“Pela graça vocês foram salvos ... Para sua explicação, ver supra sobre o versículo 5. Ele prossegue: por meio da fé; e isto não vem de vocês, (é) o dom de Deus ...”
Há três explicações que merecem consideração:
(1) A que A.T. Robertson oferece. Comentando sobre esta passagem em seu Word Pictures in the New Testament, Volume 4, página 525, ele declara: “Graça é a parte de Deus; fé, a nossa.” Ele acrescenta ainda: já que no original o demonstrativo “isto” (e isto não vem de vocês mesmos) é neutro e não corresponde ao gênero da palavra “fé”, que é feminina, não se refere à última, “porém ao ato de ser salvo pela graça condicionada à fé que é parte nossa”. Ainda mais claramente: “Em Efésios 2.8 ... não há referência a [dia pisteos] [por meio da fé] nem [pouto] [isto], mas, antes, à idéia de salvação, da sentença anterior.”
Sem qualquer hesitação respondo a Robertson, a quem os eruditos do Novo Testamento do mundo inteiro estão indiscutivelmente em dívida, que neste caso não se expressa de forma muito feliz. Estou convicto disto, primeiro porque, num contexto em que o apóstolo põe tão forte ênfase sobre o fato de que, do começo ao fim, o homem deve sua salvação a Deus, e tão-somente a ele, teria sido muito estranho, sem dúvida, que ele diga: “Graça é a parte de Deus; fé, a nossa.” De fato, embora tanto a responsabilidade de crer quanto também sua atividade sejam nossas, visto que Deus não pode crer por nós, não obstante, no presente contexto (vs. 5-10), se esperaria ênfase sobre o fato de que, seja em seu início seja em seu seguimento, a fé é inteiramente dependente de Deus, bem assim nossa salvação plena. Em segundo lugar, Robertson, como gramático famoso em sua área, sabia que, no original, o demonstrativo (isto), embora neutro, nem sempre pode corresponder em gênero ao seu antecedente. Que ele tinha conhecimento disso demonstra-se pelo fato de que, na página indicada de sua gramática (p. 704), ele realça que “em geral” o demonstrativo “concorda com o substantivo em gênero e em número”. Quando diz “em geral”, ele quer dizer “nem sempre, e sim na maioria das vezes”. Portanto, ele deveria ter considerado mais seriamente a possibilidade de que, pela natureza do contexto, aplica-se a exceção à regra, exceção que de forma alguma é rara. Ele deveria ter feito tal concessão.[60] Finalmente, ele deveria ter justificado o silêncio que manteve sobre a regra que determina que, a menos que haja uma forte razão para agir de outra maneira, deve-se buscar o antecedente na vizinhança imediata do pronome ou adjetivo ao qual se refere.
(2) A apresentada, entre outros, por F.W. Grosheide. Em sua opinião, as palavras “e isto não vem de vocês mesmos” significam “e isto – de ser salvos pela graça mediante a fé – não vem de vocês mesmos”, porém é o dom de Deus. Já que, segundo essa teoria – também endossada, ao que parece, por João Calvino, em seu comentário –, a fé está inclusa no dom, nenhuma das objeções contra a teoria (1) se aplica à teoria (2).
Significa, pois, que o item (2) é inteiramente satisfatório? Não necessariamente. Isto nos leva a...
(3) A definida por A. Kuyper pai, em seu livro Het Werk van den Heiligen Geest (Kampen, 1927), pp. 506-514. Embora o Dr. Kuyper não seja o único defensor desta teoria, todavia provavelmente sua defesa seja a mais detalhada e vigorosa. Em suma, a teoria pode ser apresentada assim: As palavras de Paulo podem ser assim parafraseadas: “eu tenho o direito de falar sobre as ‘riquezas infinitas de sua graça’ visto que, indubitavelmente, é pela graça que vocês são salvos, através da fé; e a fim de que não comecem agora a dizer: ‘Mas então merecemos crédito, pelo menos por crermos’, acrescentarei imediatamente que, mesmo esta fé (ou: mesmo este exercício da fé), não vem de vocês mesmos, mas é dom de Deus.”
Com variações quanto a detalhes, esta explicação foi favorecida por grande parte dos seguidores da tradição patrística. Entre os que a apoiavam se encontram também Beza, Zanhius, Erasmo, Hugo de Groot (Grotius), Bengel, Michaelis, entre outros. É partilhada também por Simpson (op. cit. p. 55) e por Van Leenwen e Greijdanus em seus comentários. H.C.G. Moule (Ephesians Studies, Nova York, 1900, pp. 77, 78) a endossa, com a seguinte qualificação: “Devemos explicar touto [isto] como se referindo não precisamente ao substantivo feminino pístis [fé], mas ao fato de exercermos nossa fé.” Além disso, talvez não seja exagero dizer que a explicação oferecida é também partilhada pelo homem comum que lê 2.8 em sua Bíblia. Salmond, depois de apresentar várias provas em favor dessa teoria, especialmente essa que diz que “a fórmula kai touto poderia antes favorecê-la, já que amiúde acrescenta algo à idéia à qual está ligada”, termina separando-se dela porque “a salvação é a idéia principal na declaração precedente”, fato que, sem dúvida, os defensores de (3) não estão dispostos a negar, porém não há dúvida de que vigorosamente a afirmam, porém que não é um argumento válido contra a idéia de que a fé, tanto quanto tudo o que inclui a salvação, é dom de Deus. Portanto, não é um argumento válido contra (3).
Estou convencido de que a teoria (3) é a explicação mais lógica da passagem em questão. Provavelmente o melhor argumento em seu favor seja este: Se Paulo quis dizer: “Pela graça vocês foram salvos mediante a fé, e este ‘ser salvo’ não vem de vocês mesmos”, ele teria sido culpado de repetição desnecessária – pois que outra coisa é a graça, senão a que procede de Deus e não de nós mesmos? –, uma repetição que se faz ainda mais prolixa quando agora (supostamente) ele acrescenta: “ela, isto é, a salvação, é o dom de Deus”, seguida de uma quarta e uma quinta repetição, ou seja, “não de obras, porque somos obra de suas mãos”. Não surpreende que o Dr. A. Kuyper declare: “Se o texto reza: ‘Pela graça vocês foram salvos, não vem de vocês mesmos, é obra de Deus’, isto faria algum sentido. No entanto, ao dizer primeiro: ‘Pela graça vocês foram salvos’, e então, como se surgisse algo novo, acrescenta: ‘e este ser salvo não vem de vocês mesmos’, é algo que não soa bem, mas é como se fosse um som produzido por pancada oca ... E enquanto que, com essa interpretação, tudo procede em obediência a vertigens e impulsos, tornando-se ricocheteantes e redundantes, nós seguimos os antigos intérpretes da igreja de Cristo, o que torna tudo excelente e significativo.”[61] Esta, ao que me parece, é também a refutação da teoria (1) e, até certo ponto, da teoria (2).
Basicamente, contudo, as teorias (2) e (3) enfatizam a mesma verdade, ou seja, que o crédito para todo o processo de salvação deve ser conferido a Deus, de modo que o homem perde toda a razão de se vangloriar, e é precisamente o que Paulo afirma nas palavras que vêm em seguida, a saber: 9,10. não de obras, para que ninguém se vanglorie.
Há três explicações que merecem consideração:
(1) A que A.T. Robertson oferece. Comentando sobre esta passagem em seu Word Pictures in the New Testament, Volume 4, página 525, ele declara: “Graça é a parte de Deus; fé, a nossa.” Ele acrescenta ainda: já que no original o demonstrativo “isto” (e isto não vem de vocês mesmos) é neutro e não corresponde ao gênero da palavra “fé”, que é feminina, não se refere à última, “porém ao ato de ser salvo pela graça condicionada à fé que é parte nossa”. Ainda mais claramente: “Em Efésios 2.8 ... não há referência a [dia pisteos] [por meio da fé] nem [pouto] [isto], mas, antes, à idéia de salvação, da sentença anterior.”
Sem qualquer hesitação respondo a Robertson, a quem os eruditos do Novo Testamento do mundo inteiro estão indiscutivelmente em dívida, que neste caso não se expressa de forma muito feliz. Estou convicto disto, primeiro porque, num contexto em que o apóstolo põe tão forte ênfase sobre o fato de que, do começo ao fim, o homem deve sua salvação a Deus, e tão-somente a ele, teria sido muito estranho, sem dúvida, que ele diga: “Graça é a parte de Deus; fé, a nossa.” De fato, embora tanto a responsabilidade de crer quanto também sua atividade sejam nossas, visto que Deus não pode crer por nós, não obstante, no presente contexto (vs. 5-10), se esperaria ênfase sobre o fato de que, seja em seu início seja em seu seguimento, a fé é inteiramente dependente de Deus, bem assim nossa salvação plena. Em segundo lugar, Robertson, como gramático famoso em sua área, sabia que, no original, o demonstrativo (isto), embora neutro, nem sempre pode corresponder em gênero ao seu antecedente. Que ele tinha conhecimento disso demonstra-se pelo fato de que, na página indicada de sua gramática (p. 704), ele realça que “em geral” o demonstrativo “concorda com o substantivo em gênero e em número”. Quando diz “em geral”, ele quer dizer “nem sempre, e sim na maioria das vezes”. Portanto, ele deveria ter considerado mais seriamente a possibilidade de que, pela natureza do contexto, aplica-se a exceção à regra, exceção que de forma alguma é rara. Ele deveria ter feito tal concessão.[60] Finalmente, ele deveria ter justificado o silêncio que manteve sobre a regra que determina que, a menos que haja uma forte razão para agir de outra maneira, deve-se buscar o antecedente na vizinhança imediata do pronome ou adjetivo ao qual se refere.
(2) A apresentada, entre outros, por F.W. Grosheide. Em sua opinião, as palavras “e isto não vem de vocês mesmos” significam “e isto – de ser salvos pela graça mediante a fé – não vem de vocês mesmos”, porém é o dom de Deus. Já que, segundo essa teoria – também endossada, ao que parece, por João Calvino, em seu comentário –, a fé está inclusa no dom, nenhuma das objeções contra a teoria (1) se aplica à teoria (2).
Significa, pois, que o item (2) é inteiramente satisfatório? Não necessariamente. Isto nos leva a...
(3) A definida por A. Kuyper pai, em seu livro Het Werk van den Heiligen Geest (Kampen, 1927), pp. 506-514. Embora o Dr. Kuyper não seja o único defensor desta teoria, todavia provavelmente sua defesa seja a mais detalhada e vigorosa. Em suma, a teoria pode ser apresentada assim: As palavras de Paulo podem ser assim parafraseadas: “eu tenho o direito de falar sobre as ‘riquezas infinitas de sua graça’ visto que, indubitavelmente, é pela graça que vocês são salvos, através da fé; e a fim de que não comecem agora a dizer: ‘Mas então merecemos crédito, pelo menos por crermos’, acrescentarei imediatamente que, mesmo esta fé (ou: mesmo este exercício da fé), não vem de vocês mesmos, mas é dom de Deus.”
Com variações quanto a detalhes, esta explicação foi favorecida por grande parte dos seguidores da tradição patrística. Entre os que a apoiavam se encontram também Beza, Zanhius, Erasmo, Hugo de Groot (Grotius), Bengel, Michaelis, entre outros. É partilhada também por Simpson (op. cit. p. 55) e por Van Leenwen e Greijdanus em seus comentários. H.C.G. Moule (Ephesians Studies, Nova York, 1900, pp. 77, 78) a endossa, com a seguinte qualificação: “Devemos explicar touto [isto] como se referindo não precisamente ao substantivo feminino pístis [fé], mas ao fato de exercermos nossa fé.” Além disso, talvez não seja exagero dizer que a explicação oferecida é também partilhada pelo homem comum que lê 2.8 em sua Bíblia. Salmond, depois de apresentar várias provas em favor dessa teoria, especialmente essa que diz que “a fórmula kai touto poderia antes favorecê-la, já que amiúde acrescenta algo à idéia à qual está ligada”, termina separando-se dela porque “a salvação é a idéia principal na declaração precedente”, fato que, sem dúvida, os defensores de (3) não estão dispostos a negar, porém não há dúvida de que vigorosamente a afirmam, porém que não é um argumento válido contra a idéia de que a fé, tanto quanto tudo o que inclui a salvação, é dom de Deus. Portanto, não é um argumento válido contra (3).
Estou convencido de que a teoria (3) é a explicação mais lógica da passagem em questão. Provavelmente o melhor argumento em seu favor seja este: Se Paulo quis dizer: “Pela graça vocês foram salvos mediante a fé, e este ‘ser salvo’ não vem de vocês mesmos”, ele teria sido culpado de repetição desnecessária – pois que outra coisa é a graça, senão a que procede de Deus e não de nós mesmos? –, uma repetição que se faz ainda mais prolixa quando agora (supostamente) ele acrescenta: “ela, isto é, a salvação, é o dom de Deus”, seguida de uma quarta e uma quinta repetição, ou seja, “não de obras, porque somos obra de suas mãos”. Não surpreende que o Dr. A. Kuyper declare: “Se o texto reza: ‘Pela graça vocês foram salvos, não vem de vocês mesmos, é obra de Deus’, isto faria algum sentido. No entanto, ao dizer primeiro: ‘Pela graça vocês foram salvos’, e então, como se surgisse algo novo, acrescenta: ‘e este ser salvo não vem de vocês mesmos’, é algo que não soa bem, mas é como se fosse um som produzido por pancada oca ... E enquanto que, com essa interpretação, tudo procede em obediência a vertigens e impulsos, tornando-se ricocheteantes e redundantes, nós seguimos os antigos intérpretes da igreja de Cristo, o que torna tudo excelente e significativo.”[61] Esta, ao que me parece, é também a refutação da teoria (1) e, até certo ponto, da teoria (2).
Basicamente, contudo, as teorias (2) e (3) enfatizam a mesma verdade, ou seja, que o crédito para todo o processo de salvação deve ser conferido a Deus, de modo que o homem perde toda a razão de se vangloriar, e é precisamente o que Paulo afirma nas palavras que vêm em seguida, a saber: 9,10. não de obras, para que ninguém se vanglorie.
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Notas:
[60] Ainda que Lenski chame a declaração de Robertson (“graça é a parte de Deus; fé, a nossa”) de displicente, por outro lado sua própria explicação (op. cit. p. 423), na qual baseia tudo no fato de que tou/to é neutro, porém pi,stij é feminino, basicamente é o mesmo que faz Robertson.
[61] No tocante à gramática, existem vários casos citados por Kuyper nas obras de Platão, Xenofontes e Demóstenes em que se usa touto para indicar um antecedente masculino ou feminino. Também cita o seguinte de uma gramatica grega: "É muito comum o uso de um pronome demonstrativo neutro para indicar um antecendente substantivo do gênero masculino ou feminino quando a ideia dada pelo substantivo é mencionada num sentido geral". A citação é da obra de Kuhnhert. Ausfuhliche Grammatik der Griech. sprache (Hanover, 1870). vol II, p. 54.
Fonte: Comentário do Novo Testamento - Efésios e Filipenses - 2ª Ed. - São Paulo: Cultura Cristã, 2005; págs. 144-147
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