por John Frame
[...]
A responsividade divina observada nas Escrituras não nos refuta a
crença no decreto eterno e na presciência exaustiva de Deus. Mas a
Escritura dá testemunho da presciência eterna de Deus?
A
Escritura tipicamente nos mostra o conhecimento de Deus sobre o futuro
através do fenômeno da profecia. Um aspecto da profecia é a predição de
eventos futuros. Além disso, uma evidência que revela um verdadeiro
profeta é que suas predições sobre eventos futuros deve ser verdadeira
(Dt 18.22). Em Isaías, Deus desafia os deuses das outras nações a
predizerem o futuro, sabendo que somente ele é capaz de fazer isso (Is
41.21-23; 42.9; 43.9-12; 44.7; 46.10; 48:3-7).
Os
teístas relacionais concordam que há um elemento preditivo na profecia,
mas insistem em que esse elemento preditivo não implica que Deus tenha
presciência exaustiva. Para mostrar isso, eles enumeram três tipos de
profecia:
Uma profecia pode expressar a intenção de Deus em fazer alguma coisa no futuro, independente da decisão da criatura. Se a vontade de Deus é a única condição exigida para que alguma coisa aconteça, se a cooperação humana não está envolvida, então Deus pode garantir seu cumprimento de forma unilateral e pode anunciar esse cumprimento com antecedência... Uma profecia também pode expressar o conhecimento que Deus tem de que alguma coisa acontecerá porque as condições necessárias para isso foram cumpridas e nada pode evitá-la. Na época em que Deus predisse a Moisés o comportamento de Faraó, o caráter desse governante era tão rígido que seu comportamento era totalmente previsível... Uma profecia também pode expressar o que Deus quer fazer se certas condições forem cumpridas.
Eu
concordo que na Escritura há profecias de todos esses tipos. Eu discuti
acima as profecias condicionais, e é claro que eu admito que Deus pode
anunciar suas próprias ações independentemente da decisão das criaturas.
O segundo tipo de profecia que Rice menciona deve ser
problemático para os teístas relacionais, porque (como foi mencionado
anteriormente com relação à interpretação de Boyd sobre Judas) ela sugere que algumas decisões humanas (a decisão de Faraó, na citação de Rice)
são moralmente responsáveis, muito embora elas claramente não sejam
livres no sentido libertarista. É estranho ver os teístas relacionais
falando em “condições necessárias” para o comportamento de uma pessoa e
usando termos como “rígido” e “totalmente previsível” – linguagem
determinista em apoio à posição libertarista! É claro que, para os
teístas relacionais, Faraó e Judas se endureceram antes de seu
endurecimento se tornar irreversível, isto é, uma vez que o
endurecimento surgiu, Deus fez com que essas pessoas fossem responsáveis
por ações que não podiam ser evitadas.
Eu creio, contudo, que, além das profecias desse tipo, há outros tipos que (1) não afirmam simplesmente as
intenções divinas, mas dependem, para seu cumprimento, das escolhas
humanas; (2) implicam em que as decisões de Deus determinam as escolhas
humanas; e (3) não são meramente condicionais.
Considere,
como exemplos, as antigas profecias da história do povo de Deus, dadas
por Deus a Noé (Gn 9.26, 27), Abraão (Gn 15.13-16), Isaque (Gn
27.27- 29, 39, 40), Jacó (Gn 49.1-28), Balaão (Nm 23 – 24) e Moisés (Dt
32.1-43; 33.1-29). Aqui Deus anuncia (de forma categórica, e não
condicional), com muitos séculos de antecedência, o caráter e a história
dos patriarcas e de seus descendentes. Essas profecias antecipam
incontáveis decisões livres de seres humanos, muito tempo antes que
qualquer um dos envolvidos tivesse tempo de formar seu caráter.
Em
1Samuel 10.1-7, o profeta Samuel diz a Saul que, depois que deixa
Samuel, encontrará três homens, e mais adiante um grupo de profetas.
Samuel lhe diz precisamente o que os três homens levarão e quais serão
os acontecimentos da jornada. Através de Samuel, Deus claramente
antecipa em detalhes as decisões livres dos homens e profetas sem nome,
tanto quanto os eventos da jornada. Compare um registro semelhantemente
detalhado dos movimentos de um inimigo de guerra em Jeremias 37.6-11.
Em
1Reis 13.1-4, Deus, através do profeta, diz ao ímpio rei Jeroboão que
levantará um rei fiel, chamado Josias. Essa profecia foi feita três
séculos antes do nascimento real do rei Josias. Compare referências em
Isaías 44.28 – 45.13 ao rei persa Ciro aproximadamente um século antes
de seu nascimento. Muitos casamentos, muitas combinações de esperma e
óvulo, muitas decisões humanas foram necessárias para que esses
indivíduos fossem concebidos, nascessem, assumissem o trono e cumprissem
essas profecias. Esses textos pressupõem que Deus sabe como todas essas
contingências serão cumpridas. O mesmo é verdade com relação a Jeremias
1.5, onde se diz que Deus conhecia Jeremias antes que ele estivesse no
ventre materno e o designou para ser um profeta. Compare também a
conversa entre Elias e Hazael da Síria, em 2Reis 8.12, e a detalhada
cronologia futura em Daniel 9.20-27 sobre a vida dos impérios e a vinda
do Messias.
A
Escritura não é duvidosa ao mostrar como Deus consegue esse
conhecimento extraordinário. Deus conhece, como eu disse anteriormente,
porque ele controla todos os eventos da natureza e da história por seu
próprio plano sábio. Deus faz tudo de acordo com sua sabedoria (Sl
104.24) e realiza tudo de conformidade com o propósito de sua vontade
(Ef 1.11). Portanto, Deus sabe tudo sobre as estrelas celestiais (Gn
1.15; Sl 147.4; Is 40.26; Jr 33.22) e sobre os menores detalhes do mundo
natural (Sl 50.10, 11; 56.8; Mt 10.30). “Deus o sabe” é uma forma de
expressão semelhante a um juramento (2Co 11.11; 12.2, 3) que garante a
verdade das palavras humanas sobre o pressuposto de que o conhecimento
de Deus é exaustivo, universal e infalível. O conhecimento de Deus é
conhecimento absoluto, uma perfeição pela qual ele deve ser louvado (Sl
139.17, 18; Is 40.28; Rm 11.33-36).
Dessa forma, “Deus conhece todas as coisas” (1Jo 3.20) e
“Não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas” (Hb 4.13).
Esse
conhecimento inclui o conhecimento exaustivo do futuro? Considerando a
inadequação dos argumentos dos teístas relacionais, a forte ênfase da
Escritura sobre o conhecimento exaustivo de Deus sobre o futuro e o
ensino bíblico de que o plano de Deus abrange toda a história, nós
devemos dizer que sim.
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Fonte: Eu não sei mais em quem eu tenho crido - Douglas Wilson (org.) - São Paulo: Cultura Cristã, 2006. Págs. 79-81
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