Isvonaldo sou Protestante

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segunda-feira, 14 de outubro de 2013



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Por Rev. Alan Rennê Alexandrino Lima

UMA ANÁLISE DE 1 CORÍNTIOS 14.1


“Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais, mas principalmente que profetizeis” (1 Coríntios 14.1).

Introdução

Confissão de Fé de Westminster, um dos símbolos de fé da Igreja Presbiteriana do Brasil, no capítulo intitulado Da Escritura Sagrada afirma o seguinte:

Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestam de tal modo a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, todavia não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e de sua vontade, necessário à salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isso torna a Escritura Sagrada indispensável, tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo. [1]

A afirmação em negrito claramente é cessacionista, ou seja, a CFW, indubitavelmente, afirma que a revelação através de sonhos, visões e profecias cessou com a completude do cânon e o fim da era apostólica. Archibald Alexander Hodge afirma que, “aprouve a Deus, subsequentemente, entregar essa revelação para ser escrita, a qual se encontra agora, exclusivamente, circunscrita nas Sagradas Escrituras”.[2]

Frequentemente esforços são envidados na tentativa fútil de descaracterizar a afirmação confessional. Uma dessas tentativas é feita por aqueles que asseveram que a CFW não é um documento confessional cessacionista, pois, de acordo com estudiosos como David Hill[3], David Aune[4] e Wayne Grudem[5], muitos dos divines eram continuacionistas. Grudem, por exemplo, lista algumas “profecias” feitas por homens como John Knox, os puritanos Samuel Rutherford, George Gillespie, William Bridge, Richard Baxter e o batista Charles Spurgeon.[6] Todavia, as afirmações de Grudem têm encontrado pouca recepção no meio teológico, principalmente depois que Garnet Howard Milne provou que, apesar de existirem alguns poucos continuacionistas dentre os divines de Westminster, a ampla maioria era constituída de cessacionistas.[7] No que tange à afirmação confessional, Milne afirma que: “Em anos recentes tem existido considerável discussão sobre essa cláusula. ‘Continuistas’ têm disputado se, de fato, é uma clara, exata afirmação ‘cessacionista’ relegar à antiguidade toda a revelação sobrenatural, incluindo a profecia do Novo testamento e os dons revelacionais miraculosos relatados”.[8]

No Brasil, tem se tornado comum a ordenação de pessoas ao Sagrado Ministério que, no momento dos exames e de responder às perguntas constitucionais têm, no mínimo, agido com reserva mental, prometendo subscrever a Confissão de Fé de Westminster, o Catecismo Maior e o Breve Catecismo de Westminster, mas praticando outra coisa no decorrer dos anos. São oficiais que têm publicado textos contrários à afirmação confessional supramencionada, inclusive, acusando os cessacionistas de promoverem a ignorância e divisão no Corpo de Cristo, e exortando-os ao arrependimento.

Diante disso, faz-se necessário um exame criterioso de algumas passagens utilizadas por aqueles que, nesse sentido, negaram seus votos de ordenação, disseminando confusão e dúvida no seio da igreja quanto ao que as Escrituras ensinam e a igreja confessa em seu sistema expositivo de doutrina e prática. O objetivo do presente trabalho não é discutir a cessação ou a continuidade dos dons revelacionais da era apostólica, mas, sim, verificar a genuinidade da interpretação continuísta de 1 Coríntios 14.1 Porém, antes da consideração dessa passagem usada para apregoar a contemporaneidade dos dons revelacionais, o dever de os cristãos os buscarem e convocar os cessacionistas ao arrependimento, é imprescindível que o método interpretativo-hermenêutico dos não-cessacionistas seja considerado, ainda que de forma breve, visto que, o modo como eles interpretam algumas passagens neotestamentárias é a verdadeira causa da confusão existente no seio da igrejas protestantes históricas.

A questão hermenêutica

Robert L. Thomas, professor de Novo Testamento no The Master’s Seminary, afirma que “nas últimas duas ou três décadas, o evangelicalismo tem experimentado algumas mudanças dramáticas que não são noticiadas com frequência”.[9] De acordo com ele, “juntamente com as mudanças no evangelicalismo, mudanças também aconteceram na hermenêutica bíblica do evangelicalismo”.[10] De forma específica, a mudança na hermenêutica evangelical diz respeito ao fato de que, “nos dias primitivos, os carismáticos defendiam o seu alegado uso de dons como línguas e profecia puramente sobre a base da experiência, porém, hoje, sua defesa, em muitos casos, tem se deslocado para reivindicações de interpretação bíblica como a base para o seu exercício de tais dons”.[11] Tal alteração, de certo modo, é louvável, visto que o experiencialismo não se constitui, em hipótese alguma, em padrão daquilo que deve ser crido e praticado pela igreja contemporânea. O ponto é: As reivindicações de interpretação bíblica são válidas? É exatamente essa alteração que pode ser percebida na apresentação de alguns argumentos por parte dos continuístas, em defesa da continuidade dos dons extraordinários, como o de profecia.

A grande questão é: quais os pressupostos que guiam a hermenêutica continuísta? Em quê consiste essa hermenêutica empregada pelos defensores da contemporaneidade dos dons revelacionais? Mais uma vez, Robert L. Thomas afirma que, os não-cessacionistas e outros subgrupos evangélicos empregam “um subjetivismo hermenêutico para apresentar, pela primeira vez, uma defesa bíblica do que acreditam”.[12] Tal subjetivismo se expressa através da “incorporação de um novo primeiro passo no processo interpretativo, um passo chamado pré-entendimento”.[13] Isso significa que a interpretação de uma passagem bíblica deixou de ser um exercício objetivo e passou a ser um exercício subjetivo, no qual o intérprete atribui ao texto o significado para o qual ele é inclinado. A consequência disso, conforme Thomas, é que “o texto deixa de falar por si só”.[14]

Como exemplo dessa interpretação a partir de um “pré-entendimento” do texto, ele cita o já mencionado scholar Wayne Grudem:

Wayne Grudem, que não é um pentecostal vitalício, reflete o mesmo pré-entendimento em sua aproximação do texto bíblico. Discutindo o dom de profecia no Novo Testamento, após aludir às posições carismáticas e não-carismáticas, ele escreve: ‘Pode um novo exame do Novo Testamento nos dar uma resolução dessas visões? Pode o próprio texto da Escritura indicar um meio-termo ou uma terceira posição que preserve o que é realmente importante em ambos os lados e ainda seja fiel ao ensinamento do Novo Testamento? Penso que a resposta a essa pergunta é sim’”.[15]

Grudem procurou apresentar um conceito de profecia que não é tão restritivo (i.e., autoritativo) de modo a excluir pessoas inclinadas carismaticamente ou tão frouxo (i.e., não-revelatório) para repelir a posição não-carismática. Ele trabalha com a hipótese de dois dons de profecia – um dom apostólico-profético e um dom de profecia exercido pelos profetas das igrejas locais, sendo que este último é sujeito ao erro por parte do profeta e continuará em exercício até à segunda vinda de Jesus Cristo.[16] Tudo isso, fruto de um pré-entendimento a respeito de passagens como Efésios 2.20.

Creio que é exatamente essa imposição de significado aos textos bíblicos que predomina nos argumentos daqueles que afirmam que as igrejas históricas pecam por não buscarem os dons extraordinários – mais especificamente os revelacionais -, e que os cessacionistas são rebeldes que necessitam de arrependimento.

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NOTAS:
[1] A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. I.1. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 15.
[2] A. A. Hodge. Confissão de Westminster Comentada por A. A. Hodge. São Paulo: Os Puritanos, 1999. p. 53.
[3] David Hill. New Testament Prophecy. London: Marshall, Morgan and Scott, 1979.
[4] David Aune. Prophecy in Early Christianity and the Ancient Mediterranean World. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1983.
[5] Wayne Grudem. O Dom de Profecia do Novo Testamento aos Dias Atuais. São Paulo: Vida, 2004.
[6] Ibid. p. 445-461.
[7] Garnet Howard Milne. The Westminster Confession of Faith and the Cessation of Special Revelation: The Majority Puritan Viewpoint on Whether Extra-Biblical Prophecy is Still Possible. Eugene, OR: Wipf and Stock Publishers, 2007.
[8] Ibid. p. 7.
[9] Robert L. Thomas. “The Hermeneutics of Noncessationism”, In: The Master’s Seminary Journal. Vol. XIV, Nº 2, 2003. p. 288.
[10] Ibid.
[11] Ibid. p. 289.
[12] Ibid.
[13] Ibid.
[14] Ibid.
[15] Ibid. p. 306-307.
[16] Ibid. p. 307.

Sobre o autor: Rev. Alan Rennê é Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico do Nordeste, em Teresina (2005); Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009); Mestrando em Teologia (Sacrae Theologiae Magister) com concentração em Estudos Históricos e Teológicos e linha de pesquisa em Teologia Sistemática no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper; pastor presbiteriano, atualmente serve como pastor-auxiliar na Igreja Presbiteriana de Tucuruí-PA. 

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