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Sermão pregado dia 16.09.2012
Por Filipe Luiz C. Machado
"Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)" (Ef 2.5).
Na sentença anterior o apóstolo Paulo deixou evidente aos irmãos de Éfeso sobre a grandiosa misericórdia que habita no Soberano e quão grandes graças Ele possui para todos os Seus filhos, de modo que todos os eleitos podem descansar às sombras das asas do Filho (Mt 23.37; Lc 13.34) e os que ainda não foram despertados para a nova natureza, podem achar da água da vida, pois "aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna" (Jo 4.14). Tal ponto foi de muita importância nesta presente carta, pois uma vez que Paulo havia demonstrado três fatos negativos quanto à natureza do homem (1. mortos por natureza (2.1); 2. seguindo o rumo deste mundo (2.2); 3. filhos da ira (2.3)), agora o apóstolo se põem a demonstrar aos irmãos de Éfeso que de fato o Senhor é excelsamente misericordioso, de modo que nenhum pecado (exceto o cometido contra o Espírito Santo - Mt 12.32; Mc 3.29; Lc 12.10) é tão grande que não possa ser perdoado pelo Rei e eterno Salvador.
Não é em vão que a Palavra dispõe inúmeras vezes que os cristãos foram salvos somente pela graça de Deus e isto se deu justamente no tempo em que ainda estavam mortos em suas ofensas e pecados - "Estando nós ainda mortos em nossas ofensas". Observemos com grande contrição de coração que, salvo a regeneração divina por meio do Espírito do Senhor, todos os homens carecem "da glória de Deus" (Rm 3.23). As Escrituras são enfáticas em deixar-nos registrado que enquanto estávamos mortos, fomos resgatados; quando não haviam batidas salvíficas em nosso coração, fomos transformados; quando o sangue já não corria por nossas veias, a transfusão perfeita do sangue do cordeiro a nós foi feita. Absolutamente em nenhum lugar das santas e divinas Palavras, encontramos algum dito, narrativa, poesia ou doutrina que nos informe que o Senhor apenas melhorou nossa situação diante de Sua presença santa e inabalável. Um homem que não compreende suas misérias diante do senhorio de Cristo, certamente ainda não nasceu novamente.
O Senhor, através do profeta Ezequiel, com grande propriedade registrou: "E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne.E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis... Então vos lembrareis dos vossos maus caminhos, e dos vossos feitos, que não foram bons; e tereis nojo em vós mesmos das vossas iniqüidades e das vossas abominações" (Ez 36.26-27, 31 - grifo meu). Um homem nascido de novo, jamais olha para seus feitos pretéritos e contrários ao Senhor, e neles se alegra ou sente uma razoável vontade de retornar às práticas infernais. Um homem convertido com o santo e limpo sangue de Cristo, olha para si, percebe suas imaginações, perscruta seu coração e diz: "Tenho nojo de mim mesmo! Criatura asquerosa que sou eu! Olhe o que o pecado fez em mim! Olhe meus pensamentos, minhas atitudes e meu desviar constante do Caminho! Miserável homem que sou! (Rm 7.24)" Por este precioso ensinamento acerca do regenerar de Cristo, é que disse Davi: "Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome. Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de nenhum de seus benefícios" (Sl 103.1-2). Alguém transformado pelo evangelho da graça é alguém que olha para si e sente grande repulsa, a ponto de instigar o vômito, mas que também olha para Cristo e n'Ele encontra refúgio, "verdes pastos [e] águas tranquilas" (Sl 23.2).
Eis, então, a razão para o apóstolo do Senhor registrar: "nos vivificou juntamente com Cristo". Notemos como o vivificar (dar nova vida) não é alheio a Cristo, mas sim "juntamente com Cristo". Mas, qual a importância? Ou, que diferença faz? Quer dizer, uma vez que o apóstolo havia afirmado sobre que é em Cristo que temos nossa adoção (Ef 1.5), qual a implicação desta afirmação para os cristãos?
Em primeiro lugar, é que todo aquele que está longe de Cristo, não é participante de Seu reino - "Quem não é comigo é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha" (Mt 12.30). É preciso que os professos da fé cristã compreendam que o cristianismo é, neste sentido, uma crença de extremos: ou se está com Cristo, ou se está afastado d'Ele - e, portanto, se é filho da ira (Ef 2.3). Não é possível viver divorciado do senhorio de Deus, de Sua soberania e de Sua santidade, e ainda desejar sustentar uma filiação com Cristo. As Escrituras são explícitas: não existe meio caminho. Não se é "quase crente" ou "quase mundano" - ou em Cristo, ou nas trevas; ou no céu, ou no inferno.
Em segundo lugar, os cristãos foram reconciliados em Cristo e por Cristo - "Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida" (Rm 5.10). Não existe outra forma de reconciliação na vida cristã, exceto por meio do "Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (Jo 1.29). Homens mortos não abrem boca para clamar ou possuem lágrimas para chorar; eles precisam de vida, necessitam de novo fôlego. Assim como após muitos anos de brutalidade e impiedade sobre a terra, sobreveio o dilúvio, também assim vêm as águas do Senhor e salvam a alguns em Cristo e sentenciam outros à perdição e ira de Deus. Contudo, as águas de um dilúvio não somente exterminam os seres não preparados para o viver nas águas (exceto peixes e outras criaturas dotadas por Deus para serem anfíbios, bem como outros pequenos seres), mas também revigoram a terra encharcada de pecado, dando-lhe novos nutrientes, a ponto de Noé sair da arca e já ter boa terra para lavrar (Gn 9.20). Em Cristo, há reconciliação e novo viver.
Em terceiro lugar, por meio do sacrifício de Cristo, os cristãos possuem paz com Deus - "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5.1). Anteriormente, Paulo havia dito que por natureza os homens são "filhos da ira" (Ef 2.3) e por isso não possuem paz com Deus. Tais homens não podem e não devem se achegar com ousadia ao santuário do Eterno (Hb 10.19), pois à semelhança do sumo sacerdote que poderia ser punido instantaneamente com a morte, caso se achegasse impuro diante do Senhor, homens não devem fazer gracejos para com a Palavra do Senhor e acharem que idas esparsas à igreja ou vez por outra realizarem alguma "oração", lhes trará paz com Deus. Imaginar que se pode ter paz com o Soberano e Senhor dos Exércitos, sem passar por Cristo Jesus, é rejeitar o próprio Deus, pois "Quem me vê a mim vê o Pai" (Jo 14.9)
Em quarto lugar, somente se possui a grandiosa misericórdia do Deus riquíssimo dela, em Cristo: "Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno" (Hb 4.16). Todavia, como pode ser possível que alguém chegue ao trono da graça, ainda mais "com confiança" de não ser consumido, mas sim de ser bem recebido? Basta volver-nos para o versículo anterior e lermos: "Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado" (Hb 4.15). Porque Cristo "em tudo foi tentado, mas sem pecado" e venceu, e cumpriu toda a Lei, os cristãos podem se achegar ao trono do Senhor e alcançarem clemência.
Em quinto e último lugar, Cristo é o único caminho para o Pai e, consequentemente, para a salvação - "Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim" (Jo 14.6). Nem bispos, nem padres, nem sacerdotes, nem apóstolos modernos, nem "homens show", nem grupos de dança, nem crianças declamando poemas, ou qualquer coisa desta estirpe leva ao Senhor. Se a verdade vem somente por meio de Cristo, então é Cristo que precisamos ouvir - "De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus" (Rm 10.17).
Assim é que Paulo faz o adendo e diz: "(pela graça sois salvos)". Este parêntese não deve ser entendido como um acréscimo do copista ou que não consta nos "melhores manuscritos", como comumente lemos em algumas versões bíblicas. Para sermos breves, este parêntese é de fato um parêntese escrito pelo próprio apóstolo, desejando comunicar que uma vez que os cristãos foram resgatados enquanto ainda estavam mortos e foram vivificados com Cristo, nada poderia ser mais óbvio do que afirmar que a salvação é pela graça. Porém, tristemente, se revela que nos terrenos atuais do que se chama de evangelicalismo, está muito distante de alguns a verdadeira noção do que vem a ser a graça de Deus.
Afirmar que os cristãos foram vivificados "juntamente com Cristo" e salvos "pela graça" nos leva a três aplicações:
1. A graça não é de graça
Talvez estranhemos essa declaração, pois parece contradizer tudo o que vimos até agora. Contudo, devemos recordar que para nós a graça é de graça, mas a graça que chegou até nós, não veio de graça. Isto implica em dizer que somos receptores de algo que não conquistamos, pois tal qual o Israel do Antigo Testamento habitou em "terra em que não trabalhastes, e cidades que não edificastes, e habitais nelas e comeis das vinhas e dos olivais que não plantastes" (Js 24.13), assim também os cristãos, embora tenham recebido a graça de Deus, apenas para eles é que ela veio de graça, pois para Deus, custou Seu o Unigênito.
Alguns, porventura, intentarão a muitos a fim de lhes persuadirem de que de fato a graça é de graça e, portanto, devemos tão somente agradecer ao Senhor. De fato isto é verdade, mas porque a graça é de graça para nós, não significa que devemos ignorar a grandiosa obra do Senhor em Seu Filho, afinal, fomos vivificados com Cristo. Como, então, devemos receber e aplicar esta graça? "Agora, pois, temei ao SENHOR, e servi-o com sinceridade e com verdade; e deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais além do rio e no Egito, e servi ao SENHOR" (Js 24.14).
É mister que os cristãos proclamem a graça, mas que não se esqueçam de proclamar que junto com esta graça, é acompanhado a renúncia. A graça nos vem de graça, mas deve nos levar à renúncia; à abdicação do "eu"; à morte diária do pecado; a mais dizer "não" para o mundo, do que sim; a guiar nossos relacionamentos sob à luz da Lei de Deus; à buscar um viver santo em completamente toda e qualquer ocasião, desde o lavar das mãos para a comida até o pregar do evangelho (1Co 10.31-32). Proclamar a graça é magnificamente importante e esta é a mensagem da salvação desde os dias subsequentes à queda de Adão e Eva, entretanto, devemos considerar que a graça que envolve o crente, custou a vida de Cristo e, portanto, "Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou" (1Jo 2.6).
Se Cristo, que é por quem somos atraídos ao Pai, viveu de maneira reta e certa diante de Deus, acaso haveríamos nós por simplesmente embargar no navio da graça e esperar sermos levados à cidade celestial, como se por aqui pudéssemos viver de maneira displicente e rejeitando o Seu sacrifício?
2. A graça leva às obras
Novamente, embora soe destoante do que comumente se vê nos arraiais evangélicos, a graça leva às boas obras em Cristo Jesus. Um homem que professa a fé no Filho de Deus, mas não vive uma vida de piedade, não chora em contrição pelos pecados cometidos, não anseia ardentemente pelo Dia do Senhor (tanto o dia propriamente dito, como o dia de Sua vinda), não proclama a Palavra da verdade - ainda que lhe custe os amigos, emprego e reputação -, não busca lutar contra o pecado e não se abstém de práticas pecaminosas - desde as maiores até as menores -, certamente está a um passo de ser tragado pelo Senhor, bastando que resvale o seu pé e chegue o dia de sua destruição (Dt 32.35).
Tiago enfatiza e nos ensina esta preciosa verdade: "Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta" (Tg 2.26). Alguém poderá replicar e afirmar que Tiago está falando de fé, enquanto o presente versículo de Paulo, fala de graça. A estes, nada responderemos no momento, pois logo no versículo oitavo do presente capítulo de Efésios se vislumbrará que a graça é o que nos leva à fé.
É importante que os cristãos compreendam que afirmar estar na graça, mas não ser impelido a realizar as obras do Espírito, é viver em uma contradição - e como vimos anteriormente, não pode haver meio termo: ou se está em Cristo e se pratica as obras do evangelho, ou se vive nas trevas e pratica-se as obras do maligno. Certamente que isto não significa que o verdadeiro cristão nunca poderá fraquejar ou viver de modo contrário à Palavra, pois se o próprio apóstolo Paulo queixava-se e lamentava profundamente o pecado que ainda permanecia em seu corpo (Rm 7.24), que diremos nós?
O cristão é alguém ativo e que porque foi tocado pela graça, é levado a praticar as obras do Senhor e observar toda a Sua Lei - não devido a por elas ser salvo, mas sim porque, assim como um filho agradece ao pai terreno por um presente que recebeu e depois procura ser um bom filho em obediência e bons feitos, de igual maneira o cristão é levado a buscar viver de modo que glorifique ao Senhor em tudo o que faz (1Co 10.31), mesmo sabendo que constantemente vacilará - mas, como é crente na graça de Deus, não desfalecerá pela caminho, "Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2.13)
3. A graça não elimina os efeitos do pecado aqui na terra
É um erro grosseiro o cristão ser levado a pensar (e até mesmo proclamar) que porque foi perdoado, não deve sofrer as consequência do pecado e de seus pecados enquanto vive. Se fosse verdade que a graça elimina toda e qualquer mazela proveniente do pecado, o ladrão da cruz teria de ser liberto, pois foi salvo por Cristo e teve seus pecados perdoados (Lc 23.43); Davi não deveria ter sido castigado com a morte de seu filho advindo do adultério, pois posteriormente orou e pediu a Deus que lhe perdoasse (2Sm 2.13-14; Sl 51); o povo de Israel também foi castigado, então, várias vezes de modo injusto, pois o Senhor os perdoava constantemente.
A verdade é que no lugar do evangelho da graça, se tem visto muitas vezes a proclamação do evangelho da desgraça. Sim, não ouso titubear ante esta apostasia generalizada que vemos em muitas ditas igrejas de "Jesus" e movimentos malignos. Pela misericórdia do Eterno sempre tem havido o remanescente fiel e que não tem se dobrado diante dos ídolos levantados por homens (1Rs 19.18), como sucesso, dinheiro, riquezas, fama, prestígio, curas, milagres, livre arbítrio e toda sorte de patifaria que se tem visto. Todavia, tristes fatos havemos de recordar, pois não são poucos que elevam suas vozes de falsos profetas e proclamam uma graça que mais traz desgraça (a falta da genuína graça de Deus), do que a verdadeira graça salvadora.
Que possa o Senhor abundar-nos de graça, mas sempre nos levando em Sua viva palavra, a fim que não nos esqueçamos de Ele, "pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer" (Rm 9.18), de modo que não brinquemos por esta terra, e sim vivamos conforme nosso chamado para a batalha pelo Reino de Deus.
- Sobre o autor: Filipe Luiz C. Machado mora em Blumenau/SC, é Presbítero da Igreja Cristã Reformada de Blumenau. Analista, crítico e amante da vida cristã. Casado com Angela, autor do blog 2Timóteo 3.16.
Fonte: 2Timóteo 3.16
- Sobre o autor: Filipe Luiz C. Machado mora em Blumenau/SC, é Presbítero da Igreja Cristã Reformada de Blumenau. Analista, crítico e amante da vida cristã. Casado com Angela, autor do blog 2Timóteo 3.16.
Fonte: 2Timóteo 3.16
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