Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

quinta-feira, 26 de junho de 2014

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Por Thiago Oliveira


A Bíblia gera muitos questionamentos e controvérsias. Muitos sempre perguntam se ela é mesmo a Palavra de Deus e argumentam que por ter sido escrita por homens, pode ter sido alterada ao longo da História. Mas então, a Bíblia é de fato a Palavra de Deus? Podemos confiar nela? Não seria ela uma obra possuidora de muitos erros? Para chegarmos a uma resposta satisfatória, devemos analisar três correntes teológicas: Liberalismo, Neo-Ortodoxia e Teologia Reformada.

O Liberalismo Teológico tem ligação com o método histórico-crítico de interpretação bíblica. Este método nega a inspiração divina e reduz as Escrituras a um compêndio da fé israelita e dos primeiros cristãos, recheado de erros e contradições. Influenciado pelo Iluminismo, o Liberalismo adquiriu um caráter antropocêntrico e relativizou questões-chaves da dogmática. Schleiermacher foi o grande expoente dessa corrente que se afastou a passos largos do ensino ortodoxo e fez com que a Igreja europeia abraçasse o mundanismo e declinasse para o Cristianismo secularizado que até hoje é uma de suas marcas.

Todavia, com o advento da Primeira Guerra Mundial, todo o ideal progressista-iluminista foi por água abaixo. As correntes de pensamento entram em crise e a Teologia não foge à regra. É justamente neste cenário que surge Karl Barth com o que chamamos de Neo-Ortodoxia ou Barthianismo. A Neo-Ortodoxia lutou contra a secularização da Igreja e defendeu que a Bíblia é a palavra de Deus revelada aos homens. 

O grande problema da corrente Neo-Ortodoxa é que ela conservou a crítica bíblia do Liberalismo, a mesma que reduziu as Escrituras a um livro de fé comum. A diferença é que os barthianos afirmam que mesmo contendo erros, a Bíblia é a Voz de Deus para a humanidade. Para sustentar essa posição, argumentam que a parte histórica é irrelevante para a fé salvífica, sendo assim, pouco importa a veracidade dos relatos bíblicos sobre a Queda, o Dilúvio, o Cativeiro Egípcio e etc.

Para a Teologia Reformada (evangélica/protestante) a Bíblia é a Palavra de Deus em sua totalidade e está isenta de erros. Desde o século XVI, de Lutero até os dias de hoje, cristãos de confissão reformada adotam o Sola Scriptura como ponto crucial da fé. Calvino (2006, p.72), o grande sistematizador da doutrina reformada fala o seguinte quanto ao questionamento da procedência divina das Escrituras:

Se, pois, quisermos firmar a nossa consciência de modo que não permaneça agitada e em perpétua dúvida, é preciso que coloquemos a autoridade da Escritura muito acima das razões ou das circunstâncias ou das conjecturas humanas; quer dizer, é preciso que a estabeleçamos como base no testemunho do Espírito Santo. Porque, ainda que, por sua própria majestade, a Escritura nos leve a respeitá-la, não obstante só começa a tocar-nos quando é selada em nosso coração pelo Espírito Santo. [...] É graças à certeza dada por uma autoridade superior que concluímos, que, sem dúvida nenhuma, a Escritura nos foi outorgada diretamente por Deus.

Com isso, Calvino defende que por ser um livro de revelação, a Bíblia precisa ser revelada a nós através de uma ação soberana do próprio Deus, na pessoa do Espírito. O mesmo processo revelacional ocorreu com os autores bíblicos que passaram por um processo de inspiração para deixar registrada a Palavra de Deus como uma fonte revelacional permanente e completa, ao ponto de não mais haver a necessidade de uma outra (i.é. nova) revelação. Tudo o que precisamos saber sobre Deus está registrado nos escritos do Antigo e do Novo Testamento. Assim, o primeiro questionamento (a Bíblia é de Fato a Palavra de Deus?) está respondido.

Dizer que a Bíblia é um livro inspirado é estar de acordo com que a mesma diz acerca de si própria (2Tm 3:16). No entanto, a inspiração não foi um ditado divino. Deus usou as características humanas de cada autor para dizer aquilo que deveria ser dito. Muitos fazem confusão com esta informação e dizem que se existe este viés de humanidade no processo de escrituração e o erro é inerente da condição humana, logo, existe a possibilidade de ter erros na Bíblia. Barth é um exímio defensor do errare humanum est. Embora isto seja verdade, não quer dizer que os homens erram sempre em tudo que fazem, muito menos concluir que o erro é necessário ao homem.

O homem é limitado por ser finito, porém a finitude não o torna falível sempre. Há de se separar onisciência de infalibilidade. Estas duas coisas estão conjuntas em Deus, não nos homens. Como afirma Sproul (2012, p. 49): “Finitude significa uma necessária limitação de conhecimento, mas não significa obrigatoriamente uma distorção do conhecimento. A confiabilidade do texto bíblico não deve ser negada com base na finitude do homem”.

Respondendo ao questionamento sobre a confiabilidade bíblica, sobretudo do Novo Testamento, o mais questionado, apelamos para dois argumentos bastante convincentes:

• Argumento Bibliográfico: Corresponde a lacuna do tempo histórico em que o livro foi escrito e o manuscrito mais antigos que temos dele. Por exemplo: O manuscrito da obra de Platão mais antigo que temos data de 1200 anos após o filósofo grego ter escrito o original. Aristóteles também escreveu 1400 anos antes da cópia mais antiga que possuímos dele. Já o intervalo do original para a cópia de um livro do NT é de apenas 100 anos, e temos esta certeza graças a descoberta arqueológica do papiro de John Rylands.
 Argumento Manuscritológico: Corresponde a quantidade de cópias de um presumível texto original. Quanto maior a quantidade de cópias, maiores são as chances de identificar as imprecisões. Por exemplo: Temos sete cópias manuscritas de Platão em todo o mundo. De Aristóteles temos apenas cinco cópias. Em contrapartida, contando apenas as cópias gregas, o texto do Novo Testamento é preservado em aproximadamente 5.686 porções manuscritas parciais e completas que foram copiadas a mão a partir do século I até o século XV.

Além dos manuscritos gregos, há várias traduções partindo do grego. Contando com as principais traduções antigas em aramaico, copta, árabe, latim e outras línguas, há 9 mil cópias do Novo Testamento. Isso dá um total de mais de 14 mil cópias do Novo Testamento. Além disso, se compilarmos milhares de citações dos pais da igreja primitiva dos séculos II a IV pode-se reconstruir todo o Novo Testamento com exceção de onze versículos. De modo que se não for possível confiar na Bíblia, também deve ser posto em xeque a autenticidade de toda e qualquer obra literária da Antiguidade. 

Quanto a questão dos erros, o segmento reformado é categórico: Toda a Bíblia é inerrante. Lopes (2006) diz:

Ao dizer que a Bíblia é inerrante, não estou negando que erros de copistas se introduziram no longo processo de transmissão da mesma. A inerrância é um atributo somente dos autógrafos, ou seja, do texto como originalmente produzido pelos autores inspirados por Deus. Muito embora hoje não tenhamos mais os autógrafos, pela providência divina podemos recuperar seu conteúdo, preservado nas cópias, quase que totalmente, através da ajuda de ferramentas como a baixa crítica ou a manuscritologia bíblica. A ausência dos autógrafos não torna a inerrância bíblica irrelevante, como dizem alguns. Senão temos os autógrafos para provar que eles não contêm erros, eles também não os têm para provar que contêm. Lembro que o ônus da prova é deles.

Alguns objetam com passagens bíblicas que falam sobre o movimento do sol em Josué e de catalogar morcego como ave, segundo Levítico, como se tais exemplos fossem equívocos de cunho científico. Recomemos mais uma vez as palavras de Lopes (2006):

Ao afirmar a inerrância da Bíblia não estou ignorando que, com freqüência, as teorias científicas sobre a história da terra têm sido usadas para desacreditar o relato bíblico da criação, do dilúvio e sua cosmovisão geocêntrica. Entendo, contudo, que não é correto avaliar a veracidade da Bíblia mediante padrões de verdade que são distintos do seu propósito e que se baseiam em conclusões provisórias, efêmeras e freqüentemente desmentidas a posteriori por outros estudiosos e cientistas. A Bíblia não é um livro científico, nos padrões modernos, e frequentemente se refere aos fenômenos naturais usando a linguagem descritiva do observador, como já mencionei, a qual não é cientificamente analítica.

Como observadores dos fenômenos naturais, é totalmente aceitável que haja esse tipo de informação na Bíblia. Em qualquer registro do mundo antigo teremos pessoas falando sobre o movimento do sol e catalogando animais voadores como sendo aves. Até mesmo nos filósofos gregos encontramos estas afirmações, que hoje nos soam absurdas. Todavia, inaceitável seria se naquela época eles tivessem as informações científicas que hoje temos.

Mediante a tudo o que já foi exposto, a Bíblia taxativamente provém de Deus, sendo a Sua Palavra digna de confiança e inerrante. Mesmo utilizando-se de um processo humano, ela é inspirada em sua totalidade. Assim rechaçamos o posicionamento liberal e o barthiano. Esta é a posição ortodoxa, abraçada pelas igrejas de credo reformado. Como está registrado na Confissão de Fé de Westminster Capítulo 1, artigo V:

Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço da Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações. I Tim. 3:15; I João 2:20,27; João 16:13-14; I Cor. 2:10-12.
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Referências:
BEEKE, Joel R. Harmonia das Confissões Reformadas. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.
CALVINO, João. As Institutas. São Paulo: Volume 1, Editora Cultura Cristã,2006.
LOPES, Augustus Nicodemus. Sobre a Inerrância da Bíblia. Acesso em 20/06/2014.
LOPES, Augustus Nicodemus. Porque o Barthianismo foi Chamado de Neo-Ortodoxia. Acesso em 20/06/2014.
SPROUL, R.C. Posso Crer na Bíblia? São José dos Campos: Editora Fiel, 2012.
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Divulgação: Bereianos

 

Por John Piper

Usufruindo da soberania de Deus na vida de George Müller

Um dos grandes deleites de ministrar em uma igreja durante vinte anos é que você pode ver as pessoas atravessarem as épocas obscuras da vida, dependendo da bondade soberana de Deus e chegando ao outro lado com fé e gozo inabaláveis. A soberania de Deus é uma doutrina muito preciosa. É o caule vigoroso da árvore que impede que a nossa vida seja abalada pelos ventos da adversidade. É a rocha que se ergue para nós em meio ao dilúvio de incerteza e confusão. É o olho do furacão no qual permanecemos firmes com Deus, olhando para o céu azul de sua maestria, quando tudo está sendo destruído. Conheço um hino que diz: “Quando tudo ao redor de minha alma desaparece”, isto é a minha esperança e firmeza.

A palavra “soberania”, tal como a palavra “trindade”, não ocorre na Bíblia. Estou usando-a para referir a esta verdade: Deus está no controle do mundo, desde o conflito internacional mais amplo até à queda de um pequeno pássaro na floresta. Eis como a Bíblia apresenta a soberania de Deus: “Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Isaías 46.9-10). “E, segundo a sua vontade, ele [Deus] opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Daniel 4.35) “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai” (Mateus 10.29) “O que ele deseja, isso fará. Pois ele cumprirá o que está ordenado a meu respeito e muitas coisas como estas ainda tem consigo” (Jó 23.13-14). “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Salmos 115.3). “Aquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Efésios 1.11). “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão” (Romanos 9.15). “Devíeis dizer: Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo” (Tiago 4.15).

Uma das razões por que esta doutrina é tão preciosa para os crentes é o fato de sabermos que o grande desejo de Deus é mostrar misericórdia e bondade para aqueles que confiam nEle. “Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim. Alegrar-me-ei por causa deles e lhes farei bem... de todo o meu coração e de toda a minha alma” (Jeremias 32.40-41). A soberania de Deus significa que o desígnio dEle a nosso respeito não pode ser frustrado. Nada, absolutamente nada, acontecerá àqueles que Deus ama e que são chamados segundo o seu propósito, exceto o que lhes for profundo e altamente bom. (Romanos 8.28; Salmos 84.11).

Por isso, a misericórdia e a bondade de Deus são os dois pilares de minha vida. São a esperança de meu futuro, a energia de meu serviço, o centro de minha teologia, o vínculo de meu casamento, o melhor remédio para todas as minhas enfermidades, o fortificante de todos os meus desencorajamentos. E, quando eu morrer (em breve ou não), essas duas verdades estarão à minha cabeceira e, com mãos infinitamente fortes e carinhosas, me erguerão à presença de Deus.

George Müller tem sido admirado por cento e cinqüenta anos como um grande homem de fé, por causa das obras que realizou, especialmente os orfanatos em Londres. Nem todos sabem que ele viveu de um modo maravilhoso, em completa dependência da preciosa verdade da soberania de Deus. Quando faleceu a sua esposa, com a qual estava casado havia trinta e nove anos, Müller pregou o sermão do funeral com base no texto de Salmos 119.68: “Tu és bom e fazes o bem”. Ele conta como orou quando descobriu que ela estava com febre reumática:

Sim, meu Pai celestial, os dias de minha querida esposa estão em tuas mãos. Tu farás o que é melhor para ela e para mim, quer seja a vida, quer seja a morte. Se quiseres, restaura a saúde de minha preciosa esposa. Tu és capaz de fazer isso, embora ela esteja tão doente. Mas o que fizeres comigo somente me ajudará a continuar a ser perfeitamente satisfeito com tua santa vontade (Autobiography of George Müller, London: J. Nisbet and Co., 1906, p. 442).

A vontade de Deus foi levá-la. Portanto, com grande confiança na soberana misericórdia de Deus, Müller disse:

Eu aceito. Estou satisfeito com a vontade de meu Pai celestial. Busco perfeita submissão à sua vontade santa, para glorificá-Lo. Honro constantemente Aquele que me afligiu... Sem qualquer esforço, minha alma se regozija na felicidade da amada que partiu. A felicidade dela me dá regozijo... Deus mesmo o fez; estou satisfeito com Ele (Autobiography, p. 444, 440).

Isto expressa a preciosidade da doutrina da soberania de Deus.

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Fonte: desiringGod

Leia mais sobre George Müller aqui!

 

Por John Owen


A obra do Espírito Santo na regeneração de almas precisa ser estudada e claramente compreendida pelos pregadores do evangelho, e por todos aqueles a quem a Palavra de Deus é pregada. É pelos verdadeiros pregadores do evangelho que o Espírito Santo regenera as pessoas (lCo.4:15; Fm.10; At.26: 17,18). Por isso, todos aqueles que pregam o evangelho precisam conhecer totalmente a regeneração para que possam com Deus e o Seu Espírito trazer almas ao “novo nascimento”. É também dever de todos os que ouvem a Palavra de Deus estudar e entender a regeneração (2Co.13:5).

O grande trabalho do Espírito Santo é a obra de regeneração (Jo.3:3-6). Certa noite Nicodemus, um mestre de Israel, veio até Jesus, que lhe disse: “se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. (...) O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito”. O nosso Senhor tendo o conhecimento de que a fé e a obediência a Deus, e a nossa aceitação da parte de Deus, dependem de um novo nascimento, fala a Nicodemus do quão necessário é nascer de novo. Nicodemus fica surpreso com isso, e assim Jesus segue adiante a ensinar-lhe que obra de regeneração é esta. Ele diz: “quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” (v.5).

A regeneração, portanto, ocorre por meio “da água e do Espírito”. O Espírito Santo faz a obra de regeneração na alma do homem, da qual a água é o sinal exterior. Este símbolo externo é um solene compromisso e selo do pacto que até então lhes vinha sendo anunciado por João Batista. A água pode também significar o próprio Espírito Santo.


João nos fala que todos aqueles que receberam a Cristo só o fizeram por terem nascido de Deus (Jo. 1:12,13). Nem a hereditariedade, nem a vontade do homem podem produzir um novo nascimento. A obra como um todo é atribuída tão-somente a Deus (veja também Jo.3:6; Ef.2:1,5; Jo.6:63; Rm.8:9,10; Tt.3:4-6).


É sempre importante lembrar que toda a Trindade está envolvida nesta obra de regeneração. Ela se origina na bondade e no amor de Deus como Pai (Jo.3:16; Ef.1:3-6), da Sua vontade, propósito e conselho. É uma obra do Seu amor e graça. Jesus Cristo nosso Salvador a adquiriu para pecadores (Ef. 1:6). Mas o verdadeiro “lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” nas nossas almas é obra do Espírito Santo (Tt.3:4-6).


Todavia o meu presente objetivo é confirmar os princípios fundamentais da verdade concernente a essa obra do Espírito Santo que vêm sendo negados e combatidos.


A regeneração no Velho Testamento


No Velho Testamento a obra de regeneração ocorria desde a fundação do mundo, e foi registrada nas Escrituras. Contudo o seu conhecimento era muito vago comparado ao conhecimento que temos dela no evangelho.


Nicodemus, um importante mestre de Israel, declarou a sua ignorância quanto a isso. “Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez?”. Cristo maravilhou-se de que um mestre de Israel não conhecesse esta doutrina da regeneração. Estava nitidamente declarado nas promessas especificas do Velho Testamento, como também em outras passagens (conforme veremos), que Deus haveria de circuncidar os corações do Seu povo, tirar-lhes o coração de pedra e dar-lhes um coração de carne. Em sua ignorância os mestres de Israel imaginavam que a regeneração significava apenas uma reforma de vida. De modo semelhante muitos hoje consideram a regeneração como nada mais que o esforço para se levar uma vida moral. Mas se a regeneração significar nada mais do que se tornar um novo homem moral — algo a que todos, tanto mais ou menos, recomendam — dessa forma o nosso Senhor Jesus Cristo, bem mais do que esclarecer a Nicodemus sobre esta questão, a obscureceu mais ainda.


O Novo Testamento ensina claramente que o Espírito Santo faz uma obra secreta e misteriosa nas almas dos homens. Agora, se esta obra secreta e misteriosa for na verdade apenas uma reforma moral que capacita os homens a viverem melhor, se for apenas um convencimento externo para abandonar o mal e se fazer o bem, então, a doutrina da regeneração ensinada por Cristo e todo o Novo Testamento, é definitivamente incompreensível e sem sentido.


A regeneração e a doutrina da regeneração existiram no Velho Testamento. Os eleitos de Deus, de qualquer geração, nasceram de novo pelo Espírito Santo. Mas antes da vinda de Cristo, todas as coisas dessa natureza, estavam “desde o princípio do mundo, ocultas em Deus” (Ef.3:9 — tradução literal NKJV).


Mas agora chegou o grande médico, aquele que haveria de curar a terrível ferida das nossas naturezas pela qual estávamos mortos em nossos “delitos e pecados”. Ele abre a ferida, mostra-nos o quão é terrível e revela a situação de morte que ela trouxe sobre nós. Ele assim o faz para que sejamos verdadeiramente agradecidos quando nos curar. Assim pois, nenhuma doutrina é mais completa e claramente ensinada no evangelho do que esta doutrina da regeneração.


Quão corrompidos, portanto, são os que a negam, desprezam e rejeitam.


A constante obra do Espírito


Os eleitos de Deus não eram regenerados de uma maneira no Velho Testamento e de outra completamente diferente, pelo Espírito Santo, no Novo Testamento. Todos eram regenerados de um mesmo modo pelo mesmo Espírito Santo. Aqueles que foram milagrosamente convertidos, como Paulo, ou que em suas conversões lhes foram concedidos dons miraculosos, como muitos dos cristãos primitivos, não foram regenerados de um modo diferente de nós mesmos, que também temos recebido esta graça e privilégio.


Os dons miraculosos do Espírito Santo nada tinham a ver com a Sua obra de regeneração. Não eram a comprovação de que alguém havia sido regenerado. Muitos dos que possuíram dons miraculosos jamais foram regenerados; outros que foram regenerados jamais possuíram dons miraculosos.


É também o cúmulo da ignorância supor que o Espírito Santo no passado regenerava pecadores miraculosamente, mas que agora Ele não o faz de modo milagroso, mas por persuadir-nos que não é razoável que não nos arrependamos dos nossos pecados.


Jamais cairemos neste erro se considerarmos o seguinte:


a) A condição de todos os não-regenerados é exatamente a mesma. Uns não são mais não-regenerados que outros. Todos os homens são inimigos de Deus. Todos estão sob a Sua maldição (Sl.51:5;Jo.3:5, 36; Rm.3:19; 5:15-18; Ef.2:3; Tt.3:3,4).


b) Há variados níveis de malignidade nos não-regenerados, assim como há diversos níveis de santidade entre os regenerados. Todavia o estado de todos os não-regenerados é o mesmo. Todos carecem de que se faça neles a mesma obra do Espírito Santo.


c) O estado a que os homens são trazidos pela regeneração é o mesmo. Nenhum é mais regenerado do que outro, contudo uns podem ser mais santificados que outros. Aqueles gerados por pais naturais nascem de um mesmo modo, embora alguns logo superem os outros em perfeições e habilidades. O mesmo também ocorre com todos os que são nascidos de Deus.


d) A graça e o poder pelos quais esta obra de regeneração é operada em nós são os mesmos. A verdade é que aqueles que desprezam o novo nascimento, fazem-no porque desprezam a nova vida. Aquele que odeia a idéia de viver para Deus, odeia a idéia de ser nascido de Deus. No final, entretanto, todos os homens serão julgados por esta pergunta: “Você nasceu de Deus?”.


A compreensão errada sobre a regeneração


Em primeiro lugar regeneração não é meramente ser batizado e dizer: “eu me arrependi”. A água do batismo é apenas um sinal externo (lPe.3:21). A água mesmo só pode molhar e lavar alguém da “imundícia da carne”. Mas como um sinal exterior ela significa “uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo” (lPe.3:21. Veja Hb.9:14; Rm.6:3-7). O apóstolo Paulo faz claramente a distinção entre a ordenança exterior e o ato de regeneração em si mesmo (Gl.6:15). Se batismo acompanhado de confissão de arrependimento for regeneração, então todos aqueles que foram batizados e se confessaram arrependidos têm de ser regenerados. Mas é claro que isso não é assim (veja At.8: 13 com os vv. 21, 23).


Em segundo lugar a regeneração não é uma reforma moral da vida exterior e do comportamento. Por exemplo, suponhamos uma tal reforma exterior pela qual alguém volta-se de fazer o mal para fazer o bem. Deixa de roubar e passa a trabalhar. Não obstante, haja o que houver de justiça real nessa mudança moral exterior de comportamento, ela não procede de um novo coração e de uma nova natureza que ama a justiça. É tão-somente pela regeneração que um corrupto e pecaminoso inimigo da justiça pode ser trazido a amá-la e a deleitar-se em praticá-la. Há os que escarnecem da regeneração como sendo inimiga da moralidade, justiça e reforma, mas um dia hão de descobrir o quanto estão errados.


A idéia de que a regeneração nada mais é do que uma reforma moral da vida, procede da negação do pecado original e do fato de sermos maus por natureza. Se não fôssemos maus por natureza, se fôssemos bons no fundo do nosso coração, então não haveria necessidade de nascermos de novo.


A regeneração não produz experiências subjetivas


A regeneração nada tem a ver com enlevos extraordinários, êxtases, ouvir vozes celestiais ou com qualquer outra coisa do tipo. Quando o Espírito Santo faz a Sua obra de regeneração nos corações dos homens, Ele não vem sobre eles com grandes e poderosos sentimentos e emoções aos quais não podem resistir.


Ele não se apodera dos homens como os maus espíritos se apossam das suas vitimas. Toda a Sua obra pode ser racionalmente compreendida e explicada por todo aquele que crê na Escritura e recebeu o Espírito da verdade que o mundo não pode receber. Jesus disse a Nicodemus: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai”, assim é com a obra de regeneração do Espírito Santo.


A natureza da regeneração


Regeneração é colocar na alma uma nova lei de vida que é verdadeira e espiritual, que é luz, santidade e justiça, que leva à destruição de tudo o que odeia a Deus e luta contra Ele. A regeneração produz uma milagrosa mudança interior do coração. “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura”. A regeneração não se dá pelos sinais exteriores de uma mudança moral do coração e é muito distinta deles (Gl.5:6; 6:15).


A regeneração é um ato onipotente de criação. Um novo princípio ou lei é criado em nós pelo Espírito Santo (Sl.51:10; Ef.2:10). Esta nova criação não é um novo hábito formado em nós, mas uma nova capacidade e faculdade. É chamada, portanto, de “natureza divina” (2Pe. 1:4). Esta nova criação é o revestir de uma nova capacidade e faculdade criada em nós por Deus e que traz a Sua imagem (Ef.4:22-24).


A regeneração renova as nossas mentes. Ser renovado no espírito de nossas mentes significa que as nossas mentes possuem agora uma nova e salvadora luz sobrenatural que as capacita a pensarem e a agirem espiritualmente (Ef.4:23; Rm.12:2). O crente é renovado em “conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl.3:10).


O novo homem


Esta capacidade e faculdade nova produzida em nós pela regeneração é chamada de “novo homem”, porque envolve uma completa e total mudança da alma, de onde procede toda ação espiritual e moral (Ef.4:24). Este “novo homem” é contraposto ao “velho homem” (Ef.4:22,24). Este “velho homem” é a nossa natureza humana corrompida que tem a capacidade e faculdade de produzir pensamentos e atos malignos. O “novo homem” está capacitado e habilitado a produzir atos religiosos, espirituais e morais (Rm.6:6). Denomina-se de “novo homem” porque é uma “nova criação de Deus” (Ef.l:19; 4:24; Cl.2:12, 13; 2Ts.1:11).


Este “novo homem” é criado de imediato, num átimo. É por isso que a regeneração não pode ser uma mera reforma de vida, que é o trabalho de toda uma vida (Ef.2:10). É a obra de Deus em nós que antecede todas as nossa obras para com Deus. Somos feitura de Deus, criados para produzir boas obras (Ef.2: 10).


Assim pois não podemos produzir boas obras aceitáveis a Deus sem que primeiro Ele produza esta nova criação em nós. Está dito que este “novo homem” é “criado segundo Deus [i.e., à Sua imagem], em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef.4:24). A imagem de Deus no primeiro homem não foi uma reforma de vida. Nem foi um padrão de bom proceder. Adão foi criado à imagem de Deus antes que fizesse qualquer boa obra. Esta imagem de Deus era a capacidade e faculdade dada a Adão para viver uma vida tal que manifestasse verdadeiramente o caráter santo e justo de Deus. Tal capacidade e faculdade foi dada a Adão antes mesmo dele começar a viver para Deus. É verdadeiramente indispensável que o mesmo ocorra também conosco. Primeiro, a imagem de Deus, a qual é o “novo homem”, é novamente criada em nós. Então podemos começar mais uma vez a apresentar em nossas vidas o caráter santo e justo de Deus (Lc.6:43; Mt.7:18).


A aliança de Deus


Deus já nos tem dito como nos trata em Sua aliança (Ez.36:25-27; Jr.31:33; 32:39,40). Ele primeiro lava e limpa a nossa natureza; arranca o nosso coração de pedra e dá-nos um coração de carne; escreve as Suas leis em nossos corações e coloca o Seu Espírito em nós para nos capacitar a guardar essas leis. É isso o que significa regeneração. Que também é descrita como o santificar, o tornar santo todo nosso espírito, alma e corpo (lTs.5:23).


Comprovado pela Escritura


O Espírito Santo não opera de qualquer outro modo senão por aquilo que nos mostra a Escritura. Tudo que alega ser obra de regeneração Sua, precisa ser comprovado pela Escritura. O Espírito Santo, por ser onisciente, conhece as nossas naturezas perfeitamente, e por isso sabe com exatidão como operar nelas sem as ferir ou danificar, sem forçá-las de modo algum a concordar com a Sua vontade.


A pessoa ao ser regenerada, jamais, em momento algum, sente que está sendo malignamente forçada contra a sua vontade. A despeito disso, muitos que são verdadeiramente regenerados têm sido tratados pelo mundo como se fossem loucos, ou algum tipo de fanático religioso (2Rs.9:11; Mc.3:21; At.26:24, 25).


A obra do Espírito Santo na regeneração de almas precisa ser estudada e claramente compreendida pelos pregadores do evangelho, e por todos aqueles a quem a Palavra de Deus é pregada. É pelos verdadeiros pregadores do evangelho que o Espírito Santo regenera as pessoas (lCo.4:15; Fm.10; At.26: 17,18). Por isso, todos aqueles que pregam o evangelho precisam conhecer totalmente a regeneração para que possam com Deus e o Seu Espírito trazer almas ao “novo nascimento”. É também dever de todos os que ouvem a Palavra de Deus estudar e entender a regeneração (2Co.13:5).


A regeneração foi-nos revelada por Deus (Dr.29:29). Assim pois não estudar nem tentar compreender esta grande obra é revelar a nossa própria estultícia e loucura. Enquanto não tivermos nascido de Deus nada poderemos fazer que Lhe agrade, nem obtemos dEle quaisquer consolações, e nada somos capazes de entender a Seu respeito ou sobre o que Ele está realizando no mundo.


Há o grande perigo de que os homens possam estar enganados quanto à regeneração e que estejam, portanto, eternamente perdidos. Crendo erroneamente que podem obter o céu sem que lhes seja necessário nascer de novo, ou que havendo nascido de novo podem continuar a levar uma vida pecaminosa. Tais opiniões contradizem claramente o ensinamento do nosso Senhor e dos apóstolos (Jo.3:5; 1Jo.3:9).


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Fonte: Jornal Os Puritanos – Ano X – No 04 – Out./Nov./Dez./2002. (Extraído do Livro “O Espírito Santo”, do teólogo puritano John Owen (O Príncipe dos Puritanos), publicado pela Banner Of Truth, cap 8, pg 43-51. Adaptado das suas obras para uma linguagem contemporânea por R.J.K. Law.)
Via: Monergismo
 

Por A. W. Pink


Existem algumas ordenanças exteriores e meios de graça muito importantes que estão nitidamente implícitos na Palavra de Deus – mas para a prática destes nós temos pouco, quando algum, direcionamento e preceitos positivos; mas, nos é dado a obtê-los a partir do exemplo de homens santos e a partir de diversas circunstâncias secundárias. Uma importante finalidade é respondida por este arranjo: desta forma é feito o julgamento do estado de nossos corações. Isto serve para fazer evidente, se por um comando expresso não possa ser exigido o seu cumprimento, cristãos professos negligenciarão um dever claramente implícito. Deste modo, mais do estado real de nossas mentes é revelado, e isto torna manifesto se temos ou não um amor ardente a Deus e ao Seu serviço. Isto se aplica tanto ao culto público quanto ao familiar. Ainda assim, não é de todo difícil comprovar a obrigação da piedade doméstica.

Primeiro considere o exemplo de Abraão, o pai da fé e o amigo de Deus. Foi através de sua piedade doméstica que ele recebeu a bênção do próprio Jeová, “Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do SENHOR e pratiquem a justiça e o juízo” (Gênesis 18:19). O patriarca nisto foi elogiado, por instruir seus filhos e servos nos mais importantes de todos os deveres, “o caminho do SENHOR” – a verdade sobre a Sua Gloriosa Pessoa, Seu direito Supremo sobre nós, o que Ele exige de nós. Observem bem as palavras “para que [ele] ordene”, ou seja, ele usaria a autoridade que Deus lhe dera como pai e cabeça de sua casa, para aplicar os deveres da piedade familiar. Abraão também orou com, bem como instruiu a sua família – Aonde quer que fixasse a sua tenda, ali ele “edificou um altar ao Senhor” (Gênesis 12:7; 13:4). Agora, meus leitores, bem podemos perguntar-nos, somos nós a “descendência de Abraão” (Gálatas 3:29) – se nós “não fazemos as obras de Abraão” (João 8:39) e negligenciamos o importante dever do culto em família?

Os exemplos de outros homens santos são semelhantes ao de Abraão. Considere a piedosa determinação de Josué, que declarou a Israel, “porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Josué 24:15). Nem mesmo a elevada posição que ocupava, nem a urgência dos deveres públicos que o pressionavam, distraíram sua atenção do bem-estar espiritual de sua família. Novamente, quando Davi trouxe de volta a arca de Deus para Jerusalém com júbilo e ações de graça, depois do exercício dos seus deveres públicos, ele voltou “para abençoar a sua casa” (2 Samuel 6:20). Além destes eminentes exemplos, podemos citar os casos de Jó (1:5) e de Daniel (6:10). Limitando-nos à somente um [caso] do Novo Testamento, lembramos da história de Timóteo, que foi criado em um lar piedoso. Paulo trouxe à memória a “fé sincera” que havia nele, e acrescentou: “a qual habitou primeiro em tua avó Lóide, e em tua mãe Eunice”. Há aqui uma admiração tal que o apóstolo poderia dizer “E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras” (2 Timóteo 3:15)!

Derrama a tua indignação sobre as nações que não te conhecem e sobre os povos que não invocam o teu nome!” Jeremias 10:25. Nós imaginamos quantos de nossos leitores tem ponderado seriamente nestas temíveis palavras! Observem que terríveis ameaças são pronunciadas contra aqueles que negligenciam o culto familiar! Quão inefavelmente grave é descobrir que as famílias que não oram são aqui comparadas aos pagãos, que não conhecem ao SENHOR. Mas, isto não deve nos surpreender. Por que, existem muitas famílias pagãs que se reúnem em adoração aos seus falsos deuses. E eles não envergonham milhares de cristãos professos?

Quão ruidosamente estas palavras deveriam falar a nós. Não é suficiente que oremos individualmente em nossos quartos; também é exigido de nós que honremos a Deus em nossas famílias. A cada dia, todos os familiares devem estar congregados juntos para curvarem-se diante do Senhor – para confessar seus pecados, para dar ações de Graças pelas Misericórdias Divinas, para clamar por Seu auxílio e bênção. Nada deve ser permitido interferir neste dever: todos os demais compromissos domésticos devem ser submetidos a este. O chefe da família deve ser aquele que dirige as devoções – mas se ele estiver ausente – ou gravemente enfermo – ou se não for convertido, então a esposa pode substituí-lo. Sob nenhuma circunstância o culto familiar deve ser omitido. Se pretendemos desfrutar das bênçãos de Deus sobre nossa família – então, façamos com que os membros reúnam-se diariamente para louvar e orar. “Honrarei aqueles que me honram” é a Sua promessa.

Um antigo escritor bem disse, “Uma família sem oração é como uma casa sem telhado, aberta e exposta a todas as tempestades.” Todo o nosso conforto doméstico e misericórdias temporais, emanam da Benignidade do SENHOR. O melhor que podemos fazer em retribuição, é reconhecer agradecidos juntos, Sua bondade para com a nossa família. Desculpas contra o cumprimento deste dever sagrado – são indolentes e inúteis. De que servirá, quando nós prestarmos contas a Deus quanto à mordomia de nossas famílias – dizer que nós não tínhamos tempo disponível, trabalhando muito da manhã até a noite? Quanto mais urgentes são os nossos deveres temporais – maior é a nossa necessidade de buscar auxílio espiritual. Nem tão pouco cristão algum pode alegar que não estava capacitado para tal serviço – dons e talentos são desenvolvidos pelo uso – e não pela negligência.

O culto familiar deve ser realizado reverente, sincera e simplificadamente. Para que então, os pequeninos recebam as suas primeiras impressões e formem a sua concepção inicial a respeito do Senhor Deus.

Precisa-se ter grande cuidado para não dar a eles uma falsa ideia sobre o Caráter Divino, e para isto, deve-se preservar o equilíbrio ao comunicar sobre a Sua Transcendência e imanência, Sua Santidade e Sua Misericórdia, Seu Poder e Sua Ternura, Sua Justiça e Sua Graça. O culto pode ser iniciado com breves palavras de oração invocando a Presença e bênção de Deus. Pode-se seguir com uma pequena passagem da Sua Palavra, com breves comentários sobre a mesma. Dois ou três versos de um Salmo ou hino podem ser cantados. Encerra-se com uma oração de entrega nas Mãos de Deus. Ainda que possamos não ser capazes de orar com eloquência, podemos orar sinceramente. As orações breves são as que geralmente prevalecem. Cuidado para não cansar os mais jovens.

As vantagens e bênçãos do culto familiar são incontáveis.

Primeiro, o culto em família prevenirá muitos pecados. Ele gera temor na alma, transmite um senso da majestade e autoridade de Deus, determina solenes verdades diante da mente, e derrama bênçãos de Deus sobre o lar. Piedade pessoal no lar é um meio mais influente, abaixo de Deus, para estimular a piedade aos pequenos. Crianças são, em grande parte, criaturas de imitação, dedicando-se a copiar o que observam nos outros.

Ele estabeleceu um testemunho em Jacó, e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos, a fim de que a nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes; para que pusessem em Deus a sua confiança e não se esquecessem dos feitos de Deus, mas lhe observassem os mandamentos.” (Salmo 78:5-7).

Atualmente, quanto das terríveis condições moral e espiritual das multidões, poderiam ser provenientes da negligência de seus pais neste dever? Como estes que negligenciam o culto a Deus em suas famílias – esperam por paz e conforto nelas? Oração diária em casa é um abençoado meio de graça para dissipar aquelas tristes corrupções das quais nossa ordinária natureza é sujeita.

Finalmente, a oração em família obtém para nós a presença e a bênção do Senhor. Aí está uma promessa de Sua Presença que é particularmente aplicável a este dever, “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.” Mateus 18:20. Muitos têm encontrado no culto familiar, aquele auxílio e comunhão com Deus os quais eles têm buscado, com menor eficácia, na oração particular.

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Fonte: Eternal Life Ministries
Tradução: Camila Rebeca Almeida
Revisão: William teixeira
Via: O Estandarte de Cristo

O Blog Bereianos recomenda o site O Estandarte de Cristo, o qual disponibiliza periodicamente excelentes artigos traduzidos de autores clássicos reformados. Inclusive esse artigo de A.W. Pink você poderá baixar gratuitamente em PDF aqui!
 

Por Alberto Mansueti


Meu amigo cristão, a sua igreja faz orações “pela nação”, supostamente “para que Deus ilumine as nossas autoridades”? Deus não responde tais orações.

E isso não é opinião minha; é um fato. Faz muito tempo, décadas que oram assim nas igrejas cristãs da América Latina. E as coisas não melhoram. Não há prosperidade nem desenvolvimento; e a cada governo, a situação do povo costuma ser igual ou pior que a do governo anterior.

Essa falta de resposta de Deus carece de explicação. Sobretudo porque nós cristãos estamos dando um mau testemunho. Aquele que não é cristão tem todo o direito de perguntar: “Que aconteceu com esse seu Deus? Por que não responde? É surdo? Acaso está dormindo?”.

A explicação existe, e está na Bíblia: o problema é o sistema. A Escritura Sagrada, nos extensos e detalhados capítulos de seus cinco primeiros livros (Pentateuco ou a Lei) prescreve às nações um sistema legal e político muito específico, o governo de juízes, que hoje se pode chamar de “sistema de governo limitado”. Limitado em funções: exército e polícia, justiça, e algumas poucas obras públicas de infraestrutura. Portanto, limitado também em poderes e em dinheiro.

Como consequência lógica, a Bíblia proscreve o sistema contrário, a “monarquia” ou governo de reis, em sua modalidade ilimitada, que hoje se pode chamar de “estatismo”. Veja por exemplo o capítulo 8 do livro de 1 Samuel. Numerosas outras passagens no Antigo e Novo Testamentos confirmam o conselho de Deus às nações em questões políticas e legais: sistema de governo limitado — que é o contrário do estatismo, o governo “ilimitado”, que acumula uma infinidade de funções, poderes e dinheiro.

Porém, estatismo é o modelo de governo que temos na América Latina e, uns mais outros menos, em todos os países do mundo, adotado democrática e constitucionalmente. Desprezamos ao outro sistema. E a Bíblia diz muito clara e enfaticamente que se o povo escolhe o mau caminho, grandes calamidades sobrevirão, as quais Deuteronômio 28.15-68 descreve com detalhes; bem como o próprio capítulo 8 de 1 Samuel, que se encerra com esta sentença terrível: “Então, naquele dia, clamareis por causa do vosso rei que houverdes escolhido; mas o SENHOR não vos ouvirá naquele dia” (v. 18). Viu? “Não ouvirá”. E Deus não dá ouvidos mesmo.

2 Crônicas 7 diz que o povo pode, sim, orar pela nação, porém somente se estiver arrependido e “se voltar de seus maus caminhos”; o que nunca acontece na América Latina! Pelo contrário: vemos cada vez mais estatismo! E o cúmulo do estatismo, que é o socialismo.

Longe de provar que não há Deus, ou que Deus é surdo, o fato dele não responder prova: (1) que como soberano de sua Criação, Deus é quem dita a lei; (2) e a aplica, sem desonrar a sua Palavra-Lei; (3) e não se deixa trapacear: sua vontade se cumpre. Se um país escolhe o sistema estatista, contra a recomendação explícita de Deus às nações, acaso não há de receber as consequências claramente estabelecidas pelo rei soberano?

Para encontrar resposta favorável do Altíssimo, nossa oração deve ser acompanhada de arrependimento, por ter andado em caminhos tortuosos, e de uma súplica pela restauração ou ajuste de nossa nação.

A situação ruim da nação “impenitente”, que não se arrepende nem “endireita seus caminhos”, apesar de naufragar cada dia mais no subdesenvolvimento, corrupção e aviltamento moral, é um bom testemunho do caráter de Deus, da natureza objetiva de sua Palavra, e do valor normativo dela. Pense nisso. Leia na sua Bíblia as passagens mencionadas. Reflita.

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Sobre o autor: Alberto Mansueti é advogado e cientista político.
Fonte: El Día
Tradução: Márcio Santana Sobrinho

 

Por Rev. Gaspar de Souza


O título acima é uma paródia do artigo do dr. Greg Bahnsen sobre a vã filosofia.[1] Naquele texto, expondo Colossenses 2.8, o dr. Bahnsen alerta contra “um determinado tipo de filosofia” que não é “segundo Cristo”, pois rouba você de todos os tesouros da sabedoria e da ciência que estão depositados em Cristo. 

Porém, contrário que possa parecer, o dr. Bahnsen não está se posicionando contra o estudo da filosofia. Pelo contrário, ele está defendendo que a melhor maneira de acautelar-se da filosofia é estudando-a. Em razão disto é que Paulo “adverte contra o potencial destrutivo da filosofia”. Para tanto, contra a má filosofia, apenas a boa filosofia, e esta é segundo Cristo “em quem estão todos os tesouros da sabedoria”(Cl 2.3). Em outras palavras, o melhor remédio contra uma “vã filosofia” é aquela em que Jesus Cristo seja não apenas a conclusão, mas também o ponto de partida do pensamento. 

Ora, o cristão não deve ter outro compromisso exceto o de submeter-se ao Cristo revelado nas Escrituras. Jesus Cristo é a autoridade primeira em matéria de filosofia cristã. Assim, ao estudarmos filosofia, fazemo-lo para cumprir a ordem paulina com maior clareza e eficiência. Nas palavras do dr. Bahnsen:

Estudamos filosofia para certificarmos de que nossos pressupostos sobre a realidade, conhecimento e ética são verdadeiramente pressupostos que honram de Cristo. Estudamos filosofia para identificar quais tipos de pensamento podem nos tornar presas fáceis em nossa cultura. Em suma, estudamos filosofia acautelando-nos de pensar equivocado e comprometermo-nos a pensar a verdade sobre o homem e o mundo.

Apologética Segundo Cristo: suaviter in modo, fortiter in re

Agora, no tocante à Apologética, tenho a dizer o mesmo. Na iminência de concluir um mestrado Teologia Filosófica, com ênfase em Apologética e Exegese, fui descobrindo como é necessário ter cuidado com a Apologética. Em contato com autores de renome na área da Teologia Filosófica, Exegese e Apologética, descobri inúmeras advertências para que a nossa apologética seja “segundo Cristo”. E embora  não tenha conhecido pessoalmente quase nenhum dos autores que li, pude presenciar a aplicação destes princípios na postura de meu próprio orientador, o dr. Davi Charles Gomes, e de meus mestres – Prof. Fabiano Oliveira, Filipe Fontes, Tarcízio Carvalho, João Alves e outros. 

O  dr. Davi Gomes, orientador de outros mestres, encarnou a máxima do dr. Cornelius Van Til, suaviter in modo, fortiter in re (gentil na maneira de agir, mas forte na resposta). E penso que esta frase reflete exatamente as palavras do apóstolo Pedro no texto que é considerado a base da apologética (1Pe 3.15). Aliás, ouvi no Seminário Presbiteriano do Norte (novembro de 2008), o dr. Davi fazer uma exposição deste texto e, como aplicação, ter trabalhado os “seis inimigos da Apologética”.

É curioso que enquanto muitos envolvidos com apologética consigam recitar com segurança a parte do verso que diz “estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós”, alguns têm imensa dificuldade com o verso seguinte (na ARA): “fazendo-o, todavia,com mansidão e temor, com boa consciência...”(v. 16), isso sem contar que as palavras de Pedro para exercitar tal mandato iniciam como “santificai ao Senhor Deus em vossos corações”(ACF). Assim, Apologética começa com santificação de nossos corações a Cristo e opera respondendo com mansidão e temor aos que nos perguntam de nossa esperança. 

Apologética Humilde, mas não Fraca

John G. Stackhouse,[2] em seu Humble Apologetics, faz a seguinte advertência sobre a Apologética. 

Apologética é um trabalho perigoso. Em uma época em que as vozes de vários lados relembram-nos de qual problemático são as reivindicações humanas para o conhecimento; em uma cultura que resiste cada vez mais e se ressente de que pede a conversão do outro; e em uma atividade cujo estereótipo é de vaidade racionalista e intimidação intelectual – que pessoa consciente e inteligente gostaria de se envolver em apologética? Se estamos a defender e recomendar a nossa fé, devemos fazê-lo em um novo modo: com uma voz diferente e em uma postura diferente. Nossa apologética deve ser humilde. Ela deve ser humilde por diversas razões, mas a principal entre elas é que Deus mesmo veio a nós em humildade, buscando o nosso amor e nos atraindo a ele. O Senhor Jesus Cristo é nosso modelo de humildade; o Espírito Santo de Deus é nosso companheiro humilde que nos ajuda a seguir o exemplo de Cristo como também a proclamarmos a mensagem de Cristo.

Apologética humilde não significa uma apologética fraca, “em que alguém deve, digamos assim, perder um argumento e ganhar uma alma”.[3]  Falamos do reconhecimento que apologética é ferramenta cujo fim não é a vitória sobre outro, mas sim anular sofismas e levar pensamentos cativos a Cristo. Deixe-me apresentar um exemplo que o pastor John Burke conta em seu livro:[4]  

Lembro-me de ter assistido a um debate na Willow Creek entre um conhecido ateísta e um apologista do cristianismo. Havíamos acabado de iniciar o ministério Axis em nossa igreja, e muitos de nossos líderes jovens haviam convidado amigos céticos para o debate. Do ponto de vista intelectual, o cristão destruiu os argumentos do ateísta e venceu claramente o debate. Entretanto, interrogando depois os líderes do Axis, descobrimos que seus amigos céticos concordaram que o cristão havia vencido a discussão, mas a maioria ficou tão desgostosa com sua atitude depreciativa para com o oponente que aquilo os convenceu ainda mais de que não queriam ser cristãos.

Infelizmente, alguns pensam que Apologética é uma ferramenta a ser usada como porrete para bater nos outros. O fato de a apologética servir para responder e atacar o incrédulo não significa que ela seja para brigar com todos. O silêncio, às vezes, é também uma resposta. Se até o tolo, quando se cala, é reputado por sábio, muito mais o experiente que fecha os seus lábios em tempo certo, visto que ao servo do Senhor não convém contender. Joshua Harris e Eric Stanford  acertam o alvo quando afirmam que “precisamos ser corajosos em nossa posição em favor da verdade bíblica. Mas também precisamos demonstrar graça em nossas palavras e em nossas interações com as pessoas [...]. Um dos erros frequentemente cometidos por nós cristãos é que aprendemos a repreender como Jesus, mas não a amar como Jesus”.[5] 

Sempre que a Apologética não cumprir seu papel “com mansidão e temor” ela não estará sendo “segundo Cristo”. Portanto é contra este tipo de apologética que precisamos lutar, porque ela rouba a beleza dos tesouros de Cristo e coloca a Criatura no lugar do Criador, uma vez que a glória de Deus é desviada para outro lugar: para o próprio apologista ou para longe do Evangelho. Francis Schaeffer, magistralmente, encontra o lugar da apologética: “o propósito da ‘apologética’ não é meramente ganhar uma disputa ou uma discussão, mas que as pessoas com as quais estamos lidando tornem-se cristãs que realmente colocam a sua vida sob o senhorio de Cristo, deixando-o tomar conta de toda a sua vida”.[6] Isso  leva-me a considerar que a razão do “porrete apologético” encontra-se na separação da Apologética do Evangelho. Em outras palavras, quando alguns apologistas, especialmente os das novas mídias e redes sociais, veem a apologética como somente, eu disse somente, uma disciplina acadêmica, de vencer debates e demonstrar que têm argumentos, o resultado é um conhecimento que apenas incha. Você pode ver isto, além dos “debates facebookeanos”, também nos compêndios de Apologética. Estes são espécies de “manuais científicos” e, praticamente, voltados para o ambiente acadêmico. Aqueles “manuais Schopenhaureano” de como humilhar o oponente. Pode-se até parecer que a apologética não se aplica realmente ao dia a dia das pessoas comuns. 

Não estou advogando uma apologética simplória, mas uma apologética simples, que o sapateiro ou o aluno na oitava série possam apresentá-la como bons discípulos de Cristos. 

Como expressão desta “apologética academicista”, cito abaixo um exímio apologista cristão. Em seu livro Time and Eternity: Exploring God’s Relationship to Time,[7] o dr. Craig faz a seguinte declaração: 

Alguns dos leitores de meu estudo da onisciência divina, The Only Wise God, ficaram surpresos acerca de minha observação de que alguém que deseje aprender mais sobre o atributo da onisciência de Deus seria mais bem aconselhado ler as obras dos filósofos Cristãos em vez dos teólogos Cristãos. Não apenas essa observação foi verdadeira, mas sustento o mesmo para a eternidade divina (grifos meus).

Em outro lugar, diz o autor: “Se você quiser praticar uma apologética eficaz, precisa ser treinado na filosofia analítica [...]. Seja qual for a área de especialização, você estará mais bem qualificado como apologista se tiver recebido treinamento em filosofia analítica”.[8] Neste sentido, não custa perguntar com Tertuliano: “Quid ergo Athenis et Hierosolymis? (O que tem a ver Atenas e Jerusalém?).

A despeito de sua inquestionável habilidade e piedade, dr. Craig aproxima a Apologética de um campo do saber que está além da maioria dos cristãos. O resultado é que, exceto pelos acadêmicos, a apologética entre os leigos é, na maioria das vezes, péssima caricatura da boa defesa da fé.

Apologética, Teologia e Discipulado

A Apologética é uma disciplina eminentemente bíblica, por isso deveríamos esperar maior interação da disciplina com outras que relacionam com a Teologia ou com a “Enciclopédia Teológica”,[9] onde fica cada vez mais claro que a “Teologia Sistemática tem uma relação mais próxima com Apologética do que com qualquer outra disciplina”.[10] O dr. Oliphint, em uma crítica ao dr. Craig, nos diz que, 

Se alguém quer saber sobre a onisciência de Deus ou sua eternidade; se alguém quer pensar profundamente sobre Deus e seu relacionamento com o Mundo; se alguém quer fazer apologética, o primeiro lugar para olhar é para Escritura, e, depois, para aqueles teólogos que fielmente articularam seus ensinos. A Filosofia, mesmo a filosofia Cristã, tem uma longa e resoluta história de virar suas costas para a consistente Teologia Reformada. Portanto, ela não foi muito positiva com respeito às discussões Teológicas (ou filosófico-teológica).[11] 

Especialmente diante da Grande Comissão (Mt. 28.18–20),[12] o cristão deverá anunciar “todas as coisas” que foram ensinadas pelo Senhor Jesus em sua missão de fazer discípulos. Isso não seria uma tarefa fácil. Pode-se falar dessa tarefa na forma que o Senhor disse: “Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos” (Mt. 10.16).

Os discípulos, em suas idas para transmitir o Evangelho, depararam-se com diversos desafios a fim de comunicar o Evangelho. Pedro e João perante o Sinédrio; Paulo perante os filósofos estoicos e epicureus; Paulo e Barnabé perante os sacerdotes de Listras; Paulo nas sinagogas dos Judeus arrazoando constantemente com eles demonstrando que Jesus é o Cristo etc. Mas também eles encontraram uma Lídia, uma vendedora de púrpura, que estava à beira do rio; responderam à pergunta do Carcereiro; Paulo defendeu a fé perante o povo (At. 21.72 – 22.21); e ensinou a todos que o visitavam na prisão domiciliar.

Pode-se dizer, portanto, que a base da apologética é o mandato de fazer discípulos. Nesse fazer discípulos, estão envolvidas algumas pressuposições: 1) que haveria necessidade de comunicar o Evangelho de modo eficaz; 2) que haveria necessidade de explicar o Evangelho aos contradizentes (Tt. 1.10); 3) que haveria a necessidade de justificar a crença no Evangelho; 4) que haveria a necessidade de confirmar a fé dos já crentes e; 5) que haveria a necessidade de desafiar os incrédulos no confronto com suas crenças.

Ora, na apologética somos, portanto, discípulos de Jesus Cristo. Por isso, devemos refletir seu caráter. O apologista deve ser gentil, paciente, cortês e não beligerante.

Estas qualidades dificilmente aparecem a muitos que sustentam fortes posições doutrinárias e que são prontos a defender suas posições. É fácil tornar-se teimoso e fervoroso para dominar seu oponente. Todavia, é a atitude oposta, que é pacífica e gentil, que demonstra que nossa sabedoria vem de cima (Tiago 3.13 – 17).[13] 

Como  disse acima, na palestra do dr. Davi Gomes  no Seminário Presbiteriano do Norte, sobre “seis inimigos do compromisso apologético”. Ele tomou por base, entre outros, o texto do dr. Douglas Groothius, professor de filosofia e apologética no Denver Seminary, “Six Enimies of Apologetics Engagement”.[14] Ambos concordam que, “no outro extremo do espectro de erro, está a arrogância do ‘apologista sabe-tudo’ que está mais interessado em mostrar seu arsenal de argumentos do que defender a verdade de maneira piedosa”. Certamente, este é o pecado que tenazmente nos assedia: o orgulho intelectual. E ele deve ser evitado a todo custo – lembra-se? Santificai a Cristo em vossos corações... – pois a verdade que temos nos veio como um dom da graça de Deus. “Nós desenvolvemos nossas habilidades apologéticas ao santificarmos na verdade, ao ganhar almas para Cristo e glorificar a Deus. Devemos ‘falar a verdade em amor’ (Ef. 4.15). Verdade sem amor é arrogância. Amor sem verdade é sentimentalismo”.[15] 

Conclusão

Apologética é de suma importância ao cristão e todos os cristãos estão envolvidos, de um modo ou de outro, com apologética. Mas a apologética pode se degenerar em “vã apologética”, a apologética que não é “segundo Cristo”. E contra este tipo de apologética, uma boa apologética bíblica é o remédio. O apologista cristão precisa ter claro diante de si que sua resposta e desafio ao pensamento incrédulo devem ser feitos “com mansidão e temor”, santificando a Cristo em seu coração. Ele deverá oferecer a Deus  seu coração, pronto e sincero, como está escrito no selo de Calvino.

McGrath afirma que a “apologética corre o risco de passar a impressão de que basta mostrar que a fé é racional”.[16] Sim, a fé cristã é racional, mas não basta apenas mostrar isso ao incrédulo. Não basta apresentar todas as premissas, as inferências ou provas, nem mesmo os mais elaborados silogismos e retórica. É preciso oferecer a Cristo o que Ele mesmo tem nos dado. Na construção do Templo do Senhor, todo o povo de Israel, juntamente com seus líderes e príncipes, “voluntariamente contribuíram” para a construção da Casa de Deus. Então, Davi louvou ao Senhor, reconhecendo que Deus mesmo, o Eterno, é o dono de todas as coisas nos céus e na terra. Então, o Rei perguntou: “Pois quem sou eu, e quem é o meu povo, para que pudéssemos oferecer voluntariamente coisas semelhantes? Porque tudo vem de ti, e do que é teu to damos [...]. SENHOR, nosso Deus, toda esta abundância, que preparamos, para te edificar uma casa ao teu santo nome, vem da tua mão, e é toda tua” (1Cr. 29.1 – 16). O que tem o apologista cristão que não tenha recebido?

C.S. Lewis certa vez descrevendo o perigo que o apologista corre, disse: 

Não tenho encontrado nada mais perigoso para a fé de alguém do que a tarefa de um apologista. Nenhuma doutrina da fé parece para mim tão espectral, tão maravilhosa do que aquela que acabei de defender em um debate público. Por um momento, veja você, ela parecia repousar sobre si mesmo: como um resultado, quando você se vai do debate, já não parece tão forte quanto o fraco pilar. É por isto que nós, apologistas, tomamos nossas vidas em nossas mãos e podemos ser salvos apenas por retroceder continuamente das redes de nossos argumentos, de nossa reação intelectual, para a Realidade – da apologética Cristã para o próprio Cristo. Também é por isso que precisamos da ajuda um dos outros – oremus pro invicem (Oremos uns pelos outros).[17] 

O apologista pode até se gloriar por sua brilhante atuação, seus elaborados argumentos irrefutáveis, “mas autoglorificação nunca é uma coisa espiritualmente saudável”,[18] e ele estará colocando-se em terreno escorregadio, uma vez que “a soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda” (Pv. 16.18). E, por absolutizar a própria apologética, o apologista estará reduzindo a própria fé ao argumento em si, fazendo da apologética a sua tábua de salvação, ou seja, um ídolo.

O que disse acima não significa que eu não corra o mesmo risco. Pelo contrário, luto diariamente em apresentar uma defesa da fé cristã que seja tal como os diálogos de Jesus Cristo. Procuro lembrar-me de suas palavras: “sem mim, nada podeis fazer” (Jo. 15.5). De minha maneira de argumentar em algumas ocasiões mais acirradas, alguns amigos cunharam meus argumentos de ad tratorium (risos). Estou sempre ciente de que o Evangelho é sempre ofensivo ao incrédulo. Mas nem por isso devemos fazer de nossa apologética a palmatória, pois a única cruz a ser apresentada é a de Cristo, que é em si mesma escândalos para os incrédulos.

Certa vez, o dr. Van Til, advertindo acerca dos ídolos, disse: 

Pela graça você é salvo. Você não foi mais sábio do que outros homens. Não é você quem tem escolhido a Cristo como seu Salvador. É Cristo, o Salvador, quem tem escolhido você para ser sua testemunha. Não é você, pela psicologia profunda, tem descoberto a verdadeira necessidade do homem; é Cristo que, através de seu servo João, diz a você que o mundo inteiro já no maligno.[19] 

Mais uma vez afirmamos que humildade apologética não quer dizer abrir mãos das questões da verdade que cremos e defendendo dos incrédulos. O dr. Van Til dizia que a apologética deveria ser perseguida com uma “humildade ousada”. O dr. Bahnsen explica isso dizendo que “isto não quer dizer abrir mão nem mesmo um centímetro das questões da verdade sobre as quais discordamos com os incrédulos. Mas, isto quer dizer [...] que nós continuemos a pagar o próximo cafezinho para nosso oponente”.[20]  

Esteja sempre preparado para responder a quem pedir a razão da esperança que há em você. Mas faça-o com mansidão e temor. Continue a pagar o próximo cafezinho. Mas lembre-se: Acautelai-vos da Apologética!

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Notas:
[2] STACKHOUSE, John G. Humble Apologetics: Defending the Faith Today. Oxford University Press, 2002, p. 227.
[3] SIRE, James. W. Why Good Arguments Often Fail: Making a More Persuasive Case for Christ. Downer Grove. Ill: IVP Books, 2006, p. 165.
[4] BURKE, John. Proibida a Entrada de Pessoas Perfeitas – um chamado à tolerância na igreja. São Paulo: Vida Acadêmica, 2007, p. 213.
[5] HARRIS, Joshua; STANFORD, Eric. Ortodoxia Humilde – defendendo as verdades bíblicas sem ferir as pessoas. São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 20, 22.
[6] SCHAEFFER, Francis. O Deus que se Revela. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 214. 
[7] CRAIG, William Lane. Time and Eternity: Exploring God’s Relationship to Time. Wheaton, Ill: Crossway, 2001, p. 11.
[8] CRAIG, William Lane. Conselhos aos Apologistas Cristãos. Disponível em: http://www.reasonablefaith.org/portuguese/conselhos-aos-apologistas-cristaeos. (grifos meus)
[9] VAN TIL, Cornelius. Apologética Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. p.21.
[10] Idem.
[11] OLIPHINT, Scott R.; TIPTON, Lane G. Revelation and Reason – New Essays in Reformed Apologetic. Phillipsburg, NJ: P & R Publishing, 2007. p. 3 (Grifos meus).
[12] Não é por uma preferência apenas do texto da Grande Comissão que ele é tomado aqui, mas por lembrar-nos de que em nossa missão temos a responsabilidade de anunciar “todas as coisas” que o Senhor Jesus tem ensinado.
[13] BAHNSEN, Greg L. Always Ready – directions for defending the faith. Atlanta, Georgia: American Vision, 1996, p. 64.
[15] Idem.
[16] MCGRATH, Alister. Apologética Pura e Simples. São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 17.
[17] Apud STACKHOUSE, idem, p. 230.
[18] Idem.
[19] VAN TIL, Cornelius. Keep Yourself from Idols. Presbyterian Guardian, n.34, vo. 6 (jul/ago, 1965).
[20] BAHNSEN, Greg L. Van Til´s Apologetic: Readings and Analysis. Phillipsburg, NJ: P & R Publishing, 1998, p.32.

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