Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

quarta-feira, 8 de agosto de 2012


É bom ser do bem?

Desde 2006, existe uma campanha no Brasil denominada “É bom ser do bem”, que começou tímida, por meio da iniciativa de poucas pessoas, e agora conta com o apoio de empresas e artistas.

O leitor já deve ter visto adesivos, camisetas e até tatuagens com a frase citada. Ela tem como objetivo difundir a ideia de que vale a pena ser altruísta, honesto, educado, respeitador, paciente, equilibrado, etc. Considero essa campanha nobre, mas, a cada dia, me decepciono com a hipocrisia dos cidadãos brasileiros, sobretudo os de boa formação, bem-sucedidos profissional e financeiramente, os quais sabem e podem fazer o bem e não o fazem.

Lembro-me de que, há alguns anos, estava em voga colar adesivos com versículos bíblicos no vidro traseiro dos automóveis. Cidadãos brasileiros, evangélicos e não evangélicos, aderiram ao modismo, cuja mensagem era praticamente a mesma da campanha em apreço: “É bom ser do bem”. Pois é... Mas cansei de ver motoristas hipócritas dirigindo perigosamente e ostentando dizeres “do bem”, como: “O caminho de Deus é perfeito”, “A Deus tudo é possível” ou “Tudo posso naquele que me fortalece”.

Francamente, já perdi a conta das vezes em que meu carro foi fechado, ultrapassado pela direita, em alta velocidade, por carros contendo adesivos “do bem”. Ah, também tenho visto muitos cidadãos brasileiros que, ao saírem das garagens, avançam com os seus carrões sobre os pedestres, em plena calçada!

Ser do bem é colocar-se no lugar do próximo; é muito mais que colar adesivos no carro. Motorista do bem respeita o pedestre; não avança sobre ele, ao vê-lo atravessar a rua, mesmo que o tal esteja fora da faixa de pedestres. Em alguns países, especialmente na Europa, se uma pessoa aparecer no meio de uma avenida, fora da faixa, os carros param, em respeito à vida humana. Afinal, por mais que o pedestre esteja errado, não tem nenhuma proteção, ao contrário do motorista, que está seguro dentro de seu automóvel.

No Brasil, o pedestre não é respeitado nem na faixa ou na calçada. Aqui em Niterói-RJ, onde moro desde 2001, os motoristas, inclusive alguns que usam o adesivo “É bom ser do bem”, saem de suas garagens apressados e não querem nem saber se há pessoas à sua frente. Egoístas, avançam sobre idosos, mães empurrando carrinhos de bebês, estudantes, etc. Onde estão os cidadãos brasileiros do bem? E olha que estou falando de bairros nobres, como Boa Viagem, Ingá, Icaraí e São Francisco, onde residem cidadãos de boa formação e bem-sucedidas na vida, como juízes, advogados, engenheiros, médicos, etc. Têm essas pessoas, privilegiadas, abastadas, o direito de viverem irritadas e serem intolerantes, querendo passar por cima de todo o mundo?

Tenho (aliás, tinha, pois mudei de residência há alguns dias) um vizinho “do bem” que torce pelo Corinthians. Descobri isso por causa dos gritos horrorosos que ouvia nos dias de jogos, que acontecem geralmente às 22 horas. Durante as partidas, ele gritava palavrões, pulava, xingava moradores dos outros prédios, especialmente quando seu time jogava contra equipes cariocas. Ao ouvir músicas ou assistir a filmes, ele regulava o som no último volume. Certa noite, pouco depois das 22 horas, minha filha fez um pequeno barulho, ao balançar na rede. O “amável” cidadão brasileiro, sem nenhuma tolerância, ligou para a portaria e mandou avisar que gostaria de descansar. O camarada tem boa aparência, parece ter boa formação, mora bem, possui carro importado... Mas é um “perfeito” estúpido e egoísta. E é esse tipo de gente que se considera do bem!

Além de “É bom ser do bem”, a campanha em apreço utiliza outras frases de efeito, como: “Não corra, não morra”, “Se beber, não dirija”, “Seja luz, independente de religião, fé ou crença”, “O palmeirense ou o corintiano ao lado não é seu inimigo”. Blá, blá, blá... Desculpe-me! Estou cansado da hipocrisia da sociedade brasileira. Falar que é do bem é fácil. Onde está a mudança de atitude desse pessoal que gosta de colar adesivos, usar camisetas e até fazer tatuagens “do bem”?

Outra frase de efeito da campanha é “Valorize as pessoas”. Mas valorizar pessoas não é fazer o bem apenas à nossa família ou aos nossos amigos. Para que haja mudança significativa na sociedade, temos de valorizar o próximo. Você é capaz de fazer isso, prezado leitor? Consegue se preocupar com pessoas que não fazem parte do seu mundo? Jesus Cristo, o Mestre dos mestres, ensinou que devemos amar, inclusive, os nossos inimigos e fazer o bem àqueles que nos aborrecem (Lc 6.27,28). Isso, sim, é ser do bem!

Veja mais uma frase de efeito da campanha “do bem”: “Invista sua energia em uma causa nobre”. O objetivo dos seus propagadores é induzir pessoas a usarem a sua energia no que é relevante, evitando “brigas, discussões ou impasses bobos”. Excelente! Mas, a cada dia, o que vemos é hipocrisia e egoísmo. Quanto mais ganham dinheiro e prosperam, as pessoas se tornam mais irritadas, amargas, egocêntricas, capazes de brigar por motivos banais.

Lembro-me de que, há alguns anos, ao chegar, alegre, com a minha família, à Feira da Gestante e do Bebê, no Riocentro, no Rio de Janeiro-RJ, fui chamado para a briga por uma pessoa “do bem”. No estacionamento da feira, um veículo (um bom veículo) me ultrapassou em alta velocidade e, depois, mais adiante, cruzou à minha frente. Fiquei assustado e comentei com a minha esposa: “Que absurdo”. Minutos depois, ainda procurando uma vaga, o mesmo carrão cruzou à minha frente em alta velocidade e quase bateu em meu automóvel. Minha reação foi a de buzinar prolongadamente. Quase não uso buzina, porém agi por impulso ante a imprudência e a irresponsabilidade do motorista agressor.

Ao estacionar, coloquei minha filha sobre os ombros – à época, ela devia ter uns 2 anos de idade – e seguimos para a entrada da feira. Um casal veio em nossa direção, e o rapaz, bem vestido, 
que parecia ser “do bem”, musculoso, com aparência de praticante de MMA, me abordou: “Você é o dono daquele Peugeot verde?” “Sim”, respondi. Para quê? O cidadão brasileiro ordenou que eu pusesse a minha filha no chão, pois ele me encheria de p... Ops! Você sabe: o equivalente a pancadas, socos e pontapés. Graças a Deus, a outra cidadã brasileira, sua esposa, gestante, gritou: “Ele é um pai de família, seu idiota! Pare com isso”. Afastei-me, e resolvemos ir embora, a fim de evitarmos o pior. Afinal, percebi que o valentão controlara-se por pouco tempo, mas ainda poderia retomar a questão, caso me visse de novo. Minha esposa e eu resolvemos nos desviar do mal e fomos passear num shopping, bem distante dali.

Reconheço que a campanha “É bom ser do bem” é bonita, perpetrada por cidadãos brasileiros cheios de boas intenções. Eles estão de parabéns pela iniciativa. Para mim, inclusive, que sou cristão, ser do bem é um dever, haja vista o que está escrito em Gálatas 6.10: “Façamos o bem a todos”. O cristão que se preza deve andar como Jesus andou (1 Jo 2.6), e Ele andou fazendo o bem (At 10.38). Entretanto, repito: a hipocrisia da sociedade brasileira me decepciona.

Antes de colar um adesivo, vestir uma camiseta ou tatuar frases de efeito no corpo, os cidadãos brasileiros deviam refletir sobre o quanto têm sido hipócritas, egoístas e inimigos do bem, principalmente os que possuem boa formação. Não tenho nada contra a mensagem “É bom ser do bem” e outras similares. Mas só vamos mudar, efetivamente, quando pararmos de agir como se o mundo girasse em torno de nós e nos colocarmos no lugar do próximo.

Ciro Sanches Zibordi

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