão investidos de autoridade (v.2). O que Paulo está ordenando é que a igreja se dedicasse a orar pelos imperadores e reis que eram ímpios, inclusive sendo a causa da prisão de Paulo, cuja prisão veio pela ordem destes governantes.

O que Paulo afirma no verso quatro é a conclusão que vinha defendendo nos versos anteriores que Deus quer que todos os homens sejam salvos, ou seja, todas as classes, incluindo reis, imperadores, escravos, homens mulheres, crianças, pois os judeus faziam acepção de pessoas influenciando a igreja no primeiro século.

Gálatas 3:28-29 Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa.

1 Pedro 1:17 Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação,

Portanto, Calvino está com razão em fazer a sua exegese diante da análise acima demonstrada.

Com respeito ao segundo texto, o autor seguiu alguns passos exegéticos e, por isso, eu me dedicarei mais a esse texto. Primeiro, porque ele é um texto de difícil interpretação que exigirá um conhecimento mais exegético. Depois, pretendo demonstrar que a análise do autor Zwinglio do texto de 1Jo 2.2 está cheia de dificuldades exegéticas.

Análise da palavra ὅλου

A palavra ὅλος quer dizer “inteiro, completo, todo”. O autor está correto em citar os eruditos que traduzem essa palavra. No entanto, essa palavra, assim como os pronomes indefinidos “todo, tudo”, deve ser interpretada segundo o seu contexto, pois, caso contrário, pode-se ter uma grande distorção.

Por exemplo:

Atos 10:22 Então, disseram: O centurião Cornélio, homem reto e temente a Deus e tendo bom testemunho de toda a nação judaica, foi instruído por um santo anjo para chamar-te a sua casa e ouvir as tuas palavras.

οι δε ειπον κορνηλιος εκατονταρχης ανηρ δικαιος και φοβουμενος τον θεον μαρτυρουμενος τε υπο ολου του εθνους των ιουδαιων εχρηματισθη υπο αγγελου αγιου μεταπεμψασθαι σε εις τον οικον αυτου και ακουσαι ρηματα παρα σου

Lucas usa o mesmo adjetivo ὅλου que a RA traduziu como “toda a nação judaica” - υπο ὅλου του εθνους των ιουδαιων εχρηματισθη

Ninguém, em uma sã consciência, iria entender que Lucas estivesse afirmando que toda a nação de Israel, incluindo cada pessoa que habitava na região de Israel e em todos os tempos, conheciam Cornélio. Isso seria um absurdo! No entanto, o texto deixa claro que ele era conhecido por toda ὅλου a nação de judeus. Pelo contexto, deve-se entender que Cornélio era conhecido pelos judeus da sua região, pois o próprio Pedro seria excluído desse adjetivo porque ele não o conhecia.

Depois, o autor Zwinglio usa o texto de 1Jo 5.19 para defender que a interpretação de “mundo inteiro” significa cada pessoa do mundo e não somente os eleitos.

1 João 5:19 Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno.

οιδαμεν οτι εκ του θεου εσμεν και ο κοσμος ολος εν τω πονηρω κειται

O autor usou um princípio hermenêutico correto, pois ele buscou a análise da palavra no mesmo livro, citando a base disso o Rev. Augustus Nicodemus que é uma autoridade em Hermenêutica.

No entanto, dificilmente o Dr. Augustus Nicodemus concordaria com a sua análise no verso em si. O autor acertou no princípio de interpretação, mas errou em outros no próprio verso.

Primeiro, o autor acertou em demonstrar que a expressão ο κοσμος ὅλος se refere a pessoas e não ao sistema maligno. Pode-se perceber isso pelo contexto do verso 18 que está falando de pessoas, daqueles que não vivem pecando e que guardam a si mesmo, e o Maligno não lhe toca. Portanto, está correta a interpretação que se refere a pessoas.

No entanto, se o autor interpretar a expressão ο κοσμος ολος como incluindo todas as pessoas sem exceção, o autor tem que admitir que ele mesmo jaz no maligno, ou seja, ele está nas mãos do maligno, pois segundo a sua interpretação, a expressão precisa ter o mesmo significado que 1Jo 2.2. Caso contrário, a sua citação e argumentação não tem sentido.

Precisamos notar que autor não usou o princípio Hermenêutico que ele mesmo defende para a sua análise de 1Jo 5.19, pois fica claro que a expressão ο κοσμος ολος se refere somente aos incrédulos, pois João, no verso 18, afirma que o Maligno não os toca e ele começa o verso 19 afirmando “sabemos que somos de Deus” (οιδαμεν οτι εκ του θεου εσμεν). Essa expressão tem a preposição εκ que significa “sair” demonstrando que se refere àqueles que nasceram de Deus, porém, o mundo, ou seja, os incrédulos estão nas mãos do Maligno.

Portanto, a análise do autor de que a expressão ολου του κοσμου significa todas as pessoas sem exceção é completamente deficiente e digna de total rejeição pelos motivos hermenêuticos e exegéticos apresentados acima.

Mas afinal de contas, o que João queria falar no verso e o que significa a expressão ολου του κοσμου?

A Interpretação de 1 João 2.2

1 João 2:2 e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro.

και αυτος ιλασμος εστιν περι των αμαρτιων ημων ου περι των ημετερων δε μονον αλλα και περι ολου του κοσμου

Primeiro, precisamos analisar o que significa a palavra grega ἱλασμος traduzida para “propiciação”. No VT, na tradução da LXX, essa palavra referia-se ao perdão usando um sacrifício de um animal no lugar do pecador. No entanto, era somente para Israel e não para todas as nações.

Levitico 25:2 Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Quando entrardes na terra, que vos dou, então, a terra guardará um sábado ao SENHOR.

Levitico 25:9 Então, no mês sétimo, aos dez do mês, farás passar a trombeta vibrante; no Dia da Expiação, fareis passar a trombeta por toda a vossa terra.

Com respeito à palavra derivada, ἱλαστηριον, traduzida para “propiciatório”, o lugar onde era feito a propiciação, é usada como a tampa da arca onde ficavam os querubins entre os quais o Senhor falava com Moisés, referindo-se também para Cristo, demonstrava-se que era somente para os Filhos de Israel e não para todas as pessoas.

Êxodo 25:22 Ali, virei a ti e, de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins que estão sobre a arca do Testemunho, falarei contigo acerca de tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel.

O apóstolo aos Hebreus desenvolve de uma forma mais clara quando escreve aplicando somente à Igreja:

Hebreus 9:5-6 e sobre ela, os querubins de glória, que, com a sua sombra, cobriam o propiciatório (ἱλαστηριον). Dessas coisas, todavia, não falaremos, agora, pormenorizadamente. Ora, depois de tudo isto assim preparado, continuamente entram no primeiro tabernáculo os sacerdotes, para realizar os serviços sagrados;

Hebreus 9:14-15 muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados.

O apóstolo deixa bem claro que a promessa da remissão no contexto da propiciação e da expiação em Cristo Jesus que é o “Mediador da Nova Aliança” διαθηκης καινης μεσιτης e o propiciatório e propiciação (Rm 3.25) é somente para “aqueles que têm sido chamados” οι κεκλημενοι της αιωνιου κληρονομιας.

O apóstolo usa o verbo grego καλεω / “chamar” no particípio perfeito passivo para demonstrar mais ainda a força do seu argumento da escolha soberana de Deus.

O contexto da Epístola

Antes de analisarmos o contexto imediato do texto falado, é necessário saber o contexto histórico no qual a epístola foi escrita para entendermos porque João fez algumas exortações, inclusive o verso 2 do capítulo 2.

João estava escrevendo a sua epístola defendendo contra os falsos mestres gnósticos que afirmavam que a salvação vinha de um conhecimento oculto que era revelado somente aos poucos iniciados. Eles negavam a encarnação de Cristo, pois diziam que a matéria era má e a carne era pecaminosa. Por causa disso, os mestres com influência gnóstica que entraram na igreja pregavam que a salvação era somente aos poucos iniciados na igreja e não a todos os grupos em todos os lugares, sendo somente a um grupo fechado.

John Stott, em seu comentário sobre a primeira epístola de João quando fala sobre o gnosticismo escreve:

Uma terceira característica dos gnósticos, Cerinto sem dúvida incluído, parece que era a sua falta de amor. Pretendendo constituir uma aristocracia espiritual dos iluminados que, só eles tinham vindo a conhecer “as profundezas”. Desprezavam a carreira comum dos cristãos. João golpeia essa perigosa maneira de ver afirmando que não existem duas categorias de cristãos, os iluminados e os não, pois Deus é luz continuadamente se revelando a todos [os cristãos] (ênfase minha). (STOTT, 1985, P. 43)

Simon Kistemaker, em seu comentário de primeira João, também demonstra essa perspectiva histórica quando fala do gnosticismo. Ele escreve:

Em primeiro lugar, os gnósticos exaltavam a aquisição de conhecimento, pois, a seu ver, o conhecimento era o fim de todas as coisas. Por causa de seu conhecimento, tinham uma compreensão diferente das Escrituras, e, por causa dessa compreensão, separavam-se dos cristãos que não haviam sido iniciados. (KISTEMAKER, 2006, p. 285)

Nesse contexto é que entendemos a advertência de João que não seria somente aos cristãos da igreja, mas a todos os demais que Deus chamasse como o autor aos Hebreus escreveu (Hb 9.15).

Contexto Imediato (1Jo 2.1-2)

1 João 2:1-2 Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro.

τεκνια μου ταυτα γραφω υμιν ινα μη αμαρτητε και εαν τις αμαρτη παρακλητον εχομεν προς τον πατερα ιησουν χριστον δικαιον

και αυτος ιλασμος εστιν περι των αμαρτιων ημων ου περι των ημετερων δε μονον αλλα και περι ολου του κοσμου

Precisamos Analisar que o verso 2 vem do contexto e da lógica do verso primeiro, pois começa com a conjunção coordenada και demonstrando que os versos estão ligados e coordenados. João começa explicando do verso primeiro o seu objetivo que era trazer uma profunda sensibilidade ao pecado, pois os verbos ἁμαρτανω estão no aoristo. Essa sensibilidade deve nos trazer uma profunda consciência de um advogado perante o Pai que é Jesus Cristo, o Justo - παρακλητον εχομεν προς τον πατερα ιησουν χριστον δικαιον.

Nenhum arminiano se aventuraria a dizer que esse “nós temos um advogado perante o Pai” incluiria incrédulos. Portanto, pelo contexto do verso primeiro, João continua seu argumento falando apenas da igreja para afirmar que esse Jesus é a propiciação não somente dos “iniciados” como os mestres gnósticos ensinavam, porém, ele é a propiciação da igreja, composta de gentios e judeus, como também todos os eleitos que ainda iriam crer em Cristo.

Por isso, João escreve de uma forma semelhante e mais detalhada:

1 João 4:10 Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.

εν τουτω εστιν η αγαπη ουχ οτι ημεις ηγαπησαμεν τον θεον αλλ οτι αυτος ηγαπησεν ημας και απεστειλεν τον υιον αυτου ιλασμον περι των αμαρτιων ημων

Dessa vez, João especifica somente a Igreja, pois ele afirma sempre os pronomes na primeira pessoa do plural, demonstrando que se referia somente a ela. Ele amou a sua igreja enviando seu Filho como propiciação com respeito aos “nossos pecados” - περι των αμαρτιων ημων.

Conclusão

Precisamos perceber que esses versos não são nenhuma ponte intransponível à doutrina da Expiação Limitada, demonstrada pelos apóstolos e reformadores. Ao contrário, eles se completam em demonstrar que a eleição não se limita a um grupo, nem aos “iniciados”, mas a todos a quem nosso Deus chamar (At 2.39). Por isso, meu objetivo foi exatamente demonstrar que As Escrituras demonstram que a expiação limitada é mais aceitável dentro de uma exegese e Hermenêutica que levem em conta todos os seus aspectos.

Não tive a intenção de falar especificamente da expiação limitada, pois há muitos versos que demonstram de uma forma clara que Cristo morreu pelos seus eleitos que estão guardados no plano secreto e eterno de Deus. No entanto, os textos bíblicos demonstram que os reformadores estavam corretos em rejeitar a doutrina Arminiana diante das debilidades exegéticas e textuais.

Portanto, precisamos pregar e ensinar sem nenhum medo que Deus é totalmente soberano, pois Deus prestará contas com todos aqueles que negligenciaram “todo o seu conselho”. 

_______________
REFERÊNCIAS


SPURGEON, C. H. Livre-arbítrio - Um Escravo. São Paulo: PES, 1994.
SPURGEON, C. H. Eleição. São Paulo: Editora Fiel, 1987
SPURGEON, C. H. A Perseverança na Santidade. São Paulo: PES, 1994.
STOTT, John R. I, II e III João - Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1985.
KISTEMAKER, Simon. Tiago e Epístolas de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

***
Fonte: Blog do autor
.

Por Franklin Ferreira


Zwinglio Rodrigues escreveu uma réplica à minha avaliação do texto “Em defesa do arminianismo” (publicado na revista Obreiro Aprovado Ano 36, nº 68). Comento algumas questões desta resposta:

1. O autor não define o que é o semipelagianismo e o semiagostinianismo. Em linhas gerais, o primeiro ensina que a graça de Deus e a vontade do homem trabalham juntas na salvação, e o homem deve tomar a iniciativa; a fé e o arrependimento são obras humanas, sendo consideradas pré-requisitos para se receber o Espírito. O segundo ensina que a graça de Deus se estende a todos, capacitando uma pessoa a escolher e a fazer o necessário para a salvação; a fé e o arrependimento são dons do Espírito. Os irmãos Wesley e a tradição arminiana evangélica são, em linhas gerais, semiagostinianos; mas o semipelagianismo (e o pelagianismo) permanece, tristemente, bem presente na igreja brasileira.

2. O autor se propõe fazer exegese de duas passagens bíblicas, 1Timóteo 2.4 e 1João 2.2. A exegese pode ser definida como “um estudo analítico completo de uma passagem bíblica [em seu contexto], feito de tal forma que se chega à sua interpretação útil. (...) [É a] investigação histórica do significado de um texto bíblico” (Stuart & Fee, Manual de exegese bíblica, p. 23, 25). À luz desta definição, o autor não oferece uma exegese das passagens bíblicas que ele propõe tratar.

No caso de 1Timóteo 2.4, ele incorre na falácia do argumento da autoridade (argumentum ad verecundiam) ao apelar a C. H. Spurgeon (sem citar a fonte), para atacar certa interpretação da frase “todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade”. Mas o autor retira a citação do contexto polêmico onde foi proferida, aplicando-a a outro assunto. A fonte que autor cita é um trecho de um sermão citado em Spurgeon versus hipercalvinismo (p. 170-176), de Iain Murray. Quando lido em contexto, isto é, como uma crítica ao hipercalvinismo, vê-se que o pregador inglês reconheceu que não saberia como harmonizar a explicação oferecida com suas crenças: “E igualmente sei que Ele tem um povo que vai salvar, um povo que Ele escolheu por Seu amor eterno, e que por Seu poder eterno Ele vai libertar. Não sei como aquilo se enquadra nisso; essa é outra das coisas que não sei” (alguns calvinistas têm seguido a Spurgeon, e tem falado de duas vontades ou maneiras de querer de Deus, para explicar tal paradoxo – noção admitida, inclusive, por exegetas arminianos, como I. Howard Marshall. Cf., por exemplo, John Piper, Deus deseja que todos sejam salvos?). De qualquer forma, fico pensando se o autor endossaria com tanto fervor o que Spurgeon afirmou em seus sermões, como “Eleição” ou “Verdades chamadas calvinistas: uma defesa”, sobre a expiação limitada ou sobre o arminianismo. Sobre o significado de “todos os homens” nesta passagem, o contexto já o esclarece, em 1Tm 2.3: “Exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade”. “Todos os homens”, portanto, deve ser interpretado como “todo tipo de homem”, inclusive “dos reis” e dos que “se acham investidos de autoridade”.

Em 1João 2.2, o autor concentra-se apenas no significado da palavra “mundo”, cometendo o erro hermenêutico conhecido como “transferência de totalidade”. Por outro lado, ele não trata da palavra mais importante da passagem, “propiciação”. Se ele interpretar esta palavra com seriedade, ele só poderá chegar a duas conclusões: (1) que os pecados de todos já foram propiciados por Cristo, logo todos os homens que existiram, existem e existirão já estão perdoados e salvos por Cristo; (2) que Cristo propiciou apenas o pecado original de todos os homens que existiram, existem e existirão, mas não os pecados atuais. Outra possibilidade é reinterpretar o significado do vocábulo “propiciação” – o que muitos arminianos têm feito durante a história da igreja, abandonando, com isso, a doutrina da substituição penal e afirmando a teoria governamental da expiação (defendida por Hugo Grotius, em A verdade da religião cristã, a primeira obra de apologética protestante, publicada em 1622-27).

Para aqueles interessados na exegese que fiz dessas passagens, recomendo consultar as seções apropriadas da Teologia Sistemática que escrevi com Alan Myatt.

3. No campo da história da teologia há uma série de citações sem fontes documentadas, o que torna difícil conferi-las. Isso se torna um problema quando o autor trata do Sínodo de Dort – e, nesta, parece que o autor usou a falácia do argumento contra a pessoa (argumentum ad hominem), para desqualificar o calvinismo. Algumas questões gerais:

(i) como dito, não há citação das fontes que embasam várias das afirmações do autor. Isso acontece tanto quando ele cita autores que criam na predestinação, mas não criam na expiação limitada (como se isso fosse realmente surpreendente ou novo), quanto ao tratar do Sínodo de Dort;

(ii) seria interessante que o autor referenciasse sua posição especialmente com fontes primárias (por exemplo, foi lançado recentemente o primeiro volume das Acta et Documenta Synodi Nationalis Dordrechtanae [1618–1619], editado por Donald Sinnema, Christian Moser e Herman Selderhuis [2014]) e que colocasse a controvérsia em contexto. Ainda que ele reconheça as questões políticas e sociais que fornecem o pano de fundo do debate teológico (os arminianos estavam conectados à burguesia e às classes mais ricas; os calvinistas estavam ligados aos pobres e aos estrangeiros exilados), essa questão importantíssima não é desenvolvida;

(iii) o estudo da história é importante, mas não pode ser utilizado para “provar algo”. Tal uso torna a citação da história mera ferramenta política. E o risco é que aquele que assim proceda cite dados e fatos históricos adaptando-os para seus próprios fins (cf. Tony Judt, Pensando o Século XX, p. 267-301);

(iv) talvez, por esta razão, o autor não informa aos seus leitores que, diferente do que ele afirma, isto é, que “a disposição raivosa (...) que o Sínodo de Dort dispensou ao ancião arminiano Van Oldenbarneveldt (sic), crente, irmão de fé, que foi decapitado e teve seus bens confiscados”, foi uma ação do Estado – não do Sínodo. O jurista Johan van Oldenbarnevelt não foi executado por ser arminiano, muito menos por ordem do Sínodo. Ele, que havia sido preso em agosto de 1618 (três meses antes do início do Sínodo), foi executado em maio de 1619 (quatro dias após o encerramento do Sínodo). Tudo isso aconteceu sob o mando dos Estados-Gerais (o parlamento), por ele ter se envolvido numa tentativa de dividir o país que há pouco havia alcançado a independência da Espanha, incitando rebelião na província da Holanda, a região mais rica e poderosa dos Países Baixos (Grotius, que fugiu espetacularmente para Paris em 1621, foi preso pela mesma razão).

Um adendo: em 1623, os dois filhos de van Oldenbarnevelt se envolveram, junto com o pastor arminiano Hendrick Danielsz Slatius, numa conspiração para assassinar Maurício de Nassau. Mas a conjuração foi descoberta, e, como resultado, um deles (Reinier) foi executado e o outro (Willem) conseguiu fugir para a Espanha, onde se tornou católico. Slatius também foi executado – ele renegou suas convicções arminianas para evitar a pena de morte, mas depois voltou atrás, quando viu que sua abjuração não mudaria a decisão dos Estados-Gerais.

Um detalhe importante é que, enquanto os reformados entendiam que era a igreja que deveria decidir em matéria doutrinal, os arminianos achavam que o Estado deveria ter a última palavra na esfera eclesiástica. Em outras palavras, os calvinistas queriam uma igreja independente do controle do Estado, e os arminianos almejavam uma igreja inclusiva, controlada pelo Estado. E, para tornar a situação mais complicada, havia boatos de que os arminianos estavam conspirando com os espanhóis, que queriam reconquistar as províncias (a guerra entre as duas nações, que estava interrompida desde 1609, recomeçou, efetivamente, em 1621).

De qualquer forma, o problema maior não era o calvinismo, mas o erastianismo, que está por trás da ideia de igrejas nacionais. Em outro contexto, na Inglaterra, William Laud, quando bispo de Londres e, depois, arcebispo da Cantuária, perseguiu severamente os puritanos, pois ele queria “arminianizar” a Igreja da Inglaterra, ao mesmo tempo que reforçava o absolutismo de Charles I. Terminou executado por traição, por decisão do Parlamento, em 1645. Em 1662, dois anos após o rei Charles II ser entronizado, dois mil pastores puritanos foram expulsos da Igreja da Inglaterra por não aceitarem vários dos ritos prescritos no Livro de Oração Comum. Muitos, inclusive, foram presos nos anos seguintes por insistirem em pregar. Somente em 1689, com a Revolução Gloriosa, assegurou-se tolerância religiosa aos puritanos ingleses (conhecidos então como não-conformistas). Nos dois casos, o problema foi o arminianismo? Não, foi o erastianismo, a noção de que o Estado tem a prerrogativa de dirigir a igreja nacional;

(V) O autor parece não entender que o contexto do Sínodo é o fato de que a Igreja Cristã Reformada era uma igreja estatal e sinodal; sobre a relação entre igreja e Estado, a questão está esboçada acima; sobre o segundo, todos os pastores da Igreja Cristã Reformada (inclusive J. Arminius) juraram lealdade à Confissão Belga e ao Catecismo de Heidelberg; portanto, os pastores que aderiram ao arminianismo incorreram em perjúrio ao ensinar de forma diversa e tentar modificar os documentos confessionais, daí os desdobramentos disciplinares do Sínodo: ao fim do mesmo, os pastores arminianos foram excluídos da igreja (os números variam de acordo com as fontes, entre 100 e 200). Mas, pouco tempo depois, em 1630, o Estado holandês concedeu-lhes liberdade religiosa e de expressão, e eles puderam fundar igrejas e escolas na Holanda.

4. Por fim, o autor se mostra desconcertado porque destaquei algumas conexões entre o arminianismo e o arianismo. É fato que alguns teólogos arminianos se afastaram das decisões conciliares antigas sobre a Trindade e a encarnação do Verbo. Isso ocorreu na Holanda, no século 17, por influência de Philipp van Limborch (e foi reconhecido por Roger Olson, que os chama de “arminianos racionalistas e liberais” ou “arminianos de cabeça”, em seu irregular Arminianismo, p. 192, 271, etc.); Na Inglaterra, no século 18, muitas das igrejas batistas gerais (arminianas) se tornaram unitarianas; nos Estados Unidos, na região de Boston, as igrejas congregacionais que se tornaram arminianas, aderiram ao unitarianismo e ao universalismo, no século 19 – e algumas destas igrejas existem até hoje. Na atualidade, os arminianos holandeses (conhecidos como Irmandade Remonstrante) são ligados à European Liberal Protestant Network, uma associação que congrega igrejas europeias de confissão liberal – inclusive comunidades unitarianas da Inglaterra, Hungria e Transilvânia.

______________
OUTRAS FONTES:

• Earle E. Cairns, O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã.
• Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês 1630-1654.
• Joel Beeke e Sinclair Ferguson, Harmonia das confissões reformadas.
• John H. Leith, Tradição reformada.
• Justo L. Gonzalez, História ilustrada do cristianismo, v. 2.
• Justo L. Gonzalez, Uma história do pensamento cristão, v. 3.
• Sinclair B. Ferguson e David F. Wright, Novo dicionário de teologia.

***
Fonte: Perfil do autor no Facebook

sábado, 6 de junho de 2015

.

Por Rev. Anderson Borges

Introdução

Confissão de Fé de Westminster em seu vigésimo primeiro capítulo que trata sobre o culto religioso e do domingo, nos apresenta a seguinte afirmação:

A luz da natureza mostra que há um Deus que tem domínio e soberania sobre tudo; que é bom e faz bem todas a todos; e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo coração, de toda a alma e de toda a força; mas o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras. (WESTMINSTER, 2007).

Ainda tratando do mesmo assunto supracitado a Confissão de Westminster também nos diz:


O culto religioso deve ser prestado a Deus - Pai, Filho e Espírito Santo – e somente a ele; não deve ser prestado nem aos anjos, nem aos santos, nem a qualquer outra criatura; nem, depois da queda, deve ser prestado a Deus pela mediação de qualquer outro, senão Cristo. (WESTMINSTER, 2007).

O princípio fundamental do culto reformado de Westminster repousa nestas duas afirmações que acabamos de ler. O que podemos extrair resumidamente destas é que o culto deve ser prestado somente por meio das Escrituras Sagradas e que somente o Deus triuno é digno de receber a nossa adoração, sem a mediação de nenhuma criatura, apenas por meio de Cristo.


O pensamento reformado de Westminster em relação ao culto é bem simples. O conceito de culto geral dos reformados é que o culto é prestado a Deus e a ele somente, sem a mediação humana e guiado somente pela Escritura. Porém cultuar a Deus de forma pura e simples é bastante complicado, principalmente após a queda, onde todas as nossas faculdades físicas e mentais foram manchadas pelo pecado, logo, o nosso culto também é falho. Temos então o grande desafio de cultuar a Deus de forma aceitável, partindo de um coração pecador e egoísta.

Princípios fundamentais do culto de Westminster

A quem deve ser o culto

O objeto do culto reformado é e sempre será o Deus triuno prescrito nas Escrituras sagradas. Quanto a este assunto, a Confissão de Fé de Westminster nos diz o seguinte:

O culto religioso deve ser prestado a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo - e só a ele; não deve ser prestado nem aos anjos, nem aos santos, nem a qualquer outra criatura; nem, depois da queda, deve ser prestado a Deus pela mediação de qualquer outro senão Cristo. (WESTMINSTER, 2005 p.169)

Conforme o conceito de Westminster o culto não pode ser prestado a ninguém senão o Deus trino revelado nas Escrituras. Este conceito está totalmente de acordo com o que a Palavra de Deus ensina em várias passagens. Além disso, após a queda, que é o nosso caso, este culto não deve ser prestado por intermédio de nenhum outro que não seja Cristo que é o único mediador da aliança divina. No período medieval, a igreja dominante deixou-se levar por princípios humanos e o culto passou a ser oferecido por intermédio de homens não autorizados pelas Escrituras Sagradas.


Os reformados, entendendo que o pensar da igreja católica medieval estava desviado dos padrões estabelecidos pelas Escrituras, buscaram modificar o culto que até então era oferecido a Deus, por um culto puro e simples conforme proposto nas Escrituras. Estas nos ensinam o quanto Deus é zeloso pelo seu culto, e podemos perceber isto no estabelecimento do primeiro e segundo mandamentos relatados no livro de Êxodo:

Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.” (Ex. 20.3-6).

Quanto a este assunto o teólogo Geerhardus Vos, comentando a pergunta 105 do Catecismo Maior de Westminster, nos diz o seguinte:

... Dividir a nossa devoção religiosa e dar parte dela ao verdadeiro Deus que nos criou e parte a alguma outra pessoa ou objeto de culto é extremamente ofensivo a Deus... Prestar culto a santos, anjos e quaisquer outras criaturas por que: (a) Não foram eles que nos criaram e por isso não têm direito à nossa devoção religiosa. (b) não foram eles que nos redimiram do pecado, e por isso a nossa gratidão pela salvação não lhes é devida, mas somente a Deus. (c) eles não são os mediadores entre Deus e nós, por que só existe um único mediador: o senhor Jesus Cristo. Por isso todo e qualquer culto religioso prestado a santos, anjos e quaisquer outras criaturas subtrai inevitavelmente o culto e honra que são devidos exclusivamente a Deus. (VOS, 2007, p.315, 326).

O reverendo Onézio também afirma:


A afirmação confessional de que o culto deve ser prestado exclusivamente a Deus procedeu da necessidade, nos tempos da reforma, de estabelecer nítida diferença entre o protestantismo emergente e o catolicismo dominante, não somente quanto ao endereçamento da adoração, mas também, e principalmente, ao teocentrismo monolátrico da fé reformada. Há um só Deus subsistente em três pessoas igualmente divinas: Pai, Filho e Espírito Santo, em quem cremos e a quem adoramos em espírito e em verdade. (FIGUEIREDO, p.218).

Podemos ver que o culto deve ser somente prestado a Deus e a mais nenhum outro. E nem deve ser pela mediação de qualquer pessoa ou criatura que não seja Cristo, o único mediador entre Deus e os homens. Portanto o culto jamais será aceitável se não for oferecido ao Deus verdadeiro revelado nas santas Escrituras na mediação do Seu Filho.


Como deve ser conduzido o culto
  
O culto reformado diferente do que temos visto em muitas denominações protestantes nos dias atuais, tem como princípio regulador da sua adoração as Escrituras Sagradas. Para os reformados é impossível oferecer um culto aceitável a Deus sem que este não seja conduzido pela sua Palavra. Eis ai um princípio inegociável para os reformados, a Confissão de Westminster nos diz que:

A luz da natureza mostra que há um Deus que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a força; mas o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras. (WESTMINSTER, 2005, p. 168).

Este conceito expresso pelos teólogos de Westminster mais uma vez se mostra em perfeita harmonia com o ensino escriturístico, vejamos o evangelho de João no capítulo 4:


Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade. (Jo 4.22-24).

Neste texto, conforme vimos no segundo capítulo deste trabalho, Jesus mostra que o modelo da antiga aliança está prestes a ser substituído por um novo modo de adorar, o culto deve ser prestado em espírito e em verdade, ou seja, deve partir de uma sincera disposição interior do ser humano e deve ser baseado na verdade que é a Palavra de Deus. Qualquer outra forma estará automaticamente descartada, pois, o princípio foi estabelecido pelo próprio Deus porque deste é o culto, então quem somos nós para adorarmos ao Senhor de outra forma? Ou será que as nossas idéias são melhores do que a de Deus? Ou pensamos melhor que Deus?


Mais uma vez recorremos a Geerhardus Vos que nos diz o seguinte:

Porque Deus é zeloso de Seu culto, isto é, Ele não está disposto a nos deixar fazer o que bem quisermos quando se trata de adorá-Lo. Deus é soberano, é supremo acima de todos, por isso somos obrigados a obedecer Sua vontade e Ele tem revelado na Escritura que é o seu desejo ser adorado estrita e unicamente conforme as Suas ordenanças, e não de outra forma qualquer. (VOS, 2007, p.335).

O reverendo Onézio Figueiredo também nos acrescenta com a seguinte afirmação:


O culto ao Deus revelado pelas Escrituras não é produto de invenção humana, como acontecia com a idolatria ou iconolatria dos povos pagãos, polilátricos por natureza... A lei possuía princípios gerais de comportamento, sem especificar particularidades e circunstâncias. O culto, porém, foi dado com minuciosidade de detalhes, tanto na forma física do templo, na escolha e especificação dos objetos sacros, na qualificação e indumentária dos ministrantes sacerdotais, na seleção dos animais destinados aos sacrifícios, como na operação dos ofícios litúrgicos (Ex, caps. 25 a 30). Deus não quis que o culto ficasse à mercê de preferências, desejos, escolhas e projetos humanos... O culto, portanto, não pode fugir aos parâmetros estatuídos na Palavra de Deus, pois não é realização humana, mas divina. (FIGUEIREDO, p. 216 – 217).

Para o pensamento reformado, um culto que não seja guiado pela Palavra de Deus, nunca em qualquer tempo ou época será aceito por Deus, não porque os reformados determinaram que assim fosse, mas porque a Bíblia nos ensina este princípio de forma muito transparente.


Os elementos do culto
  
O culto oferecido no Novo Testamento, apesar de estar mais “livre” quanto às questões ritualísticas do Antigo Testamento, aquele não é oferecido de forma aleatória, ele segue uma ordem, uma liturgia. As Escrituras nos trazem elementos que eram utilizados nas reuniões da Igreja neotestamentária que regiam o culto comunitário. O modelo litúrgico apresentado por Westminster nos mostram cinco elementos que faziam parte do culto público segundo as Escrituras, são eles: leitura da Bíblia, pregação da Palavra, oração, cânticos e administração dos sacramentos.
  
Leitura da Bíblia
  
A leitura do Antigo Testamento, nas reuniões da Igreja primitiva, nunca é mencionada de forma direta, mas apenas indiretamente. Mas, se a leitura do Antigo Testamento, não diretamente referida, o extenso uso e citação do mesmo no Novo Testamento, o conhecimento que os crentes primitivos demostravam ter daquelas Escrituras, bem como durante o período pós-apostólico, e nos escritos dos pais da igreja, nos faz crer que o Antigo Testamento era tão lido e estudado quanto o Novo Testamento. O alto valor conferido pelos primeiros cristãos às Escrituras é outro fato que precisa ser considerado. Assim, a leitura do Antigo Testamento, e cada vez mais, do Novo Testamento, certamente era uma porção constitutiva da adoração cristã primitiva.

No culto reformado seleciona-se os textos da Bíblia adequados a cada momento da liturgia, o mesmo pode ser lido pelo dirigente, quando se tratar de textos proclamatórios, imperativos ou exortativos. Alternadamente, quando um versículo é lido pelo dirigente e o seguinte pela comunidade; e assim, sucessivamente. Ou pode ser lido de forma responsiva: O dirigente lê um texto (com um ou vários versículos) e a comunidade responde com outro. Pode, por exemplo, o dirigente ler um salmo e a congregação responder com a leitura de outro. Esta leitura responsiva pode ser também do mesmo texto em que uma parte pergunta ou afirma e a outra responde. Exemplos: Salmo 136, em que o dirigente lê a primeira parte do versículo e a comunidade responde com a segunda. O mesmo se pode fazer com Mt 5.1-12. Não se deve confundir “leitura responsiva” com “leitura alternada”, que ocorre com versículos consecutivos ou sucessivos. Em muitos casos usa-se a leitura uníssona, esta é feita pelo dirigente e a comunidade concomitantemente. Neste caso, e para que a comunidade inteira participe, e a leitura seja realmente uníssona, deve-se adotar uma única versão das Escrituras para a Igreja toda.

Pregação da Palavra
  
Em contraste com a leitura da Bíblia, o ato de pregar é solidamente confirmado no Novo Testamento. Em Corinto, por exemplo, transparece a pregação sob a forma de exortação. Seguindo o exemplo deixado pelo Senhor Jesus; e ante a necessidade de evangelizar, de instruir e edificar, o ministério da Palavra sem dúvida era incluído em todos os encontros dos cristãos. Os apóstolos foram chamados especificamente para o ministério da Palavra, conforme o registro no livro de Atos no capítulo 6. Após este período, aprende-se que os pastores deveriam ser aptos para ensinar, conforme 2 Tm 3.2. Assim a pregação combinava vários aspectos da adoração, a saber: a declaração das obras de Deus, a confissão de fé, a oração subjacente a todas as atividades dos cristãos, o clímax atingido nos louvores e etc. Embora essa pregação não fosse exclusivamente expositiva, a maior parte era feita desta forma. Entre os cristãos gentios, especialmente, muita informação precisava ser transmitida a eles através da pregação da Palavra, pois, entre aqueles não havia a mesma familiaridade com as Escrituras como os crentes judeus tinham. 

A prédica jamais deixou de ocupar papel de destaque nas reuniões dos cristãos evangélicos através dos séculos. Todo período de reavivamento espiritual é antecedido por intensa e firme pregação do Evangelho.

Eis ai um princípio ao qual os reformados nunca abrem mão, a fiel pregação da Palavra de Deus. A pregação tem de ser estritamente da Palavra de Deus, conformada com a teologia bibliocêntrica dos nossos símbolos de fé. A mensagem bíblica é cristocêntrica por natureza, pois Cristo é o centro das Escrituras. A pregação não deve ser alegórica nem recheada de frases humorísticas, historietas inverídicas, lendas e mitologias. Analogias e comparações com fatos da vida real são permissíveis, desde que usadas com critério e bom senso. O pregador precisa ser um bom hermeneuta e um eficiente exegeta da sacra revelação.

Oração

A oração, no sentido mais específico de petição, naturalmente era um dos elementos mais básicos da adoração cristã primitiva. Entre a ascensão do Senhor e o derramamento do Espírito, a Igreja recebeu ordens para dedicar-se à oração cheia de expectação. As perseguições sofridas também levaram os crentes a caírem de joelhos diante do Senhor. E todas as necessidades que foram surgindo também proveram motivo e material para intercessão. Todavia, não há nenhuma descrição de como essas orações eram feitas. Talvez um líder orasse por todos ou indivíduos orassem um por vez. O que é surpreendente é que não há qualquer menção da recitação da oração do Pai Nosso, o que parece indicar que os cristãos primitivos usavam orações espontâneas, e não fórmulas fixas. O “amém” devido ao exemplo dado pelo Senhor Jesus, adquiriu um sentido ainda mais profundo do que tinha no Antigo Testamento. As “Bênçãos” também se fizeram presentes desde o começo, conforme vemos em 2 Co 13.14 e Ap 22.21. E as epístolas testificam o aparecimento de um distinto vocabulário cristão, nas orações. O que é importante não esquecer é que essas orações eram consideradas parte integrante da adoração neotestamentária, o que não sucedia no Antigo Testamento.

Na igreja reformada, durante o culto, as orações são feitas em voz uníssona, pronunciando com a alma, o coração e a mente, lembrando que as suas palavras estão sendo colocadas nos lábios da comunidade pelo Senhor. Quando a Igreja ora a oração que Jesus ensinou, o Espírito Santo vitaliza e sentimentaliza cada petição, inserindo-as na realidade vital do povo de Deus e de cada um de seus membros. Na liturgia comunitária, ora-se pelo pronunciamento de um de seus membros; ele, no momento da prece, é a “boca” da comunidade, que responde com o assentimento e a aprovação do “Amém” coletivo.

A oração comunitária, diferentemente da individual, enquadra-se nas partes do culto: Adoração, confissão, perdão, gratidão, louvor, consagração, intercessão ou súplica. Uma das marcas da oração reformada é a profunda reverência postural de quem ora e de quem acompanha, bem como dos termos e linguagem oracionais da pessoa que a pronuncia. Conversar com Deus, o Pai celeste, requer mais respeito e solenidade que falar com um Ministro do Supremo Tribunal.

Cânticos

Muitos hinos cristãos e cânticos espirituais louvam a Deus. Paulo alude ao cântico de Salmos, durante a adoração, em uma de suas epístolas aos Coríntios, e a hinos e cânticos espirituais em Efésios 5.19. Os estudiosos têm percebido possíveis fragmentos de hinos primitivos cristãos em trechos como Filipenses 2.6 ss e 1 Timoteo 3.16. Os hinos constantes no apocalipse mostram que, tanto na adoração terrestre, quanto na adoração celeste, são entoados hinos de louvor, embora outros pensem que Apocalipse 4 e 5 podem estar baseados na adoração da congregação. É bem possível que o saltério fosse o hinário da igreja primitiva.

O Rev. Herminsten Maia na sua obra “O Culto Cristão na Perspectiva de Calvino: Uma Análise Introdutória” nos diz que “para os reformadores, o cântico tem um grande apelo didático, objetivando, inclusive, a fixação das Escrituras”.

A música não pode ser esquecida durante o culto, e a sua execução não pode ser desequilibrada, ao ponto do culto ser afetado em seu conteúdo. Tanto no A.T., como no N.T., a música esteve presente no culto de Israel e da Igreja primitiva (Nm 10:1-10; Jz 7:22; Jô 38:7; Ef. 5:19; 1 Tm 3:16; At 16:25). Não é por acaso que o maior livro da Bíblia é um hinário (Salmos).

Administração dos sacramentos

O senhor Jesus instituiu dois sacramentos na nova aliança, a Ceia e o Batismo. Ambos, desde o tempo da igreja primitiva, foram entendidos como elementos constituintes do culto cristão, e os reformados assim também entenderam. Há uma exceção apenas no Batismo, pois este é administrado apenas uma vez sem a necessidade de repetição.

Batismo 

No Antigo Testamento, embora a recitação do “Ouve, ó Israel..” fosse um mandamento, também servia de confissão de fé: o Senhor, nosso Deus, é uma unidade. Por essa razão, o shema achou caminho até a adoração nas sinagogas. Todavia, tal recitação não encontrou eco na Igreja primitiva. E a razão disso não é que essa confissão básica tivesse sido abandonada, mas antes, é que agora fora adicionada a confissão distintamente cristã: Jesus é o Senhor, ou seja, é Yahweh. A fé da Igreja primitiva era a fé em Jesus como Salvador e Deus. Pedro fez essa afirmação primária em Mt. 16:16. E isso pode ser visto novamente na confissão de Tomé em Jo 20:28.

O evangelho de João foi escrito tendo em vista mostrar exatamente esse fato, conforme Jo 20:31. A obra do Espírito Santo faz com que os crentes afirmem e confessem que Jesus é o Senhor (I Cor. 12:3). Finalmente, essa verdade será reconhecida em todas as línguas (Fl. 2:11). Sobre essa crença repousa a plena confissão do Deus triuno (Mt. 28:19). Essa crença é especificamente confessada por ocasião do batismo em água, o qual pode ser ministrado em nome de Jesus (At. 2:38). O eunuco professou fé no Senhor (At. 8:37). Cornélio foi batizado em nome de Jesus (At. 10:48). O carcereiro filipense foi batizado quando creu no Senhor e foi salvo (Atos 16:30 ss).

Ceia do Senhor 

Não somente o batismo, mas especialmente a Ceia do Senhor, constituíam adendos à adoração nas sinagogas. Tanto os escritos do Novo Testamento, como o testemunho patrístico, mostram que a Ceia fazia parte integrante da adoração cristã primitiva, semana após semana. Cada reunião dos cristãos incluía não somente oração, louvor, leitura das Escrituras e pregação, mas também uma santa refeição com a celebração da Ceia. A Ceia do Senhor veio substituir não somente a páscoa, mas também as ofertas do templo. Por essa razão é que uma linguagem própria dos sacrifícios veio a ser usada em relação à Ceia. Todavia, não há apenas um elemento de substituição. A Ceia do Senhor tanto rememora o grande e único sacrifício de Cristo pelos pecados, para sempre, como também anuncia a sua segunda vinda (Ver I Cor. 11:26).

O fato de que Cristo é o sumo sacerdote para sempre, obviou um ministério sacerdotal. E essa é a razão pela qual os ministros da Ceia do Senhor, não importando se apóstolos, profetas, pastores ou diáconos, são todos verdadeiros ministros “servos”, e não sacerdotes. O ponto enfocado na Ceia é a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Essa é a base da comunhão desfrutada pelos crentes com Deus Pai e uns com os outros. Portanto, em última análise, a Ceia do Senhor é cristológica, e não litúrgica no sentido veterotestamentário mais estreito. Classificá-la como quinta-essência da liturgia é perder de vista o seu verdadeiro significado. A Ceia serve de memorial perene do fato de que a adoração autêntica só é possível com base na expiação no sangue de Cristo

Conclusão 

Entendemos que o culto reformado na perspectiva de Westminster é, sem dúvida, a melhor forma de cultuar a Deus. Não que ele seja perfeito (por que onde há humanidade há imperfeição), mas sim porque o modelo confessional busca um culto teocêntrico e dirigido pelas Escrituras, não busca novidades no intuito de agradar os fieis. Porque os reformados entendem que o culto é de Deus e, por isso, Ele é que deve receber todo o nosso louvor. Nós somos abençoados no culto por misericórdia divina, em resposta a nossa adoração. Na visão de Westminster o culto não é um espetáculo onde nós somos espectadores que precisam ser entretidos, muito pelo contrário, nós é que devemos buscar agradar a Deus o máximo possível.

E, por fim, estamos vivendo em dias em que muitas igrejas têm adotado práticas que não encontram apoio nas Escrituras em busca de não ver os salões dos templos vazios ou com pouca gente. Infelizmente o “sucesso” do ministério pastoral é medido pelo número de pessoas e não pela fidelidade a palavra de Deus. O sistema de culto defendido pelos símbolos de fé de Westminster não pretendem encher os templos das igrejas, porém, aqueles que o adotam terão a certeza de que oferecerão um culto saudável para a igreja e agradável ao Senhor.

Soli Deo glória!

***
Sobre o autor: Anderson Borges é teólogo e pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil em Salvador-BA.


Fonte: Texto extraído da monografia do autor: "O Culto Cristão Reformado na Perspectiva de Westminster".
Via: Teologia que Reforma
.