Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

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Por Lucas G. Freire


Os comentários do escritor Paulo Brabo sobre cristianismo, “direita” e “esquerda” se resumem nos seguintes pontos: muitos cristãos são de direita ou esquerda, e isso depende mais da sua preferência política que de sua leitura do cristianismo. É complexo e difícil definir direita e esquerda – mais ainda do ponto de vista dos supostos “direitistas” e “esquerdistas”. Mas a definição (diz Brabo) se resume ao seguinte:

De direita é quem de alguma forma sustenta que a desigualdade social é coisa necessária ou inevitável; de esquerda é quem sustenta que não.

Essa é a “raiz,” diz ele, de onde “brotam todos os ramos.” De onde ele tirou essa definição eu não sei. Mas suponhamos que seja assim, suponhamos que o programa político da “direita” é defender a desigualdade, e o da “esquerda” é atacar a direita.

Brabo continua, dizendo coisas do tipo: “O que a esquerda quer reformar na sociedade a direita quer deixar como está, com o argumento de que sempre-foi.” Quer exemplos? Veja os que ele dá: “secularismo, (…) reforma agrária, (…) conter o desenvolvimento em favor das futuras gerações, (…) casamento gay, (…) cotas, (…) bolsa-família ou (…) outras políticas de redistribuição.

Já digo o seguinte: o tal secularismo é uma das grandes bandeiras de um dos grupos que Brabo caracteriza como “direita”. Leia os escritos de John Rawls e me responda se estou enganado. Se a “esquerda” também quer isso, então a “raiz” da diferenciação cai por terra, não é? Mas um caso isolado pode ser varrido para debaixo do tapete.

Então, prossigamos: conter o desenvolvimento. Eu já perdi a conta de quantos que se auto-denominam “conservadores” (e, portanto, “de direita” para Paulo Brabo) propõem exatamente o mesmo argumento: a sociedade de consumo tem perdido a virtude, tem degenerado ao querer tudo aqui e agora. Isso leva à destruição da família, dos bons costumes, etc. Por isso mesmo, nem toda prosperidade econômica é boa.

Falando em família, continuemos a examinar essa lista de reformas: “Casamento gay.” Fácil: qual país do mundo acaba de legalizar o casamento gay, inclusive tentando impor às comunidades religiosas que incorporem isso? O Reino Unido, sob o governo conservador e “direitista” de David Cameron.

Vamos adiante. Cotas: Rawls de novo. Bolsa-família? Milton Friedman e os “vouchers” de escola. Tá certo que a proposta de Friedman, economista neoliberal “de direita” é porcamente executada no caso do Brasil, mas leia lá e me diga se não estou certo.

Redistribuição? Ah! Aqui é “direitista” que não acaba. Basta olhar para o Regime Militar e sua política econômica. Protecionismo para favorecer os grandes empresários nacionais. Inflação deliberada. Para quê? Para redistribuir, oras! De nós para o governo e seus amiguinhos. Para dar um “boom” na indústria nacional ou seja lá o que for.

Eu poderia continuar nessa linha de argumentação, mas já é hora de falar o ponto: essa distinção entre “esquerda” e “direita” em termos de quem favorece o status quo (as coisas como elas estão) e quem deseja mudança é uma das diferenciações políticas mais inúteis disponíveis por aí. Não explica nada, não esclarece coisa alguma e não edifica.

Tanto os que Paulo Brabo chama de “direitistas” como os “esquerdistas” defendem essas políticas. E não hesito em dizer: tanto um lado como o outro podem estar errados na sua agenda política! É bem verdade que muitos preferem, por prudência (senão por valores), manter a estabilidade de certas instituições da sociedade e que, portanto, junto comigo, atacam essas políticas, venham elas da “direita” ou da “esquerda”. Nem todos os meus aliados nessa oposição concordam comigo a respeito do motivo.

Considere, por exemplo, uma das respostas ao texto bravo de Brabo. Falando em nome da suposta “direita” (seja lá o que isso for), Braulia Ribeiro fez umadiscussão bastante relevante. Cita Hayek, Bastiat e chega às seguintes conclusões:

Logicamente, liberdade implica em desigualdade. Portanto desigualdades são inevitáveis. Constatar esta realidade não é fatalismo pessimista, mas uma aquiescência racional à condição humana.

Muito bem, Braulia! Porém, infelizmente, ela ainda deseja se pautar pela dicotomia esquerda/direita. Como eu disse, isso no mínimo não vai ao âmago do argumento, como pode inclusive gerar confusão.

Uma das grandes confusões que emergem com isso é que, se a sua plateia já se enquadra no lado em que você está, basta rotular o outro como “direitista” ou “esquerdista” que, sem precisar de um argumento, o serviço está feito. Mas repare: se eu uso a estratégia do rótulo, eu perdi a chance de informar o leitor a respeito do real motivo da minha oposição a gente como o Brabo e o motivo de concordar com a Braulia em diversos pontos.

Qual é o real motivo, então? Eis aqui algumas perguntas-chave para ajudar você a discernir melhor as posições políticas que se apresentam por aí. Primeiro, em geral: Estado é coerção e agressão. Até onde é legítima essa coerção e agressão, e quem ela beneficia? Por exemplo, nos casos mencionados por Paulo Brabo, as políticas de “direita” usam a coerção do governo para beneficiar “as elites”. Entretanto, infelizmente, ele não se opõe à agressão estatal, desde que elas beneficiem “os oprimidos”. É verdade: ambos os lados são capazes de usar a agressão estatal! Por esse motivo, a dicotomia não vai ao cerne do problema: quem inicia a agressão, para quem, e com qual legitimidade? Os exemplos citados são justificáveis? Na minha opinião, não. Nem os da “esquerda”, nem os da “direita”: dois lados da mesma moeda problemática!

Então, em segundo lugar, se você é cristão, você não pode se deixar levar pela ideologia – seja ela vermelha ou azul – que defende um Estado compulsivo, coercivo e controlador. Deus (somente ele) é o Soberano Absoluto. Ele delegou soberanias relativas neste mundo. Uma delas é o governo civil, que tem o poder da espada para combater o uso indevido da espada. Mas Deus também delegou a várias outras esferas da vida a autoridade relativa e limitada para lidar com outros problemas da vida.

E repare que essas autoridades são interligadas: se você quer ajudar os oprimidos e ao mesmo tempo estimular a economia nacional, não precisa escolher entre “esquerda” e “direita”, entre pobres e ricos. O que você precisa é combater o inchaço estatal que atrofia todas as outras esferas por tentar fazer (sem conseguir direito) o que cabe a elas.

Brabo colocou alguns dizeres cristãos no final do artigo, supostamente refutando a chamada “direita” e favorecendo a “esquerda”. Ele se esqueceu de um verso. Deixe-me acrescentá-lo aqui. São palavras de Jesus Cristo: “Pois sempre tereis convosco os pobres” (João 12.8). Você pode dizer que um verso não serve de argumento contra tudo o que ele falou. Mas repare que ele mesmo disse que, ao fim e ao cabo, a raiz da “direita” é afirmação da desigualdade. Então, das duas, uma: ou Brabo se atém ao seu argumento e reconhece o “direitismo” do Filho de Deus, ou ele joga por água abaixo essa definição e o restante do texto. Eu espero que ele (e seus críticos) a joguem por água abaixo.

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Aprenda mais: “Nem azul, nem vermelho” – Justiça e Sociedade 18 (Na Rádio Reformada)

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