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Por Thomas Magnum
É comum ouvirmos algumas indagações acerca do calvinismo, acusações descabidas e sem fundamentação Bíblica ou histórica. Uma delas é que o calvinismo promove em sua defesa da predestinação esfriamento espiritual, ou seja, o cristão não precisa cultivar uma vida piedosa. Veremos aqui, que tal acusação é infundada e desonesta com a história da Reforma Protestante.
A contribuição da teologia reformada em várias camadas da sociedade são provas claras da piedade do pensamento de João Calvino. É notório que Calvino defendeu e ensinou a doutrina da predestinação com evidente ardor e temor, sua base foi as Escrituras, é evidente também que não foi Calvino quem inventou a doutrina. Ao lermos as Epístolas de Paulo, vemos claramente o ensino do Apóstolo sobre a eleição, as doutrinas da graça estão presentes nas Escrituras de Gênesis ao Apocalipse, qualquer cristão que se propor a realizar um estudo sério das Escrituras Sagradas, não negará essas doutrinas. No entanto elas não nos levam a uma indiferença ou esfriamento espiritual, mas, o contrário o povo remido e chamado por Deus vive como disse Paulo:
“Ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente”. Tito 2.12
Abordaremos o pensamento de Calvino sobre a piedade cristã, depois os cinco pontos do calvinismo e suas implicações práticas para vida do crente. Com isso demonstraremos que a teologia da vida cristã no calvinismo está embasada nas Escrituras e não na justiça dos homens.
Calvino e a Vida Cristã
Comumente ouvimos falar de Calvino como um homem implacável e carrancudo que não tinha sensibilidade com o próximo e que reduziu o homem a nada. Isto não era verdade! João Calvino foi criado por sua mãe de forma piedosa, sua genitora o conduzia pela mão nos caminhos e no temor do Senhor.
Steve Lawson diz:
Conhecido como um dos grandes homens de todos os tempos, ele era uma força motriz tão expressiva que influenciou a formação da igreja e da e da cultura ocidental de modo como nenhum outro teólogo ou pastor conseguiu fazer. Sua exposição habilidosa das Escrituras possuía características doutrinárias da Reforma Protestante, tornando-o, indiscutivelmente, o principal arquiteto da causa protestante. Sua impetuosa abordagem da teologia definiu e articulou as verdades essenciais daquele movimento que alterou a história da Europa no Século dezesseis. [1]
A Piedade Cristã nos Escritos de Calvino
Quando lemos Calvino, descobriremos logo a primeira vista um homem santo que tinha por base de sua teologia as Escrituras Sagradas, a teologia de Calvino era radicalmente bíblica. Ao lermos principalmente seus comentários bíblicos notaremos seu fervor e paixão pelas coisas divinas, a espiritualidade ensinada pelo reformador como uma vida dedicada a Deus e seu reino é um ensino claro em seus escritos. Quando lemos Calvino falando das disciplinas espirituais podemos perceber como isso era importante em sua teologia e em seus comentários bíblicos (e ele comentou quase toda a Bíblia), são suasInstitutas aplicadas de forma prática na vida da igreja.
Para Calvino a piedade cristã está alicerçada no conhecimento de Deus:
“A piedade está sempre fundamentada no conhecimento do verdadeiro Deus; e isso requer ensino”. [2]
Para Calvino a base para uma correta vida piedosa era o correto conhecimento da verdade bíblica. Como lemos em Tito 1.1: “Paulo, servo de Deus, e apóstolo de Jesus Cristo, segundo a fé dos eleitos de Deus, e o conhecimento da verdade, que é segundo a piedade”.
A nossa salvação se materializa em nosso conhecimento intensivo e qualitativamente completo da verdade. Contudo, este conhecimento da verdade, longe de ser arrogante e autossuficiente, está relacionado com a piedade: “segundo a piedade”. O verdadeiro conhecimento de Deus é cheio de piedade. Piedade caracteriza a atitude correta para com Deus, englobando temor, reverência, adoração e obediência. Ela é a palavra para a verdadeira religião. [3]
Calvino entendia que o conhecimento do verdadeiro Deus traria uma vida piedosa e santificada.
...deve observar-se que somos convidados ao conhecimento de Deus, não àquele que, contente com vã especulação, simplesmente voluteia no cérebro, mas àquele que, se é de nós retamente percebido e finca pé no coração, haverá de ser sólido e frutuoso.[4]
...Jamais o poderá alguém conhecer devidamente que não apreenda ao mesmo tempo a santificação do Espírito. (...) A fé consiste no conhecimento de Cristo. E Cristo não pode ser conhecido senão em conjunção com a santificação do seu Espírito. Segue-se, consequentemente, que de modo nenhum a fé se deve separar do afeto piedoso. [5]
Ainda em seu comentário da epístola de Tito 1.1, Calvino nos diz:
A frase, que é segundo a piedade, qualifica a verdade de uma forma especifica, da qual ele esteve falando, e ao seu tempo recomenda sua doutrina a partir de seu fruto e propósito, visto que seu alvo único é promover o culto divino correto, e manter a religião genuína entre os homens. E assim ele livra sua doutrina de toda e qualquer suspeita de vã curiosidade, como ele fez diante de Félix (Atos 24.10) e igualmente diante de Agripa (Atos 26.1). Visto que todos os questionamentos supérfluos que não se inclinam para edificação devem ser com toda razão suspeitos e mesmo detestados pelos cristãos piedosos, a única recomendação legitima da doutrina é que ela nos instrui na reverência e no temor de Deus. E assim aprendemos que o homem que mais progride na piedade é também o melhor discípulo de Cristo, e o único homem que deve ser tido na conta de genuíno teólogo é aquele que pode edificar a consciência humana no temor de Deus. [6]
As Implicações Práticas dos Cinco Pontos do Calvinismo
Ao tratarmos da resposta reformada aos remonstrantes nos cânones de Dort, não temos apenas cinco pontos de teologia engessada teoricamente. Os cinco pontos do calvinismo nos levarão através da Escritura a uma compreensão Bíblica de mundo, ética, espiritualidade, sociedade, igreja e as demais instituições que envolvem a igreja de Deus.
Ao observarmos o desenvolvimento e involução de nossa geração, percebemos claramente que a única explicação biblicamente coerente é a depravação total: Assassinatos, violência, corrupção, destruição dos valores familiares, abandono das verdades Bíblicas, culto a personalidade, a descentralização do culto, o antropocentrismo. A Palavra de Deus nos diz a respeito da condição do homem caído:
“E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm; estando cheios de toda a iniquidade, fornicação, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães; néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia; os quais, conhecendo o juízo de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.” Romanos 1.28-32
A Bíblia nos mostra que o homem está completamente distanciado de Deus, está destituído da glória, o homem não entende as coisas divinas e não busca a Deus.
“Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepulcro aberto; com as suas línguas tratam enganosamente; peçonha de áspides está debaixo de seus lábios; cuja boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Em seus caminhos há destruição e miséria; e não conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos.” Romanos 3.11-18
Essa condição pecaminosa é a explicação para a depravação que envolve a sociedade, os horrendos pecados que contemplamos todos os dias por meios massivos, a libertinagem e a violação aos mandamentos de Deus sobre a vida, casamento, sexo, finanças, cultura e artes.
No entanto Deus tem um povo que Ele escolheu, para serem conforme a imagem de seu Filho, que são o sal da terra e a luz do mundo. Esse povo faz toda a diferença, um povo que glorifica a Deus e que vive e prega sua Palavra. O princípio ético da Escritura é trazer conforto e equilíbrio a vida social. Uma política onde os princípios éticos da palavra de Deus são violados será a ruína de uma nação, um sistema educacional em que o homem é entronizado e a Bíblia não é citada como fonte de ética salutar, levará uma sociedade também a ruína moral e espiritual. A perseverança dos santos é outra doutrina que podemos mencionar como extremamente importante para o povo de Deus e para aqueles que são beneficiados de forma colateral pelo Evangelho de Cristo. A vida regrada dos santos levará a um modelo de trabalho, santidade, vida comum, familiar e espiritual. Aqueles que foram eleitos incondicionalmente por Deus, perseverarão na busca da justiça, da vida devota e piedosa, isso são implicações éticas marcantes pela presença da igreja. A expiação limitada nos levará em particular a compreensão do amor de Deus por seu povo, de sua providência e cuidado para com os seus, isso é confortante por sabermos que estamos sempre aos cuidados do nosso Deus.
Conclusão
Estudar o pensamento de Calvino sobre a piedade cristã revelará a importância que o reformador dava a vida prática do cristianismo Bíblico, afirmações de que o calvinismo não valoriza a prática da piedade cristã está fundamentada em desconhecimento do que o calvinismo ensina, um estudo mais apurado sobre a reforma e suas extensões irá mostrar o quanto à doutrina reformada é comprometida com a sã doutrina e a vida santa, diante de um Deus que é santo.
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Notas:
[1] A Arte Expositiva de João Calvino, Steve Lawson. Ed. Fiel
[2] Comentário de Daniel, João Calvino. Ed. Fiel
[3] A Piedade Obediente de Calvino, Hermisten Maia Costa
[4] As Institutas da Religião Cristã, João Calvino - I 5.9.
[5] As Institutas da Religião Cristã, João Calvino - III. 2.8.
[6] As Pastorais, João Calvino, Comentário da epístola de Tito.
Fonte: Bereianos
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