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ARTIGO 3, A PALAVRA DE DEUS: Confessamos que a palavra de Deus não foi enviada nem produzida “por vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”, como diz o apóstolo Pedro (2 Pedro 1:21). Depois, Deus, por seu cuidado especial para conosco e para com a nossa salvação, mandou seus servos, os profetas e os apóstolos, escreverem sua palavra revelada [1]. Ele mesmo escreveu com o próprio dedo as duas tábuas da lei [2]. Por isso, chamamos estas escritas: sagradas e divinas Escrituras [3].
[1] Êx 34:27; Sl 102:18; Ap 1:11,19. [2] Êx 31:18. [3] 2Tm 3:16.
Sobre isso, o teólogo presbiteriano B.B. Warfield escreveu:
“Os livros bíblicos são chamados inspirados por serem o produto, divinamente determinado, de homens inspirados; os escritores bíblicos são chamados inspirados por terem recebido o sopro do Espírito Santo, de maneira que o produto de suas atividades transcende a capacidade humana e recebe autoridade divina. A inspiração é, pois, definida, em geral, como sendo uma influência sobrenatural exercida nos escritores sagrados, pelo Espírito de Deus, em virtude da qual os seus escritos recebem fidedignidade divina.
“Toda a Escritura é divinamente inspirada, e é proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça” (II Tm. 3:16/ Almeida revista e corrigida). A palavra grega usada nesta passagem, theópneustos, não significa, de maneira nenhuma, “inspirado de Deus”. Esta frase é, antes, a tradução do latim divinitus inspirata, da Vulgata. A palavra grega nem sequer significa, como Almeida traduz, “divinamente inspirada”, embora esta tradução seja, por assim dizer, uma paráfrase rude, ainda que não enganadora, do termo grego, na linguagem teológica corrente daquele tempo. A expressão grega, porém, nada diz a respeito de inspiração ou de inspirar: fala apenas de respirar ou de respiração. Diz, sim, que é “exalado por Deus”, sendo pois o produto do “sopro” criador de Deus, e não que seja “inspirado por Deus”, isto é, que seja produto da “inspiração” divina nos seus autores humanos. Numa palavra, o que se declara nesta passagem fundamental é, simplesmente, que as Escrituras são um produto divino, sem qualquer indicação da maneira como Deus operou para as produzir. Não se poderia escolher nenhuma outra expressão que afirmasse, com maior saliência, a produção divina das Escrituras, como esta o faz.
O “sopro de Deus” é, nas Escrituras, o símbolo do Seu poder onipotente, o portador da Sua palavra criadora. No Salmo 33.6, lemos: “Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles”. É precisamente onde as operações de Deus são ativas, que esta expressão hebraica (“ruah” ou “Neshamah”) é usada para designar essas operações – o sopro de Deus é o fluxo irresistível do Seu poder. Quando Paulo declara que “toda a escritura” ou “cada escritura” é o produto do sopro divino, “é exalada por Deus”, afirma com toda a energia possível, que as Escrituras são o produto de uma operação especificamente divina.
Do mesmo modo, nosso Senhor tem, freqüentemente, ocasião de Se admirar do efeito insignificante produzido pela leitura das Escrituras, não porque tivessem sido examinadas com demasiada curiosidade, mas porque não foram examinadas com bastante anseio e com uma confiança suficientemente simples e forte em cada declaração que elas contêm. “Ainda não lestes esta Escritura” sequer? pergunta, ao citar o Salmo 118, para mostrar que a rejeição do Messias já fora dada a entender nas Escrituras (vd. Mc. 12.10: Mt. 2 1.42 altera a expressão para o equivalente e diz: “Nunca lestes nas Escrituras?”) E quando os judeus indignados se chegaram a Ele e se queixaram dos Hosanas com que as crianças, no Templo, O aclamavam, e lhe perguntaram: “Ouves o que estes estão dizendo?”, Jesus apenas lhes replicou (Mt. 21:16): “Sim: nunca lestes: Da boca de pequeninos e crianças de peito, tiraste o perfeito louvor?”.
O pensamento em que estão baseadas as passagens acima citadas é apresentado, abertamente, quando Ele dá a entender que a origem de todos os erros a respeito das coisas divinas é, justamente, a ignorância das Escrituras. “Errais”, declarou Ele aos seus perguntadores, em determinada ocasião importante, “não conhecendo as Escrituras” (Mt. 22.29); ou, como se encontra, talvez com mais força, na forma interrogativa, na passagem paralela, em outro Evangelho: “Não provém o vosso erro de não conhecerdes as Escrituras…?” (Mc. 12.24). É evidente que, aquele que conhece bem as Escrituras, não erra.
A confiança com que Jesus se baseava nas Escrituras, em todas as declarações que elas fazem, é ainda ilustrada numa passagem como a de Mateus 19.4. Certos fariseus chegaram perto d’Ele com uma pergunta acerca do divórcio, e Ele replicou-lhes da seguinte maneira: “Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse?.. Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o homem”. O ponto a salientar aqui é a referência explícita de Gênesis 2.24, como tendo Deus como autor. “O Criador, desde o princípio, os fez… e que disse”. “Portanto, o que Deus ajuntou”. No entanto, esta passagem não nos dá uma sentença de Deus, registrada na Bíblia, mas apenas a palavra da própria Escritura, e só pode ser tratada como uma declaração de Deus na hipótese de que toda a Escritura é uma declaração de Deus. A passagem paralela em Marcos (10.5 e ss.), do mesmo modo, ainda que não tão explicitamente, apresenta esta passagem como sendo da autoria de Deus, citando-a como lei autorizada e falando da sua determinação como um ato de Deus. É interessante notar, de passagem, que Paulo, tendo oportunidade de citar a mesma Escritura (ver 1 Co. 6.16), cita-a também, explicitamente, como palavra divina: “Porque, como se diz, serão os dois uma só carne” – o diz, aqui, de acordo com um uso que mais adiante veremos, refere-se a Deus.
Portanto, é evidente que Jesus, citando ocasionalmente as Escrituras como sendo um documento com autoridade, baseia-se na atribuição a Deus da sua autoria. O Seu testemunho é que tudo quanto está escrito nas Escrituras é uma Palavra de Deus. Não podemos, tampouco, retirar a este testemunho a sua força, alegando que representa Jesus apenas nos dias de Sua carne, quando se poderia supor que Ele apenas refletia a opinião do Seu tempo e da Sua geração. O ponto de vista a respeito das Escrituras, que Ele apresenta, era também, sem dúvida, o ponto de vista do Seu tempo e da Sua geração, além de ser o Seu. Mas não há qualquer razão para duvidar que Ele o mantinha, não por ser o ponto de vista corrente, mas porque, no Seu conhecimento Divino-humano, sabia ser o verdadeiro: pois, até mesmo na Sua humilhação, Ele é testemunha fiel e verdadeira.
Em todo caso, devemos ter presente que era este o ponto de vista do Cristo ressurreto, como fora o do Cristo humilhado. Foi depois d’Ele ter sofrido e ressuscitado, no poder de Sua vida divina, que pronunciou “Ó néscios e tardos de coração…” àqueles que não crerem em tudo aquilo que está escrito nas Escrituras (Lc. 24.25); e que apresentou o simples “Assim está escrito”, como base suficiente para uma fé confiante (Lc. 24.46). Tampouco podemos minorar o testemunho de Jesus em relação à fidedignidade das Escrituras, interpretando-o como sendo não o Seu, mas dos seus discípulos, que o colocaram na Sua boca, ao relatarem as Suas palavras. Não só tudo é demasiado constante, minucioso, íntimo e, em parte, incidental, e, por isso encoberto, por assim dizer, para admitir tal interpretação mas de tal forma penetra todas nossas fontes de informação a respeito dos ensinos de Jesus, que dá a certeza de que vem na verdade, d’Ele mesmo. Não só pertence ao Jesus apresentado nos relatos evangélicos, como também ao Jesus das fontes mais antigas, que concordam com os relatos evangélicos, como se pode verificar, observando os incidentes em que Jesus cita as Escrituras, como divinamente autorizadas, registradas em mais que um dos Evangelhos (por exemplo, “Está escrito”- Mt. 4.4, 7, 10: Lc. 4.4. 8, 10: Mt. 11.10: Lc. 7.27: Mt. 21.13: Lc. 19.46, Mc. 11.17: Mt. 26.31; Mc. 14.21; “a Escritura” ou “as Escrituras: Mt. 19.4: Mc. 10.9: Mt. 21.42: Mc. 12.10: Lc. 20.17: Mt. 22.29: Mc. 12.24: Lc. 20.37; Mt. 25.56: Mc. 14.49; Lc. 24.44). Estas passagens bastariam para tornar evidente o testemunho de Jesus acerca das Escrituras, como sendo em todas as suas partes e em tudo o que diz, divinamente infalível.
As tentativas para se atribuir o testemunho de Jesus aos seus discípulos, apenas tem em seu favor o fato inegável de que o testemunho dos escritores do Novo Testamento tem precisamente o mesmo efeito que o testemunho d’Ele. Também eles falam superficialmente das Escrituras, usando esse tão significativo nome e citam-nas com um simples “Está escrito”, implicando que tudo quanto nelas está escrito, é divinamente autorizado. Do mesmo modo que a vida pública de Jesus começa com este “Está escrito” (Mt. 4.4), também a proclamação evangélica começa com um “Conforme está escrito” (Mc. 1.2): e do mesmo modo que Jesus procurou justificar a Sua obra com um solene “Assim está escrito, que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia” (Lc. 24.46), também os apóstolos justificaram, solenemente, o Evangelho que pregavam, em todos os seus pormenores, com um apelo às Escrituras, “que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” e “que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Co. 15.3, 4; ver também At. 8.35; 17.3; 26.22; Rm. 1.17; 3.4, 10; 4.17; 11.26; 14.11; 1 Co. 1.19:2.9; 3.19; 15.45; GI. 3.10, 13; 4.22, 27).
Onde quer que levassem o Evangelho, era um Evangelho baseado nas Escrituras que proclamavam (At. 17.2; 18.24, 28); e encorajavam-se a si mesmos para provar a veracidade da mensagem com as Escrituras (ver At. 17.11). A santidade de vida que inculcavam, baseavam-na em exigências das Escrituras (ver 1 Pe. 1.16), e recomendavam a lei real do amor, que ensinavam com sanção divina (Tg. 2.8). Todos os detalhes do dever cristão, os sustentavam com um apelo às Escrituras (ver At. 23.5; Rm. 12.19). Vão buscar às Escrituras a explicação de circunstâncias nas suas vidas e dos acontecimentos em redor (ver Rm. 2.26; 8.36; 9.33; 11.8: 15.9, 21; II Co. 4.13). Do mesmo modo que o Senhor declarou que tudo quanto estava escrito nas Escrituras tem que se cumprir (ver Mt. 26.54; Lc. 22.37; 24.44), assim, também, os seus discípulos explicavam um dos acontecimentos mais espantosos que se deram nas suas experiências pessoais, mostrando que “convinha que se cumprisse a Escritura que o Espírito Santo proferiu anteriormente por boca de Davi…” (At. 1.16).
Afirma-se aqui, muito claramente, a razão para este constante apelo às Escrituras, de forma que basta que algo esteja contido nas Escrituras (ver 1 Pe. 2.6) para ter autoridade infalível. A Escritura tem de se cumprir, porquanto o que ela contém é a declaração feita pelo Espírito Santo, através do autor humano. O que as Escrituras dizem, é Deus quem o diz; e, assim, lemos afirmações tão notáveis como as seguintes: “Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei (Rm. 9.17); “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos” (GI. 3.8). Estas citações não são apenas exemplos da simples personificação das Escrituras, o que, aliás, em si, é um uso bastante notável (ver Mc. 15.28; J0. 7.38, 42; 19.37; Rm. 4.3; 10.11: 11.2: Gl. 4.30: 1 Tm. 5.18; Tg. 2.23; 4.5 ss.), vocal, com a convicção expressa por Tiago (4.5) de que a Escritura não pode falar em vão. Mostram uma certa confusão, na linguagem corrente, entre “Escritura” e “Deus”, resultado de uma convicção profundamente arraigada de que a palavra da Escritura é a Palavra de Deus. Não foi a “Escritura” que falou a Faraó, ou deu a sua grande promessa a Abraão, mas sim Deus. Porém, “Escritura” e “Deus” estavam tão intimamente ligados na mente dos escritores do Novo Testamento, que podiam falar naturalmente da “Escritura” operar aquilo que as Escrituras dizem ter Deus operado. Era-lhes, porém, ainda mais natural falarem casualmente e atribuindo a Deus aquilo que as Escrituras dizem; e, assim, encontramos formas de expressão, como estas: “Assim, pois, como diz o Espírito Santo: Hoje, se ouvirdes a sua voz (Hb. 3.7, citando o Sl. 95.7); “Tu, Soberano Senhor… que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: Por que se enfureceram os gentios…” (At. 4.25, citando o Sl. 2.1); “E, que Deus o ressuscitou dentre os mortos para que jamais voltasse à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei a vosso favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi. Por isso, também diz em outro Salmo: Não permitirás que o teu Santo veja corrupção” (At. 13.34,35, citando Is. 55.3 e Sl. 16.10), etc. As palavras colocadas, nestes casos, na boca de Deus, não são palavra de Deus registradas nas Escrituras, mas simplesmente palavras das Escrituras. Quando comparamos as duas espécies de passagens, em uma das quais se diz que a Escritura é Deus, enquanto que na outra se fala de Deus como se Ele fosse a Escritura, podemos verificar quão íntima era a identificação de ambas nas mentes dos escritores do Novo Testamento”.
Por B. B. Warfield
Fonte: “O CONCEITO BÍBLICO DE INSPIRAÇÃO”, Revista Os Puritanos, Ano VIII, nº. 4.
Retirado do blog: Resistir e Reconstruir
Via: Blog 2 Timóteo 3:16
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