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Por Gene Edward Veith, Jr.
A opção confessional O antropólogo britânico Ernest Gellner vem estudando a fragmentação da cultura contemporânea e o quanto ela precisa, como todas as culturas, de uma religião, uma visão de mundo abrangente para fornecer valores e significado. Conclui que agora só há três alternativas religiosas: o relativismo pós-moderno, o fundamentalismo racionalista e o fundamentalismo religioso. Gellner mesmo aconselha o que chama de “fundamentalismo racionalista”, um retorno honrado aos ideais do iluminismo. Como o fundamentalismo religioso, esse racionalismo confessadamente dogmático acredita em verdades absolutas e transcendentes. Concorda com os relativistas, porém, ao rejeitar a revelação e a certeza intelectual. O “relativismo pós-moderno”, entretanto, Gellner acha quase que desprezível. Depois de uma crítica contumaz dos pós-modernistas, ele os dispensa de vez: Aos relativistas, só se pode dizer isto—vocês fornecem uma explicação excelente da maneira em que escolhemos nosso cardápio ou nosso papel de parede. Como explicação das realidades de nosso mundo e como guia à conduta, sua posição é risível.[129] Gellner, embora secularista comprovado, respeita muito mais os fundamentalistas religiosos: Os fundamentalistas merecem nosso respeito por dois motivos: eles, como nós, reconhecem que a verdade é única, evitando a auto-decepção fácil do relativismo universal; e eles são nossos antecessores intelectuais. Sem entregar-nos à idolatria exagerada dos ancestrais, nós lhes devemos uma medida de reverência. Sem um monoteísmo sério, para não dizer obcecado..., o naturalismo racional do Iluminismo poderia nunca ter vindo à luz do dia. Com toda certeza, a fixação em uma única Revelação foi a pré-condição histórica para a emergência bem sucedida de uma Natureza singular e simetricamente acessível.... Sem um impulso religioso forte em direção a um só mundo bem ordenado, e o consequente escape da incoerência oportunista e manipuladora, é provável que o milagre cognitivo não tivesse ocorrido.[130] Gellner vê o fundamentalismo religioso não só como o venerável antepassado do modernismo, mas como opção legítima para o mundo de hoje. Infelizmente, o tipo específico de fundamentalismo religioso que ele estuda e que vê como possuindo mais vigor é o fundamentalismo islâmico. O cristianismo (pelo menos a versão que lhe é conhecida na Inglaterra) deve lhe parecer tão corrompida, tão comprometida e obediente ao restante da cultura, que ele não a leva a sério. Os crentes realmente precisam estar acordados para o fato que o islã está se tornando seu maior competidor religioso através do mundo. A igreja na África já enfrenta luta intensa e perseguição vinda do islã. Não sendo mais somente uma religião do Oriente Médio, o islã se estende através da África e Ásia, é uma presença forte nos estados ex-comunistas, e está ganhando terreno na Europa Ocidental e Estados Unidos. Um islã militante e intransigente poderá emergir como a religião pós-modernista mais potente, contra a qual nem os racionalistas tímidos, nem os relativistas aguados, e nem os cristãos, querendo agradar a todos, poderão ter força suficiente. A posição do próprio Gellner, que ele chama com franqueza louvável de “fundamentalismo racionalista” Para que o cristianismo seja uma alternativa viável ao modernismo (que agora está desacreditado), ao pós-modernismo (uma anarquia formalizada sob a qual poucas pessoas conseguem subsistir por muito tempo) e, para completar, ao fundamentalismo islâmico, ele precisa pôr a casa em ordem. O cristianismo não pode se entregar ao modernismo, como na teologia liberal, nem ao pós-modernismo, como na teologia da megamudança. Tanto o liberalismo como o evangelicalismo de megamudança se rendem à cultura. Vender-se à cultura dominante, ironicamente, não é fórmula para o sucesso e sim para o fracasso. As igrejas liberais procuraram apelar ao “homem moderno” aceitando de braços abertos o modernismo, mas ao fazer isso tornaram-se irrelevantes e morreram quando o clima mudou. Igrejas evangélicas que aceitam sem críticas o pós-modernismo estão em perigo de sofrer a mesma sorte. Capitulando ao espírito dos tempos, ambas as teologias sincréticas recusam ministrar às necessidades espirituais genuínas dos seres humanos que se acham perdidos ou no labirinto do modernismo, que lhes nega o sobrenatural, ou no pós-modernismo, que lhes nega a verdade. “Não sabemos ainda o que o futuro proporcionará”, escreve Diogenes Allen, “mas está claro que é exigida uma reavaliação fundamental da fé cristã—libertada dos posicionamentos da mentalidade moderna que em geral se têm apresentado hostis a qualquer ótica religiosa”.[131] Allen salienta que a era pós-moderna já torna possível a recuperação da ortodoxia cristã, atacada desde o iluminismo: “Não mais pode o cristianismo ser colocado na defensiva, como ocorria durante os últimos trezentos anos mais ou menos, pela visão tacanha da razão e pela dependência da ciência clássica tão características da mentalidade moderna”.[132] Thomas Oden crê que a ortodoxia cristã clássica irá mesmo reaparecer na era pós-moderna. Para Oden, o colapso do comunismo marca o colapso do modernismo, e ele acha um significado imenso na sobrevivência e vindicação da igreja ortodoxa russa, cujas tradições pouco têm mudado desde os primeiros séculos. Oden descreve como fútil o protestantismo liberal, com o qual esteve associado por certo tempo. Ele observa como os teólogos de todas as tradições estão se voltando à Bíblia, estudando a igreja primitiva, e recuperando a sabedoria e espiritualidade dos pais da igreja. “Os crentes pós-modernos”, escreve ele, “são aqueles que, tendo aceito de boa fé as disciplinas da modernidade, e tendo se desiludido com as ilusões da modernidade, estão de novo estudando a Palavra de Deus revelada na história”.[133] Oden acredita que os pós-modernistas sejam na realidade hipermodernistas, forçando o ceticismo modernista aos seus últimos limites. Em lugar de oferecer uma alternativa genuína ao modernismo, como faz a ortodoxia cristã, os relativistas culturais representam nada mais que os estertores de morte do modernismo. Espero que ele tenha razão, mas creio que Oden, como Gellner, subestima os pós-modernistas, cujas idéias agora permeiam toda a sociedade. Também suspeito que ele esteja otimista demais quanto ao triunfo do cristianismo clássico, que certamente deve enfrentar grande oposição numa sociedade cada vez mais relativista. Entretanto, Oden lança um apelo comovente para que os cristãos aceitem a morte do modernismo e se engagem na nova época pela recuperação de sua herança doutrinária e espiritual. Gellner vê algum tipo de “fundamentalismo”, quer racionalista ou religioso, como a opção preferível (na verdade a única opção) ao relativismo. O termo “fundamentalismo”, contudo, é um remanescente das disputas sobre o modernismo. O termo caiu em descrédito mesmo entre aqueles a quem Gellner pressupõe que seja aplicável. Além disso, no mundo pós-moderno a palavra tem as conotações associadas com o fundamentalismo islâmico, com seus mulás autoritários e sua austeridade de decepar mãos. Não é nem um pouco o que os cristãos, que têm um conceito muito diferente de lei, cultura e graça, desejariam transmitir. As igrejas que resistiram ao regime de Adolfo Hitler, aquele primeiro estado pós-modernista, atribuíam a si o nome de igrejas “confessionais”. Confessavam sua fé contra uma igreja sincretista e contra o estado totalitário, assumindo posição sobre a Palavra de Deus e a doutrina cristã, conforme expressa em suas confissões de fé históricas.[134] Em honra delas e em reconhecimento de que muitas das questões serão exatamente as mesmas, poderíamos falar em cultivar um “cristianismo confessional”. Os cristãos, se vão constituir uma alternativa ao relativismo pós-moderno, precisam confessar sua fé na palavra e na ação. Isso significa conhecer qual é essa fé. Os crentes de cada corpo eclesiástico poderiam começar pelo retorno à sua própria herança doutrinária. Luteranos, calvinistas e outras igrejas históricas têm confissões formais redigidas daquilo que crêem. Anglicanos, católicos e ortodoxos têm tradições teológicas ricas e rigorosas. Outras denominações têm posições teológicas menos estritamente definidas, mas mesmo assim têm suas confissões de fé e sua herança baseada na Bíblia, que devem reassumir. Fazendo isso, poderão recuperar sua vitalidade e testificar o cerne da verdade bíblica que se levantará como testemunho abrasador diante da cultura relativista. Igrejas bíblicas com integridade doutrinária terão testemunho mais forte do que congregações confusas, ansiosas por agradar a todos, que nada de especial representam. O confessionalismo não deverá significar “ortodoxia morta”, insistência em algum tipo de pureza doutrinária às custas de uma fé aquecida, pessoal. O alvo deve ser “ortodoxia viva”, uma fé tanto experiencial quanto baseada na verdade, com espaço tanto para os sentimentos quanto o intelecto. Em certas épocas da história da igreja, a doutrina têm sido enfatizada até o exagero, mas é difícil ser esse um problema numa sociedade em que toda a tendência é negar a verdade inteiramente. Enfatizar a doutrina ressaltará as diferenças doutrinárias entre as várias tradições cristãs, mas isso não precisa significar uma luta religiosa destrutiva. As várias tradições precisam ser recuperadas antes que possam ser apreciadas ou então desafiadas; e uma vez reestabelecidas, os debates sobre quais teologias estão mais de acordo com a Bíblia poderiam ser retomadas, porque a teologia mais uma vez seria levada a sério. O debate teológico vibrante poderia robustecer a igreja. O método ecumênico da unidade—extinguir todas as crenças características—fracassou, mas o confessionalismo rigoroso, combinado à percepção de quem são os inimigos verdadeiros da igreja, poderia não só ser edificante como também unificador. A unidade da igreja, afinal, como o Apóstolo Paulo declara explicitamente, compreende a diversidade, um Corpo consistindo de diversos órgãos (1 Coríntios 12). Essa síntese de unidade e pluralismo quase soa como pós-moderna. Apropriando-se do pós-modernismo Tanto o apelo de Michael Horton por um retorno à teologia reformada quanto o projeto de Thomas Oden para que se recupere a teologia da igreja primitiva, acabam sendo um chamado a um novo confessionalismo cristão. O clima intelectual pós-moderno teoricamente deveria abrir espaço para isso. Um porta-voz do pósmodernismo o disse bem: “A idéia de que todos os grupos tenham direito de se pronunciar em seu próprio favor, com sua própria voz, e dessa voz ter aceitação como autêntica e legítima é essencial à posição pluralista do pós-modernismo”.[135] Certamente isso deveria incluir as comunidades cristãs, que partilham as mesmas crenças e a mesma linguagem teológica. Se o pós-modernismo busca trazer o marginal ao centro, fica evidente que o cristianismo vem sendo colocado às margens do pensamento nos dias atuais. Além disso, como Oden mostra, a igreja é uma das poucas instituições que é realmente global, multicultural e de múltiplas gerações.[136] Os cristãos confessionais podem até tomar parte na demolição pós-moderna do modernismo, que ainda tem forte cidadela no estabelecimento teológico. Há a necessidade urgente, por exemplo, de desafiar a abordagem histórico-crítica das Escrituras, que vem corrompendo a autoridade da Bíblia em todas as denominações principais. A crítica pós-moderna poderá mostrar como essa erudição bíblica, supostamente científica e objetivamente histórica, com sua rejeição do sobrenatural e especulações naturalistas sobre o texto da Bíblia, positivamente não é nem objetiva nem científica. As ferramentas da erudição pós-moderna poderiam expor a maneira em que o método histórico-crítico, com toda sua pretensão à objetividade, meramente disfarça a visão de mundo modernista, e que é pura especulação passar além da linguagem do texto bíblico. Alguns estudiosos já iniciaram esse processo, mas há muito a fazer antes que seja plenamente desmontada a erudição bíblica liberal. Os cristãos confessionais também poderão se apropriar das percepções da erudição pós-moderna levando a sério o pecado e dando ênfase às implicações epistemológicas da queda original. A razão humana é mesmo inadequada, como afirmam os pós-modernistas; mas os crentes baseiam suas crenças não na razão, e sim na revelação. Somos inteiramente dependentes da linguagem, como os pós-modernistas dizem; mas os cristãos baseiam sua fé na linguagem de Deus, isto é, na Bíblia como Palavra de Deus. Os pós-modernistas dizem que o sentido é algo que só se pode determinar dentro da “comunidade interpretativa”. Para os crentes, a igreja é sua comunidade interpretativa.[137] Embora os cristãos possam fazer uso da erudição pós-moderma, de certo ponto em diante terão de desafiar essa erudição. Os crentes, embora questionem depender-se unicamente da razão, acreditam em verdades absolutas. Visto que Deus se revela em linguagem, a linguagem não é intrinsecamente enganadora; pelo contrário, a linguagem é reveladora e pode expressar verdade. Deus—e não a cultura—é origem do significado, da verdade, dos valores. Como autor da existência, Deus é autoritativo. Sendo assim, certas verdades absolutas e valores transcendente são universais no seu escopo e aplicação. Os crentes estarão em situação de poder responder aos dilemas que os pós-modernistas, quando honestos, enfrentam. “De agora em diante, insistirão os teoristas modernos, não há bases de valor absoluto que possam forçar uma concordância”, observa Steven Connor. “Mas em tal situação, as perguntas sobre valor e legitimidade não desaparecem; ao contrário ganham nova intensidade”.[138] O pós-modernismo não consegue responder a essas perguntas, por mais urgentes e intensas que sejam. David Harvey, diante da superficialidade e comercialismo da maneira de pensar pós-modernista, insiste em “um contra-ataque da narrativa contra a imagem, da ética contra a estética” e uma “busca da unidade dentro das diferenças”.[139] Mas fazer isso requer uma transcendência que o pós-modernismo não explica. Num pronunciamento ao Congresso, Václav Havel, o teatrólogo que se levantou de uma prisão comunista para ser presidente da Checoslováquia livre, falou pelo Leste bem como pelo Oeste: Ainda não sabemos como pôr a moralidade adiante da política, da ciência e da economia. Ainda somos incapazes de entender que a única coluna dorsal de nossas ações—se vão ser éticas—é a responsabilidade. Uma responsabilidade para com algo superior à minha família, meu país, minha firma, meu sucesso.[140] Mas ao que—ou a Quem—somos responsáveis? O que?--ou Quem—é superior a tudo que podemos ver? Como diz Postman, não é suficiente estar libertado de uma teoria falha—precisamos de uma teoria melhor, mas a tecnopolia não nos dá resposta alguma.[141] O cristianismo, ao contrário, poderá dar uma resposta. Os crentes pós-modernos não devem, contudo, esperar se dar bem às mãos dos pós-modernistas. Os crentes serão denunciados por “pensar que possuem a única verdade”. Serão condenados por sua intolerância, por “tentarem forçar suas crenças em todo mundo”. Os cristãos já podem esperar não ser incluídos quando os pós-modernistas clamam por tolerância e pluralismo. Com a cultura se tornando cada vez mais sem lei e brutal, os cristãos poderão até provar a perseguição. A igreja poderá crescer ou não em tal clima. Eu suspeito que ela vai se encolher até restar apenas um remanescente fiel. Mas a Igreja de Jesus Cristo não pode ser vencida pelas portas do Inferno, muito menos por uma cultura (Mateus 16:18). ____________ Notas: [129] Idem, 95-96. [130] Diogenes Allen, Christian Belief in a Postmodern World (Louisville, KY: Westminster/John Knox Press, 1989), 2. [131] Idem, 2. [132] Thomas C. Oden, Two Worlds: Notes on the Death of Modernity in America and Russia (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1992), 53. Ver também seu livro After Modernity--What?: Agenda for Theology (Grand Rapids, MI: Academic Books, 1990). [133] Conto a história deles que é inspiradora e instrutiva no meu livro Modern Fascism: Liquidating the Judeo-Christian Worldview (St. Louis: Concordia Publishing House, 1993). [134] David Harvey, The Condition of Postmodernity (Cambridge, MA: Basil Blackwell, 1989), 48. [135] Oden, Two Worlds, 54. [136] James W. Voelz, "Multiple Signs, Levels of Meaning and Self as Text: Elements of Intertextuality", convenção da Society of Biblical Literature, San Francisco, novembro 1992. [137] Steven Connor, Postmodernist Culture: An Introduction to Theories of the Contemporary (Oxford: Basil Blackwell, 1989), 8. [138] Harvey, Condition of Postmodernity, 359. [139] Citado em Neil Postman, Technopoly: The Surrender of Culture to Technology (New York: Vintage Books, 1993), 82. [140] Idem.
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Fonte: Tempos pós-modernos, Uma avaliação cristã do pensamento e da cultura da nossa época. Gene Edward Veith, Jr. Ed. Cultura Cristã
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segunda-feira, 9 de março de 2015
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