Charles Taylor inicia a obra “Uma Era Secular” interrogando a respeito do significado de se viver “numa Era Secular”. O que significa viver em uma Era Secular para aqueles que vivem no mundo do Atlântico Norte?
O autor inicialmente restringe sua análise a essa área geográfica, mas especificamente à “cristandade latina”, mas compreende que a secularidade seja um fenômeno que se estende de maneira diferente e parcial para além do norte do Ocidente. Os países islâmicos, a Índia e a África não são classificados como “secularizados”, na perspectiva do teórico. A modernidade, diz o autor, promove a secularidade em três formas distintas, mas inter-relacionadas.
Taylor apresenta três pistas teóricas para distinguir e definir o sentido do termo secularidade. Das três opções, opta pela última, as condições da fé ou crença.
a) A religião como questão privada e sua ausência nos espaços públicos. As sociedades pré-modernas estavam embasadas em certos fundamentos sagrados e organizadas sob a perspectiva da religião. A vida nessas sociedades e a organização do Estado apontavam para o transcendente. Com a autonomia dos estados ocidentais não há mais essa conectividade e dependência da cosmovisão anterior. A religião, portanto, torna-se uma questão privada e de caráter particular na Modernidade. Mais especificamente na Europa, é possível envolver-se em diversas áreas da vida pública e nem sequer ouvir ou reconhecer o sagrado como necessário à manutenção da vida e dos valores morais. Esta mudança acena para a mudança de um paradigma cultural fundamentado no sagrado para um novo paradigma cultural de base secular. Neste aspecto, a primeira via para entender o atual contexto de secularidade da sociedade diz respeito ao esvaziamento da religião nas esferas sociais autônomas, às vezes impostas por um regime totalitário, como no caso da Polônia, às vezes em regime democrático que faz a completa separação entre o Estado e a Igreja, mas não elimina a manifestação do sagrado, como os EUA.
b) Abandono de convicções e práticas religiosas. Essa segunda via para se compreender o conceito de secularidade refere-se ao fato de pessoas abandonarem suas convicções e práticas religiosas, afastando-se de Deus e deixando de frequentar a igreja. Neste aspecto, os países da Europa ocidental se tornaram seculares, mesmo aqueles que mantêm alguma referência do sagrado nos espaços públicos. Especificamente aqui, a secularidade é compreendida como declínio da fé cristã e a substituição desta por outros tipos de crenças, como a crença na ciência e na razão, ou até mesmo na emancipação de certas ciências como a teoria da evolução. Taylor, todavia, não se satisfaz com essa forma de explicação pelo fato de não estar convicto de que as descobertas darwinianas refutam a religião ou que as pessoas abandonam a fé por causa da teoria evolucionária.
c) As condições da fé. Para que a sociedade chegasse a esse terceiro nível de secularização, Taylor afirma que foi implicitamente necessário que houvesse o esvaziamento da religião no espaço público. Embora essa terceira via esteja relacionada às anteriores, Taylor a nomeia como pilar fundamental para se compreender adequadamente o sentido que ele explicita e defende de Era Secular. A secularidade, portanto, consiste na passagem de uma sociedade em que a fé em Deus é inquestionável para uma na qual a fé torna-se mais uma opção entre outras e, em geral, não a mais fácil de ser abraçada. A fé cristã não é a única a disputar pelo interesse e adesão das pessoas, mas divide o espaço público com outras crenças e saberes religiosos opostos.
A fé cristã, por conseguinte, é mais uma no panteão das crenças e dos deuses modernos. Evidentemente, esse fator procede das mudanças culturais e sociais de nossa contemporaneidade, principalmente do pluralismo e multiculturalismo. Há, por conseguinte, uma passagem de uma condição de existência “ingênua” para outra realidade na qual a opção religiosa do indivíduo é uma entre muitas outras. O crédulo logo se dá conta de que é “engajado” a um ponto de vista que expressa melhor suas convicções, mas ao mesmo tempo é “desengajado” pelo fato de ocupar um ponto de vista entre uma gama de perspectivas possíveis.
O que torna possível esse reconhecimento ou mudança é a ruptura com o background, ou pano de fundo que sustentava anteriormente uma perspectiva “ingênua” e possibilita a substituição dela por uma estrutura “reflexiva”. A passagem de uma para outra só foi possível pela mudança de background, isto é, de todo o contexto que sustentava e sustenta cada uma das duas perspectivas. Assim, a fé em Deus, como afirma o autor, não é mais axiomática; e crer em Deus hoje não é mais como em 1500 ou 2000. O autor nesse ponto se interroga acerca da razão pela qual a sociedade passou de uma condição na qual as pessoas viviam ingenuamente por meio de uma cosmovisão teísta, para outra na qual a descrença tornou-se a principal opção padrão. Isto significa interrogar-se acerca do desaparecimento da estrutura “ingênua” e o surgimento da estrutura “reflexiva”.
Segundo Taylor, foi a chegada do humanismo exclusivo como uma opção disponível que possibilitou toda essa nova condição. Esse humanismo é antropocêntrico e se define como a medida de todas as coisas, parafraseando Pitágoras. Trata-se de uma perspectiva da vida que se concentra na capacidade do homem em construir para si um mundo livre e autônomo de Deus ou do sagrado como explicação da existência. Essa perspectiva que se desdobra ainda mais entre os filósofos da suspeita reafirma, se não a “morte de Deus, seu completo banimento do mundo.
Conclusão
Entre as contribuições mais significativas do autor está o conceito de secularidade como um processo ad intra em vez de ad extra em relação à religião. Até então alguns autores trataram da secularidade como exterior e mesmo contraposto à religião, Taylor, entretanto, a situa como um processo intra-religioso. Isto significa afirmar que a intensidade da secularidade está intrinsecamente relacionada à intensidade com que a religião se manifesta na sociedade. Para Taylor, portanto, a secularidade consiste em novas condições de crença; em uma nova feição da experiência que incita a crença e é definida por ela, em um novo contexto no qual toda busca e todo questionamento acerca do moral e do espiritual devem ser conduzidos. Haveria lugar ainda para se destacar alguns conceitos caros para o teórico, como por exemplo: “contexto de compreensão”; “plenitude”; “religião”, além de analisar a questão fenomenológica no escrito.
Obra
TAYLOR, Charles. Uma Era Secular. São Leopoldo: Unisinos, 2010, p.13-37.
Via CPADNews
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