Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

domingo, 31 de agosto de 2014


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Por Thomas Magnum


O Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns se desviarão da fé e darão ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios, sob a influência da hipocrisia de homens mentirosos, que têm a consciência insensível.” I Tm 4.1,2.

A admoestação do Apóstolo Paulo ainda é pertinente para nossos dias, é de considerável urgência uma reflexão séria e bíblica sobre o sectarismo religioso.

Introdução

Sectário - Pertencente ou relativo a seita. sm 1 - Membro ou aderente de uma seita religiosa. 2 - Pessoa que segue outra no seu modo de pensar, ou lhe obedece cegamente; partidário, sequaz. 3 - Membro de um partido, que o segue e defende com facciosismo. 4 - Partidário apaixonado, intransigente, faccioso.[1]

Diante de tal definição, compreendemos como sectarismo a atitude decorrente de um indivíduo ou grupo sectário.

Entendemos como seita, um grupo dissidente e divergente do que comumente se prega em doutrinas religiosas ou filosóficas. Diante de tal realidade, a multiplicação de pensamentos religiosos, decorrentes do cristianismo ortodoxo, iremos abordar os efeitos maléficos de grupos separatistas que saíram da igreja cristã por conta de heresias.

Deve ficar claro que não estamos tratando aqui de denominações evangélicas que tem comunhão nos pontos centrais do cristianismo, como: A trindade de Deus, A divindade de Cristo, A divindade e pessoalidade do Espírito Santo, na inspiração, inerrância e suficiência das Escrituras, na segunda vinda de Cristo.

O Impacto Sociológico

Ao observarmos a aderência e a permanência de pessoas em grupos sectários, é notório o fator de isolamento. Quando o individuo é levado a “fé” no que o grupo ensina, ele é doutrinado a crer que somente seu grupo está correto e que os ensinos ali passados são realmente o que Deus quer para seu povo. Ligado a isso, vem à questão afetiva dentro do grupo, o adepto é agora inserido em um novo contexto social que realmente existe "amor", inexistente em outas religiões. Então, o próximo passo ao doutrinamento do novato é o afeto. Um terceiro ponto que podemos observar no sectarismo de tais grupos é olegalismo. A obediência cega aos líderes é fundamental para o "desenvolvimento" espiritual do fiel. Nessa submissão, incluímos a proibição ou recomendação, como dizem eles, de lerem algo que esteja fora dos ensinos da organização religiosa pertencente. Geralmente, isso inclui até a Bíblia, alegando a velha falácia romana de que somente os sacerdotes podem interpretar os ensinos sagrados ao povo. O que tais grupos sabem da Bíblia são versículos soltos, que aprenderam em treinamentos internos para evangelizarem os "pagãos". O carisma é outro fator que devemos destacar do ponto de vista social das seitas. Tais grupos possuem liderança carismática; com isso falamos de retenção de poder profético e gigantismo espiritual, através de gurus que se camuflam com nomenclaturas cristãs como: Profetas, Apóstolos, Bispos, Patriarcas e uma quantidade imensurável de títulos.

O Efeito Camaleão

As seitas tem efeitos camaleônicos e se infiltram entre os verdadeiros cristãos. Dr. Walter Martin, certa vez, relatou a presença de Testemunhas de Jeová nas cruzadas de Billy Graham, para enlaçarem os convertidos no evento e levarem para os Salões do Reino.[2] Outros exemplos claros são grupos musicais de seitas heréticas, que arrebatam muitos evangélicos com propósitos proselitistas, como grupos e cantores adventistas e o grupo Voz da Verdade que é unicista. Diante de tudo isso, vemos o crescimento de grupos sectários e a multiplicação de heresias dentro dos arraiais evangélicos, por três motivos básicos:

          • Imaturidade Espiritual
          • Subversão Espiritual
          • Soberba Intelectual

As ideias sectárias atingem mais as personalidades sugestionáveis, instáveis, sem fundamento doutrinário e sem sentido crítico. A seita é como um ramo que se desprendeu da árvore; originou-se como um protesto que considerava errado na igreja mãe. Para as seitas as igrejas perderam o sentido autêntico e o conhecimento verdadeiro das Escrituras.[3]

O Aspecto Doutrinário

Podemos identificar alguns aspectos doutrinários em grupos sectários:

          • Afirmam uma nova revelação dada por Deus
          • Reivindicam poder espiritual
          • Pregam a apostasia da igreja cristã
          • São proselitistas
          • Rejeitam as principais doutrinas da fé cristã histórica

Esses são apenas alguns pontos listados aqui, podemos apontar também os aspetos antropológicos.

Aspectos Antropológicos

O grupo exerce domínio sobre a mente do indivíduo, seus líderes pensam por ele, dirigem sua vida. Se o adepto resolver abandonar o grupo, ele corre o risco de perder amigos, família, ou seja, perde sua vida social. Esse é o fator mais traumatizante para quem abandona um grupo herético. São conhecidos vários fatos de pessoas que foram ameaçadas e torturadas psicologicamente em tais grupos, que infelizmente não estão distantes de nós, inclusive em igrejas que professam serem evangélicas, reivindicam exclusividade de salvação e se orgulham exageradamente do nome de sua denominação. Pessoas que são oprimidas por costumes legalistas e que não tem respaldo nenhum nas Escrituras, mas, são fruto de delírios de homens, como disse Paulo: 

Sabe, porém, que nos últimos dias haverá tempos difíceis; pois os homens amarão a si mesmos, serão gananciosos, arrogantes, presunçosos, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios, sem afeição natural, incapazes de perdoar, caluniadores, descontrolados, cruéis, inimigos do bem, traidores, inconsequentes, orgulhosos, mais amigos dos prazeres do que amigos de Deus, com aparência de religiosidade, mas rejeitando-lhe o poder. Afasta-te também desses. Porque entre eles estão os que se intrometem pelas casas e conquistam mulheres tolas carregadas de pecados, dominadas por várias paixões; que estão sempre aprendendo, mas nunca podem chegar ao pleno conhecimento da verdade. E à semelhança de Janes e Jambres, que resistiram a Moisés, eles também resistem à verdade. São homens de entendimento corrompido e reprovados na fé. Mas eles não irão adiante, pois sua insensatez será revelada a todos, assim como aconteceu com aqueles.” 2Tm 3.1-9.

Conclusão

Além de todos os danos listados aqui, não poderíamos deixar de incluir os psicológicos e espirituais. Existem pessoas que saíram de seitas ou de grupos neopentecostais que, mesmo depois de anos, sofrem os efeitos maléficos de tais mestres da mentira. Pessoas que tiveram suas personalidades assaltadas e suas vidas emocionais destruídas, seus afetos destroçados e suas mentes controladas. Muitas vezes, o motivo do avanço das heresias é o comodismo e descompromisso de igrejas cristãs, com membros fracos ou sem nenhum ensinamento Bíblico. Portanto, precisamos voltar às Escrituras, cultos de doutrina, treinamentos Bíblicos, seminários de doutrinas, fóruns e debates sobre seitas e heresias.

Antes, reverenciai a Cristo como Senhor no coração. Estai sempre preparados para responder a todo o que vos pedir a razão da esperança que há em vós. Mas fazei isso com mansidão e temor, tendo boa consciência, para que os que caluniam o vosso bom procedimento em Cristo fiquem envergonhados naquilo de que falam mal de vós.” I Pe 3.15,16

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Notas:
[1] Dicionário Michaelis
[2] O Império das Seitas - Walter Martin
[3] Resistindo as Tempestades das Seitas – Tácito da Gama Leite 

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Divulgação: Bereianos

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

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Por Aaron Menikoff


Cinco anos atrás, eu preguei meu primeiro sermão como pastor da Mount Vernon Baptist Church. O ministro de música me abordou antes do culto com uma pergunta. Ele queria saber como eu faria o apelo.

Eu estava confuso. Antes daquela manhã de domingo, eu havia estado nessa igreja três vezes e nunca vi ninguém fazer apelo. Eu assumi que a igreja havia decidido há muito tempo abandonar a prática. Eu estava errado.

Na verdade, minha igreja tinha um costume histórico de fechar o culto com um apelo a vir ao altar para se unir à igreja, a entregar a vida novamente ao Senhor ou a fazer uma profissão de fé pública. Os três domingos que eu estive presente foram exceções à regra! De fato, muitos dos membros chegavam a entender que o apelo era o meio primário que a igreja usava para alcançar os perdidos. Eles viam o apelo como sinônimo de evangelismo.

Por que não fazer apelo?

Tenho certeza de que muitos que fazem apelo têm as melhores intenções. No início dos anos noventa, eu frequentei uma igreja cujo pastor terminava o culto convidando cada um na congregação a fechar os olhos e curvar as cabeças. Em seguida, ele convidava qualquer um que quisesse receber a Cristo a levantar a mão e olhar para o púlpito. Por cerca de trinta segundos o pastor observava o salão, notava as mãos levantadas e, com uma voz calma e tranquilizante, dizia: “Sim, irmão, eu vejo você. Muito bom, irmã. Amém”, etc. Creio que esse pastor queria o melhor para aqueles desejosos.

No entanto, estou convencido de que o apelo faz mais mal do que bem. A prática de conceder às pessoas imediata garantia de salvação — sem ter o trabalho de testar a credibilidade da profissão delas — parece, na melhor das hipóteses, insensata, e na pior, escandalosa. É insensata porque o pastor não é capaz de conhecer suficientemente a pessoa que ele está prestes a afirmar como cristã. É escandalosa porque substitui a porta estreita e apertada designada pelo nosso Salvador (Mc 8.34; Mt 7.14) por uma porta larga e espaçosa designada por nós. Com a melhor das intenções, aqueles que praticam o apelo deram a pessoas não salvas a falsa confiança de que elas realmente conhecem Jesus. [1]

Mas isso não é tudo. O apelo tem a tendência de colocar o foco da congregação no lugar errado. Após a Palavra ser pregada, tanto membros quanto visitantes devem examinar seus próprios corações. Todos devem dar séria atenção a como a mensagem o chama a responder. Contudo, o apelo, ironicamente, tende a produzir a resposta oposta. Em vez de autoexame, ele leva ao exame dos outros. As pessoas olham para os lados imaginando quem irá à frente. E se ninguém se move? Imagina-se que o pastor falhou? Ou pior, que Deus tirou o dia de folga?

Essas são apenas algumas razões pelas quais penso que é insensatez usar o apelo como evangelismo.

Como evangelizar sem apelo

Como um pastor que rejeita o apelo deve pensar sobre evangelismo em um culto público? Em outras palavras, como um culto marcado pelo zelo evangelístico deve se parecer? Aqui vão sete respostas pelas quais me empenho ao máximo nos cultos que dirijo:

1. Seja diligente

Seja diligente. Embora não haja nada mais importante para um pregador do que a fidelidade à verdade do evangelho, a diligência deve vir logo após. Deus usa homens cujos corações são convencidos pela tragédia do pecado e a realidade da salvação. Até que a doutrina da maravilhosa graça de Deus tenha se estabelecido no sangue do pregador, ela nunca flamejará em seus lábios.

2. Seja claro a respeito do evangelho

Seja claro a respeito do evangelho. Toda passagem da escritura é um texto do evangelho. Em todo livro de Ester, o nome de Deus nunca é mencionado, e ainda assim sua obra está em cada página. Um pastor que quer ver pecadores salvos ensinará fielmente a Bíblia, mostrando à sua congregação como a pessoa e a obra de Cristo é o assunto de cada texto.

3. Chame as pessoas ao arrependimento e à fé

Chame as pessoas ao arrependimento e a crer. Existe um lugar em cada sermão em que o pastor deve convidar os pecadores a encontrar esperança em Cristo. Tão frequentemente ouço sermões que terminam com um chamado à mordomia, um chamado ao risco, um chamado à fidelidade — mas nem sequer uma vez um chamado a Cristo. O pregador deve cuidadosa e apaixonadamente instar seus ouvintes a arrepender-se e crer nas boas novas, a submeter suas vidas ao Cristo Rei.

4. Crie espaço para conversas de acompanhamento

Crie espaço para conversas de acompanhamento. Quando eu prego o evangelho durante meus sermões, quero que os incrédulos saibam que estou ansioso para falar mais da fé que acabo de compartilhar. Assim, me disponibilizo após o culto para conversar a respeito do evangelho e suas implicações.

Outros pastores com os quais tenho conversado convidam os desejosos a uma sala especial após o culto para orar ou conversar. Spurgeon disponibilizava duas tardes de terça-feira por mês para aconselhar desejosos e recém-convertidos.[2] Como quer que você decida fazer, dê oportunidades para as pessoas conversarem mais pessoalmente a respeito do que você acaba de pregar.

5. Ofereça estudos evangelísticos

Ofereça estudos evangelísticos. Eu frequentemente aviso aos desejosos que eles estão convidados a comparecer a um estudo curto e franco que explica as bases da fé cristã. O estudo que eu uso é o Christianity Explained, um estudo de seis semanas pelo Evangelho de Marcos publicado pela Good Book Company. Cheguei à conclusão de que essa é uma introdução inestimável ao evangelho. De fato, o treinamento em como liderar esse estudo se tornou uma classe de extrema importância em minha igreja.

6. Dê muita importância aos batismos

Dê muita importância aos batismos. É claro, batismos já são muito importantes. Nós devemos reconhecer que cada batismo é uma oportunidade de mostrar à congregação que Deus está operando ao edificar sua igreja.

Em nossa igreja, nós pedimos que cada candidato ao batismo compartilhe seu testemunho com a congregação. Eu nunca exigi isso, mas ninguém nunca disse não. Esses novos cristãos são ardentes para testificar da graça de Deus, e os desejosos são levados a questionar sua própria resposta ao evangelho.

7. Ore

Finalmente, ore. Na oração pastoral e até na oração final, eu regularmente oro para que os desejosos se arrependam e creiam no evangelho. Eu oro para que eles submetam suas vidas a Cristo, vencendo quaisquer obstáculos que veem no caminho. Eu oro para que Deus se faça conhecido por atrair para si pecadores hoje mesmo.

Como você pode observar, eu não faço apelo na igreja em que sirvo, mas eu apelo todo domingo que pecadores venham a Cristo. Que desejemos ver santos em nossas congregações encorajados pelo evangelho e desejosos convencidos de sua necessidade de se arrepender e crer nas boas novas de Deus.

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Notas:
1. Para um tratado detalhado dos perigos do apelo, leia Erroll Hulse, The Great Invitation: Examining the Use of the Altar Call in Evangelism (Audoban Press, 2006) e D. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores (Editora Fiel, 1976), capítulo 14.
2. Arnold Dallimore, A New Biography (Banner of Truth, 1985), 80.

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Fonte: 9Marks
Tradução: Alan Cristie
Revisão: Renata do Espírito Santo
Via: Ministério Fiel | Voltemos ao Evangelho

quinta-feira, 28 de agosto de 2014



Por Álvaro Rodrigues


A doutrina da graça irresistível é o quarto dos cinco pontos da soteriologia calvinista. É um ensino que está conectado com a Depravação total. Creio que só passamos a entender o conceito de graça irresistível quando levamos em conta a terrível condição do homem após a queda. Esta condição a qual nos referimos não é outra, senão a incapacidade deste homem de, por si mesmo, se salvar. Esta inabilidade é, então, a depravação total, que é o primeiro dos cinco pontos da soteriologia calvinista. O nosso objetivo, no entanto, não é tratar em específico da depravação total, mas sim da graça irresistível, respondendo à algumas objeções contrárias a esta preciosa doutrina. Assim sendo, começaremos definindo o que seria graça irresistível, e em seguida responderemos a tais objeções.

Definição

A graça irresistível refere-se a eficácia da graça de Cristo em transformar e regenerar por meio da pregação aqueles que foram incondicionalmente eleitos pelo Pai (Jo 5:21-25, 6:44, Mt 11:25-27, Rm 8:30). Para ser mais claro, podemos dizer que a graça irresistível é a confirmação no tempo da eleição efetuada por Deus antes da fundação do mundo. Como também é a comprovação de que os propósitos Deus jamais poderão ser impedidos ou frustrados pelos seres humanos. Esta graça irresistível (eficaz) é o chamado interno, que é feito pelo Espírito Santo aos eleitos. Este chamado, portanto, se distingue do chamado externo que é feito através da pregação do evangelho (At 16:14, 1 Co 1:24, Rm 8:30). Este chamado interno sobrepuja a resistência do homem que, naturalmente, é depravado e inimigo de Deus. Isto posto, aprendemos que somente este ensino é coerente com a realidade da depravação, pois não haveria outra maneira do homem se salvar, a não ser por um milagre regenerador conhecido por graça irresistível (Jo 1:12-13, 6:44, At 16:14).

Objeções à doutrina

Alguns arminianos e anti-calvinistas tem levantado objeções contra esta doutrina. Vejamos duas das principais objeções, seguidas com as devidas respostas.

1ª objeção: “A graça irresistível é um erro, pois implica dizer que Deus concede a graça salvífica  apulso, por força ou violência, para os tais eleitos”.

Resposta: Tal objeção não faz o menor sentido. Por que? Simples, quando se usa expressões tais como “salvar na marra, apulso ou por violência” isto implica em resistência ou relutância da parte de quem, no momento, está sofrendo a ação. Mas a graça irresistível não ensina que, enquanto Deus está regenerando, o homem se encontra resistindo a tal regeneração, como se Deus dissesse “eu estou neste momento te transformado”, e o homem replicasse “não, não, pare com isto”. Claro, bem sabemos que o homem não-regenerado é inimigo de Deus e a resistência às coisas de Deus é algo comum em sua vida. Porém a resistência natural deste homem às coisas de Deus é anterior ao momento em que a regeneração está sendo efetuada. Em outras palavras, não há resistência à obra regeneradora no momento em que ela está acontecendo; a resistência é anterior ao momento. A resistência é ao chamado externo, ou a pregação. Deus salva eficazmente, de uma forma tão gloriosa, que em momento algum a vontade do homem é violentada. Simplesmente há uma mudança no coração do homem. Deus, milagrosamente, transforma o coração de pedra, que é naturalmente indisposto a crer, em um coração de carne que é disposto a crer. Este milagre é maravilhosamente descrito pelo profeta Ezequiel.

E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis. E habitareis na terra que eu dei a vossos pais e vós sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus. (Ez 36:26-28)

Mas se mesmo depois de o arminiano ter lido esta argumentação, e continuar afirmando que a graça irresistível é inconsistente, visto que violenta a vontade humana, eu poderei também dizer que o arminianismo, com a sua incoerente regeneração parcial, também sofre do mesmo problema. No arminianismo, os homens são incapazes de crer, e por serem incapazes, Deus tem regenerado parcialmente os homens que são alcançados pelo evangelho, e faz isto sem considerar a escolha dos homens de quererem ser ou não regenerados parcialmente. Ora, como alguém foi transformado parcialmente sem nunca ter pedido tal transformação e mesmo assim não ser uma transformação que violenta a vontade da criatura? Se Deus não considerou a liberdade da criatura, foi na marra que Ele a regenerou parcialmente? A regeneração parcial é uma graça preparatória dada por Deus aos homens de uma forma que violenta a vontade desses homens?

E não fará sentido o arminiano dizer que Deus concedeu a regeneração aos homens, visto que estes escolheram recebê-la. Por que? Simples, no arminianismo é impossível escolher sem antes ser regenerado parcialmente. Os arminianos acreditam em livre-arbítrio libertário, isto é, um arbítrio que tornou-se livre após a ação da regeneração parcial.

Observação: Qualquer bom entendedor saberá que não estou dizendo que o arminianismo ensina uma regeneração parcial na marra. E eles podem até mesmo usar o nosso argumento acima para defender que não há violência nenhuma da parte de Deus sendo dirigida a vontade humana. Então, a minha questão é dizer que: se há incoerência com a graça irresistível, então há também com a regeneração parcial arminiana. 

2ª objeção: “A graça irresistível é falsa, pois a bíblia claramente ensina que muitos tem resistido a graça de Deus”.

Um versículo muito utilizado pelos arminianos na tentativa de sustentar esta objeção é Atos 7:25. Vejamos o texto: 

Atos 7:25 “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e ouvidos, vós sempre  resistis ao Espírito Santo ; assim, vós sois como vossos pais”. 

Resposta: Primeiramente, levando em conta todo o contexto do versículo, o resistir ao Espírito Santo aqui é primeiramente uma referência aos Israelitas, que assim como os seus pais, que constantemente  rejeitavam os anúncios e ordens dos profetas do Antigo Testamento (que foram incumbidos por Deus de anunciarem o arrependimento, mediante os preceitos descritos na Lei), eles agora resistiam da mesma forma a ordem de arrependimento, dada pelos evangelistas e apóstolos, mediante a pregação do evangelho.

Em segundo lugar, para entendermos que o texto não ensina que a vontade de Deus pode ser frustrada pelo querer humano, se faz necessário expor os dois aspectos  da vontade de Deus, tais como: o “prescritivo e o decretivo”. O primeiro é uma referência aquilo que Deus quis que seriam os seus mandamentos; estes mandamentos são constantemente resistidos. O segundo é com referência ao plano eterno de Deus; aquilo que Ele soberanamente decidiu fazer ou decretar. Tendo então esta distinção em mente, entendemos que o problema aparente do versículo em questão é solucionado. Vejamos então o que a Escritura nos revela.

Na Bíblia vemos Deus decretando algo que Ele, em seus mandamentos, não ordena. Por exemplo, Ele de forma nenhuma, em seus mandamentos, ordenou Pilatos, Herodes, os Judeus e gentios, matarem à Cristo. Muito pelo contrário, Ele em seus mandamentos diz “não matarás” (Ex 20:13) Porém, sabemos que a mesma Escritura nos revela que Ele decretou a morte de Seu Filho juntando todos estes personagens “para fazerem tudo o que a Sua mão e conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer” (At 4:28). Ou seja, neste versículo fica claro que Deus decretou a morte de Cristo, e isto usando meios. E os meios são os próprios os homens os quais Ele ordena “não matarás”.

Em Ex 20:16 Deus, em seus mandamentos (aspecto prescritivo), condena de forma clara a mentira. Porém Ele mesmo enganou um profeta (aspecto decretivo) em determinada ocasião para o cumprimento de seus propósitos (Ez. 14:9,10). E também fez o mesmo com Acabe, quando pôs o espírito de mentira (aspecto decretivo) na boca dos profetas para enganá-lo, dizendo que ele (Acabe) venceria a batalha, sendo que isto jamais aconteceria (1 Rs 22:19-23).

Em Ex 4:21-23 o Senhor ordena que Faraó (aspecto prescritivo) deixe o povo de Israel ir. Mas no cap. 8:1 o Senhor diz que endurecerá o coração de Faraó (aspecto decretivo) para que não deixe ir o povo. Ou seja, Deus decretando algo que Ele nunca ordenou.

Cristo, em Mc 16:15, nos ordena pregar o evangelho a toda a criatura (aspecto prescritivo). Entretanto, nem sempre é de sua vontade que isto aconteça (Tg 4:15), como é o caso de Paulo e seus companheiros que foram impedidos, pelo Espírito Santo, de pregar o evangelho na Ásia e Bitínia (At 17:6,7).

A ordem de Deus (aspecto prescritivo), era que os irmãos de José deveriam amá-lo e não vendê-lo como escravo. Porém, o próprio José diz Assim não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa, e como regente em toda a terra do Egito” (Gn 45:8).

Existem vários outros textos na Bíblia que comprovam estas verdades. Mas creio que estes são suficientes para comprovar o que estamos defendendo.

Diante destes exemplos, e do claro ensino bíblico da vontade de Deus, entendemos então que o “resistir ao Espírito Santo” não quer dizer que Deus desejava salvar alguém e este alguém frustrou os Seus planos. O texto fala simplesmente do aspecto prescritivo da vontade de Deus que é “ordenar a todos os homens o arrependimento” (At 17:30). Isto é, Deus desejou que os profetas e apóstolos pregassem o arrependimento, o que não quer dizer que Deus queria o arrependimento dos que jamais se arrependeriam. O ato de resistir aos profetas significa resistir ao aspecto prescritivo da vontade de Deus; aspecto este que tinha como único objetivo ORDENAR O ARREPENDIMENTO. Em última instância, o que há no texto é um “resistir da ordem para se arrepender” e não um resistir “à vontade de Deus para salvar”. Há uma enorme diferença entre “Deus querer ordenar o arrependimento” e “querer salvar”. Na Bíblia, em certas ocasiões, a ordem de arrependimento feita por Deus através da Lei e do evangelho, tem a finalidade de endurecer ainda mais o réprobo (Is 6: 9-11, Mc 4:11,12, 2 Co 2:15-18).

Dito essas coisas, podemos então entender que os dois aspectos (prescritivo e decretivo) da vontade de Deus resolvem o dilema do texto em questão. Logo, os interpretes que insistem na ideia errada de que a vontade de Deus pode ser frustrada pelo querer humano, terão problemas com textos tais como: 

Bem sei eu que tudo podes, e NENHUM DOS TEUS PROPÓSITOS podem ser impedidos”. (Jó 42:2)

Para o arminiano, Deus tem um propósito, um desejo e um anseio pela salvação de todos os homens. E como Deus quer a salvação de todos, o Espírito Santo faz de tudo para convencer todos os homens. Porém, tais ensinos vão de encontro ao que Jó, inspirado pelo Espírito de Deus, afirmou aqui. O servo de Deus deixa claro que, se Deus tem um propósito ou um pensamento, Ele fará conforme o que pensou. Então, se Ele pensou em salvar, Ele de fato salvará. Mas como nem todos são salvos, conclui-se que Ele nunca pensou em salvar a todos.

O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará.” Isaías 14:24

Novamente a Escritura, através de Isaías afirma que o que Deus deseja e pensa, Ele faz. Os decretos divinos não estão sujeitos às ações dos homens como ensina o arminianismo. 

Assim será a minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei.” Isaías 55:11 

Aqui a Escritura dá testemunho da eficácia da palavra de Deus, quando afirma que a mesma alcançará os resultados que Deus quer. Ora, se eu digo que por Deus ordenar o arrependimento de todos, Ele objetiva com isto a salvação de todos, logo tais objetivos não foram atingidos. Afinal, nem todos foram ou serão salvos. Entretanto, está claro que Deus faz toda a sua vontade, sendo assim, a graça salvífica ou irresistível não pode ser frustrada.

Eu anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; Eu digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade” (Isaías 46:10).

Mais uma vez fica evidente o fato de que Deus fará toda a sua vontade. Se Ele então tem a vontade de salvar a todos, logo todos serão salvos. Então, se insistirmos que é da vontade Dele a salvação de todos, estaremos dizendo que os propósitos de Deus foram derrubados pelo querer do homem. 

Conclusão

Penso então que se considerarmos tudo o que já foi escrito, não poderemos continuar crendo no ensino de que Deus pode desejar a salvação de alguém sendo que tal desejo não é concretizado. A graça irresistível é, portanto, uma graça triunfante; ela é a demostração de que Deus é soberano em regenerar os eleitos, objetivando com isto a salvação dos tais. Podemos então concluir dizendo que: a graça irresistível, de forma alguma, prega uma salvação na marra, apulso, ou que viola a vontade da criatura. Que a graça irresistível é a confirmação de que a vontade de Deus é, e sempre será realizada. E que até mesmo o aspecto prescritivo da vontade de Deus que é resistido, é resistido por que Deus em seu decreto assim o quer. De sorte que Deus continua e continuará soberano sobre todas as coisas.

Soli Deo Gloria

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Fonte: A suficiência das Escrituras
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Por Thomas Magnum


É claro que minha intensão nesse artigo não é trabalhar anacronicamente com relação ao reformador genebrino e a teologia da prosperidade. Mas não podemos negar que os reformadores no século dezesseis já tinham problemas com alguns hereges que gostavam de infiltrar certos tipos de heresias no meio da igreja Deus. O exemplo disso são os que defendiam revelações extrabíblicas nos dias de Lutero, afirmando que a bíblia não era suficiente [1].

Tenho por grande apreço ler as Institutas de Calvino, por esses dias meditando no que o reformador diz sobre a fé no terceiro livro, me debrucei sobre o trecho que diz:
Pois a fé certamente não promete nem longevidade nesta vida, nem honra, nem riquezas – uma vez que o Senhor não nos quis oferecer nenhuma dessas coisas –, mas se dá por satisfeita com a certeza de que, por mais que nos faltem muitas coisas que dizem respeito ao sustento desta vida, Deus não nos há de faltar jamais [2].

A fé defendida pelos pensadores da teologia da prosperidade tem por fundamento o pensamento positivo, a confissão positiva. Esse tipo de fé ou crença fundamenta-se no próprio homem, é uma fé psicologizada, humanista, que retorna a si num ciclo vicioso. Essa crença não tem nenhuma ligação com o que a Bíblia fala sobre a fé que repousa na vontade soberana de Deus. Nossa fé não é uma coleira posta em Deus, que lhe obriga fazer tudo que pedimos, como afirma a confissão positiva. Calvino refletia na fé como um dom de Deus (Ef 2.8), como sistema de doutrinas (I Tm 4.1), como o agarrar-se em Deus (Jo 3.16). A palavra fé e suas correlatas no Antigo Testamento equivalem à confiança e é encontrada mais de cento e cinquenta vezes. O Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento nos diz:
A fé em Deus significa, para Jesus, o estar aberto às possibilidades que Deus apresenta (cf. Mc 11.22: eehete pistin theouy “tende fé em Deus”). Inclui, também, o contar com Deus, que não se contenta apenas com a coisa dada e o evento acontecido. Expressões tais como: echein pistin theou (“ter fé em Deus, Mc 11.22) e prostithenai pistin (“aumentar a fé”, Lc 17.5) mostram como foi entendido o ensinamento de Jesus a respeito da fé. Havia um tipo especial de fé em Deus, ou seja, a fé em Jesus. A antítese entre pequeno e grande (Lc 17.6; Mt 17.20) apresenta um contraste entre a atitude humana e a grandeza da promessa. O que ocorre dentro do homem é pequeno em comparação com a grandeza que vem de Deus. Mesmo assim, Jesus falava de uma fé ilimitada como quem descreve algo novo. Não edificava sobre alguma coisa já existente: Sua base era uma coisa nova. Apesar disto, Seu ensino era bem diferente do entusiasmo desenfreado, porque não se divorciava do constante esforçar-se com Deus e do conversar com Ele. Ficava dentro do círculo da confiança (heb. bittahori) e do conhecimento (dalat). Jesus Se voltava para o indivíduo, porque Seu povo, como um todo, era conclamado à decisão da fé (Lc 19.42). As declarações que se fazem acerca da fé, na tradição sinótica, sempre são qualificadas. Aqui talvez se possa perceber influências posteriores (cf. o imperativo metanoeite, “arrependei-vos”, à luz do recebimento da mensagem da salvação). Não se deve, no entanto, esquecer-se de que toda conclamação e declaração da parte de Jesus continha os elementos da fé, da confiança, do conhecimento, da decisão, da obediência e da auto-direção. Não se pode entender a pregação de Jesus à parte dos aspectos multilaterais da fé (heb. *emunah) e confiança (heb. bittahori). A fé de Jesus era dirigida para a realidade. Estava profundamente envolvida no ato do viver, e estava num plano completamente diferente de abstrações hipotéticas. [3]

Portanto a fé em Deus não é uma mágica ocultista, não é uma abstração do poder interior ou a expressão de um sentimento mitológico de poder que provem do homem. A fé repousa em Deus que é o próprio autor dela (Hb 11.1), a fé é dada ao homem (Ef 2.8), embora essa fé precise ser posta em Deus por atitude do ser criado, ela provém do próprio Deus. Então, nossa fé não depende do que temos. Nossa felicidade não é proveniente do que Deus nos deu ou não, mas é equipada e sossegada no ser de Deus. Calvino continua:
Quaisquer que sejam as misérias e calamidades que atinjam na terra aos que Deus abraçou com seu amor, estas não podem, porém, impedir que sua benevolência seja para eles felicidade plena. Por isso, quando quisermos exprimir a suma felicidade, pusemos a graça de Deus como um manancial do qual brotam para nós bens de todos os tipos [4].

Esse manancial de bênçãos para o povo eleito de Deus é sua graça benevolente e soberana. Ao contrário do que os adeptos da teologia da prosperidade afirmam, lemos o que diz Habacuque:
Porque ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; ainda que decepcione o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja gado; Todavia eu me alegrarei no SENHOR; exultarei no Deus da minha salvação. O SENHOR Deus é a minha força, e fará os meus pés como os das cervas, e me fará andar sobre as minhas alturas” [5].

Ainda continuamos a ler o que Calvino diz em seu comentário expositivo de Hebreus:
O Senhor prontamente e ao mesmo tempo encoraja nossa fé e subjuga nossa carne. Ele deseja que nossa fé permaneça serena e repouse como se estivesse em segurança, num sólido abrigo. Ele exercita nossa carne com várias provas a fim de que ela não se precipite na indolência [6]. 

Ao refletir sobre o repouso da fé na soberana vontade de Deus, entendemos que ele ouve nossas orações, mas, isso não é garantia que ele responderá positivamente a tudo que queremos, vide a passagem de I João:

E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa, segundo a sua vontade, ele nos ouve. E, se sabemos que nos ouve em tudo o que pedimos, sabemos que alcançamos as petições que lhe fizemos.” I Jo 5.14,15

Lemos ainda no Antigo Testamento:

Tu, pois, não ores por este povo, nem levante por ele clamor ou oração, nem me supliques, porque eu não te ouvirei. Jeremias 7.16

Com isso, fica claro para nós que Deus é Senhor de nossas vidas, ele nos dirige os passos e nos concede graciosamente o dom da vida.

Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração. Atos 17.28

A vontade de Deus é tremenda e soberana como já dissemos, desejo finalizar com o Salmo 29, que nos convoca a tributar ao Senhor glória e força, pois sua voz se ouve sobre tudo e todos. Sua vontade majestosa reina para sempre:

DAI ao SENHOR, ó filhos dos poderosos, dai ao SENHOR glória e força. Dai ao SENHOR a glória devida ao seu nome, adorai o SENHOR na beleza da santidade. A voz do SENHOR ouve-se sobre as suas águas; o Deus da glória troveja; o SENHOR está sobre as muitas águas. A voz do SENHOR é poderosa; a voz do SENHOR é cheia de majestade. A voz do SENHOR quebra os cedros; sim, o SENHOR quebra os cedros do Líbano. Ele os faz saltar como um bezerro; ao Líbano e Siriom, como filhotes de bois selvagens. A voz do SENHOR separa as labaredas do fogo. A voz do SENHOR faz tremer o deserto; o SENHOR faz tremer o deserto de Cades. A voz do SENHOR faz parir as cervas, e descobre as brenhas; e no seu templo cada um fala da sua glória. O SENHOR se assentou sobre o dilúvio; o SENHOR se assenta como Rei, perpetuamente. O SENHOR dará força ao seu povo; o SENHOR abençoará o seu povo com paz.

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Notas:
[1] História da Igreja Cristã, Robert H. Nichors – Ed. Cultura Cristã
[2] As Institutas da Religião Cristã, João Calvino – Ed. Unesp
[3] Dicionário Internacional de Teologia do NT – Ed. Vida Nova
[4] As Institutas da Religião Cristã, João Calvino – Ed. Unesp
[5] Bíblia Sagrada, Almeida RA – Habacuque 3.17-19.
[6] Comentário Expositivo de Hebreus, João Calvino – Ed. Fiel.

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Divulgação: Bereianos
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Por Rev. Augustus Nicodemus Lopes


Confesso que no fundo de meu coração tenho medo de um dia vir a afastar-me de Deus e de Sua verdade.

Tenho medo, explico, porque vejo no fundo de meu coração uma tendência constante para afastar-me de Deus. Sinto que a tentação para a heterodoxia e para a liberação total são perigos reais que me cercam diariamente. Vejo com muita clareza que submeter-me às Escrituras e crer em Deus é um milagre na minha vida.

Vi a apostasia acontecer muito de perto ao longo da minha vida. Um famoso professor de Bíblia do Recife, que foi a pessoa que me encaminhou ao seminário, abandonou a fé cristã depois de trair a mulher e abandoná-la com nove filhos. Eu estava no primeiro ano! Três colegas meus de classe, no seminário, entre os mais brilhantes da turma, hoje nem professam mais o cristianismo. Um jovem promissor que chegou ao Evangelho por minha instrumentalidade, e que posteriormente chegou até a estudar no L’Abri, com Francis Schaeffer, renegou o cristianismo histórico. Uma conhecida minha, desde a infância, que é missionária no estrangeiro, acaba de comunicar aos pais que não é mais cristã, depois de começar a viver com um homem casado. Líderes que conheci e admirei e segui durante os primeiros anos de minha vida, não deixaram as denominações evangélicas, mas já não crêem mais naquilo que me ensinaram.

Há advertências constantes nas Escrituras contra a apostasia. Apostatar significa afastar-se da verdade de Deus revelada nas Escrituras, como resultado de uma mudança de pensamento, e levantar-se em rebelião aberta contra ela. O que leva uma pessoa a fazer tudo isso, a abandonar a fé bíblica, seguir a heterodoxia, renegar os valores morais do cristianismo e pregar a liberação total?

Não pretendo entrar aqui na delicada questão acerca da salvação do apóstata. Talvez noutro post eu tente esclarecer os motivos para acreditar que um apóstata, no sentido real da palavra, nunca foi verdadeiramente salvo. Creio na perseverança final dos santos, dos eleitos.

O que eu gostaria é de inquirir acerca dos motivos que levam uma pessoa a abandonar a fé histórica do Cristianismo, após ter pregado e defendido essa fé por muito tempo. É evidente que não poderei inquirir aqui sobre os desígnios misteriosos de Deus. A minha inquirição é apenas psicológica, espiritual e teológica.

O Novo Testamento nos dá vários motivos pelos quais as pessoas se desviam da fé. Na parábola do semeador, lemos acerca dos que creram por um tempo e depois se desviaram, por causa dos cuidados desse mundo e por causa das perseguições que começaram a experimentar por causa do Evangelho. São aqueles que não acolheram sinceramente a verdade para serem salvos. A eles, o próprio Deus envia a operação do erro e da mentira (2Ts 2.9-11). Há também os que, depois de algum tempo, passaram a dar ouvidos a doutrinas de demônios (1Tm 4.1). Outros, se desviaram da fé para professar uma doutrina que acharam que era mais intelectual (1Tm 6.20-21). Com mais freqüência, há os que foram levados pela cobiça, como Judas, Balaão e Demas, que amou o presente mundo. A demora, a relutância, a indolência e a negligência em romper definitivamente com o pecado e o erro são causas prováveis de apostasia, conforme o autor de Hebreus ensina em toda a sua carta. Ele avisa que a dureza de coração e a incredulidade são capazes de afastar alguém do Deus vivo (Hb 3.12-13).

Em resumo, os motivos externos são vários: amor ao dinheiro, orgulho, problemas morais não resolvidos, vaidade intelectual, falta de coragem para assumir a verdade e desejo de novidades. A raiz de tudo isso, ao meu ver, é a falta de um coração regenerado, um motivo que os autores bíblicos estão sempre prontos a admitir.

O apóstata pode permanecer muitos anos na igreja e no ministério cristão sem jamais revelar a apostasia que já aconteceu em seu coração. Outros, assumem a apostasia e rompem abertamente com a fé cristã histórica, e geralmente adotam outras doutrinas que mesmo aparecendo com cara de novas e revestidas de respeitabilidade intelectual, nada mais são que as velhas heresias teológicas e morais que a Igreja já enfrentou ao longo dos anos. Eu não me espantaria se por detrás dos grandes desvios teológicos da história encontrássemos pecados não resolvidos, orgulho, vaidade intelectual, soberba, dureza de coração e – obviamente – corações não regenerados. É claro que nunca saberemos ao certo. A história não registra essas coisas que sempre são abafadas, escondidas e quase nunca declaradas.

Até onde entendo, só há uma coisa que mantém o cristão na verdade: o temor a Deus, a humildade e um coração quebrantado. Os que verdadeiramente se humilham diante de Deus e tremem de sua Palavra, mesmo que errem em pontos secundários, que caiam eventualmente em pecados, jamais se afastarão definitivamente de Deus e da sua palavra. O verdadeiro crente não pode mais abandonar a Deus. Nem que queira. Nem que em momentos terríveis diga a Deus que nunca mais o servirá. Ele acaba voltando. O apóstata vence essa barreira. Ele consegue passar o limite. Ele consegue pular a cerca. Ele não receia o que poderá acontecer. Pois no fundo ele realmente não acredita.

A apostasia é uma realidade muito mais presente nos meios evangélicos brasileiros do que se deseja perceber. O falso conceito de tolerância, o relativismo, a falta de convicções doutrinárias, o liberalismo teológico travestido de ciência, tudo isso favorece um quadro cinza e enevoado onde os contornos do verdadeiro Cristianismo não são percebidos com clareza. À noite, todos os gatos são pardos.

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Fonte: PIPG
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Por Paulo Ribeiro


"Se Deus pré destinasse as ações humanas não seriam necessárias exortações, e a Bíblia está repleta delas!".

Essa é uma afirmação que ouço frequentemente de quem não gosta da doutrina dos decretos segundo o pensamento reformado, de quem não a entende ou de quem simplesmente se incomoda com a existência de um Deus que interage com sua criação dirigindo-a segundo o seu propósito ao invés de deixá-la movimentar-se ao impulso da contingência. 

Muitos dos que afirmam frases como essa também não gostam de pensar em um Deus deste tipo pois este modus operandi faria dele um Deus "controlador", transgressor do arbítrio humano, e isso é inconcebível para muitos. Um Deus que rege sua criação DETERMINANDO o curso de cada uma das partes dela e, inclusive, as vontades de suas criaturas inteligentes, pode assemelhar-se a um "deus violador" (me desculpem a força do termo, mas estou amenizando o peso da analogia que já ouvi) e o resultado de tal ação imanente pode igualar-se ao que os filósofos chamam de fatalismo.

A doutrina dos decretos de Deus afirma, em poucas palavras, que Deus decretou todas as coisas, inclusive o mal, desde a eternidade; não somente os acontecimentos finais que se conformem à Sua vontade última, mas cada meio e processo pelos quais o Senhor atua em sua criação, conduzindo-a segundo seu propósito soberano. Os decretos são imutáveis pois erguem-se a partir de um Deus imutável, e compõem, em última análise, um só decreto eterno que engloba todas as coisas. Deus diz em Isaías: "... Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará" (Is 14.24) e Paulo afirma que Deus "faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade" (Ef 1.11). Textos bíblicos como estes, entre tantos outros por toda a Escritura, apontam e elucidam a doutrina pela qual afirmamos a absoluta soberania de Deus e seu absoluto controle sobre sua criação.

Diante disso, confesso minha dificuldade em entender o repúdio dos referidos inquiridores pelo ensino de que a soberania de Deus atinge completamente a todas as coisas. Também acho difícil conceber que alguém se oponha à verdade bíblica de que não pode haver outra forma plausível por meio da qual Deus se relaciona com sua criação senão através de uma direção positiva, deliberada, poderosa, teleológica (que visa a propósitos pré-definidos) e soberanamente controladora; sim, controladora. Porém, tentarei elencar algumas objeções trazidas à doutrina bíblica de que Deus decreta não somente o curso da história como opera nas vontades de suas criaturas racionais, persuadindo-as segundo o beneplácito de sua soberana vontade.

Uma das objeções, como antecipamos, é a de que uma influência absolutamente controladora como esta que defendemos resultaria em um "fatalismo teísta". Mas isso é totalmente falso e facilmente refutado. Na doutrina filosófica do fatalismo, o que determina o curso da história é o acaso ou uma certa "inteligência" cega e impessoal. Na doutrina bíblica, Deus, um Ser pessoal, poderoso, amoroso e inteligente é quem determina os rumos da história de acordo com seus propósitos (Sl 33.9; Jó 23.13,14). No fatalismo, somente os fins são considerados. Na doutrina bíblica, Deus não somente decreta os fins, mas os meios pelos quais os Seus fins são levados à cabo (Ef 1.11) - isso será muito importante logo adiante. Dessa forma, a doutrina dos decretos em nada se assemelha a uma interpretação fatalista sobre a influência de Deus na história. E afirmar o contrário é blasfêmia.

Outra objeção comum que se faz à doutrina reformada dos decretos é que o substrato de suas proposições é incoerente com o livre-arbítrio do homem e faz de Deus o autor do pecado. Com efeito, essa objeção também pode ser refutada. Em primeiro lugar, a Bíblia não afirma que o homem possui livre-arbítrio. Pelo contrário, a Sagrada Escritura mostra claramente o homem como escravo de suas paixões pecaminosas (Ef 2.1-3; Rm 7.14-21). Em segundo, se procurássemos compreender a extensão plena dos decretos divinos em fusão à livre-agência dos homens (qualidade intelectual de o homem tomar decisões, sempre dentro das capacidades e limitações de sua natureza), arrogaríamos nada além de frustração para nós mesmos. Nosso intelecto é finito e imperfeito, e sofre com o que Alvin Platinga chamou de "efeitos noéticos do pecado". Portanto, não podemos enquadrar a ação divina concebendo-a ou descrevendo-a segundo nossa limitada percepção, mas devemos nos submeter ao que o Senhor nos revela em sua Palavra, e Ele nos mostra que, ao mesmo tempo em que opera nas vontades de suas criaturas racionais (Êx 7.3; Is 6.9,10; At 2.23; 4.28; Rm 9.18), a elas é atribuída a responsabilidade por seus atos, precisamente pelo fato de serem racionais! Lucas, em Atos 2.23 diz que Jesus morreu pelo desígnio eterno de Deus embora a culpa pelo assassinato de Jesus tenha sido atribuída aos judeus (At 3.15), e Tiago 1.13 diz que Deus não tenta ninguém. Em suma, a doutrina dos decretos divinos não interfere no suposto livre-arbítrio humano simplesmente porque este livre-arbítrio não existe; e tal doutrina não torna Deus o autor do pecado porque o mal é operado por agentes morais, racionais e que têm diante de si um amplo testemunho da existência de Deus pelo qual eles são indesculpáveis (Rm 1.20). Se não conseguimos entender de que maneira Deus pode ter decretado todas as coisas e, ao mesmo tempo, não poder ser culpado pelo pecado, devemos calar-nos diante da Escritura e não sucumbir ao desejo de reduzir seu ensinamento às categorias de nosso entendimento.

Há ainda outra objeção à doutrina dos decretos conforme a Bíblia a expõe, e é precisamente aquela que abre a discussão deste artigo: "Se Deus decretasse de antemão todas as ações dos homens, não seriam necessárias as incontáveis passagens bíblicas que nos exortam a tomar esta ou aquela medida, esta ou aquela decisão ou escolher entre este ou aquele caminho". Ora, mais uma vez a própria Escritura responde a esta objeção. Quanto às exortações divinas gerais, dirigidas a todos os homens (eleitos e não-eleitos), Deus aponta sua vontade simplesmente porque lhe é servido (I) reivindicar seus direitos reais e soberanos sobre o pecador, (II) revelar seus atributos e propósitos de uma forma mais específica, translúcida, clara e persuasiva, (III) chamar pecadores ao arrependimento e à fé e (IV) acentuar sua justiça e a condenação dos que, tendo ouvido a pregação da Palavra, rejeitarem o chamado à salvação, ficando ainda mais expostos à ira escatológica de Nosso Senhor.

Contudo, a Palavra de Deus desempenha um papel especial no coração dos regenerados. Ela é instrumento de seu Santo Espírito na santificação, consolo, encorajamento e direcionamento do povo da aliança. Paulo, aos Tessalonicenses, afirma que a Palavra de Deus atua eficazmente nos que creem (1Ts 2.13). Pedro mostra enfaticamente a instrumentalidade da Palavra na transformação do caráter dos crentes (2Pe 1.4). Hebreus nos prova que a Palavra é a única luz objetiva mediante a qual uma pessoa, pela atuação poderosa do Espírito, discerne a si mesma e os fatos de sua existência. Finalmente, Efésios 6.17 diz que a Palavra de Deus é o instrumento pelo qual o Espírito atua em nós. Assim, vemos que não há incongruência alguma entre a realidade dos decretos soberanos e exaustivos de Deus e a existência de constantes apelos e exortações em Sua Palavra. Conforme sublinhamos, Deus decreta não somente os fins, mas os meios pelos quais seus fins são cumpridos. Destarte, podemos afirmar com certeza: Deus decreta todas as coisas e, simultaneamente, nos convoca a obedecê-lo, sendo a própria convocação do Senhor, como Palavra de Sua boca, um instrumento pelo qual Ele opera em nós o querer e o efetuar, segundo sua boa vontade (Fp 2.13). As constantes exortações do Senhor ao seu povo não se antagonizam ao fato de que Ele decretou todas as coisas. São, na verdade, a ferramenta por meio da qual Deus cumpre o seu decreto eterno.

A doutrina dos decretos de Deus, conforme a Bíblia nô-la apresenta, é tremendamente gloriosa e ultrapassa a capacidade humana de perscrutá-la ou sintetizá-la para que se adeque às suas categorias. A postura legitimamente cristã diante desta doutrina deve ser a de afirmar o que diz a Bíblia, ainda que a compreensão acerca dela se mostre limitada e insatisfeita. Como o apóstolo Paulo, digamos apenas: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!” (Rm 11.33).

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Sobre o autor: Teólogo, professor, articulista e apologeta do cristianismo. Durante anos trabalhou profissionalmete como músico até iniciar formalmente seus estudos na área teológica. Graduou-se em Teologia e realizou diversos cursos nas áreas de interpretação bíblica e homilética. Atualmente dá continuidade a seus estudos em nível de pós-graduação no CPAJ - Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, braço exclusivo da Universidade Mackenzie para o enfoque em Teologia. No ministério de ensino, organiza periodicamente open classes de apologética cristã preparando discípulos de Cristo para responder às objeções e ataques que se faz às doutrinas critãs. É professor da Escola de Formação Teológica Coram Deo.

Fonte: Teologia Expressa
Divulgação: Bereianos