Posted: 17 Oct 2010 09:00 AM PDT
Lançada e firmada solidamente a autoridade de sua lei, Deus enuncia o primeiro mandamento, a saber: que não tenhamos deuses estranhos diante de sua face [Êx 20.3]. O fim deste mandamento é que Deus quer ser o único a ter a preeminência em seu povo e nele exercer seu direito em plena medida. Para que isso aconteça, ordena que estejam longe de nós a impiedade e toda e qualquer superstição, em virtude da qual ou se diminui ou se obscurece a glória de sua divindade. E, pela mesma razão, prescreve que o cultuemos e o adoremos com o verdadeiro zelo da piedade. E a própria simplicidade das palavras soa quase que isto, porquanto não podemos ter Deus sem que, ao mesmo tempo, abracemos as coisas que lhe são próprias. Portanto, o fato de proibir que tenhamos deuses estranhos, com isto significa que não devemos transferir para outrem o que lhe é exclusivo.
Mas, ainda que sejam inúmeras as coisas que devemos a Deus, contudo a quatro tópicos se podem muito bem mencionar: Adoração, a que se anexa como um apêndice a obediência espiritual da consciência, confiança, invocação e ação de graças. Chamo adoração a veneração e o culto que qualquer um de nós lhe rende, quando se lhe submete à grandeza. Por isso, não improcedentemente, incluo à adoração a submissão de nossa consciência à sua lei. Confiança é a segurança de nele descansar, em virtude do reconhecimento de seus predicados, quando, atribuindo-lhe toda sabedoria, justiça, poder, verdade, bondade, reconhecemos que somos bem-aventurados somente em sua comunhão. Invocação é o recurso de nossa mente à sua fidelidade e assistência, como ao sustentáculo único, sempre que alguma necessidade insiste. Ação de graças é a gratidão com que se lhe atribui o louvor de todo bem.
Como o Senhor não pode consentir que nenhuma destas coisas seja atribuída a alguém além dele,171 assim ordena que tudo seja aplicado inteiramente a ele. Ora, nem será suficiente abster-te de um deus estranho, a não ser que te refreies exatamente do que certos desprezadores nefários costumam fazer, a quem o máximo proveito é ter em zombaria todas as religiões. Com efeito, importa que se anteponha a verdadeira piedade, em virtude da qual as mentes se volvam para o Deus vivo, imbuídas de cujo conhecimento, aspirem a contemplar, a temer, a adorar-lhe a majestade, a abraçar a comunicação de suas bênçãos, a buscar-lhe em tudo a assistência, a reconhecer e celebrar com a confissão do louvor a magnificência de suas obras, como o escopo único em todas as ações da vida. Então, precavenha-se a superstição da impiedade pela qual as mentes alienadas do Deus verdadeiro são arrastadas, para cá e para lá, em busca de deuses vários. Daí, se estamos contentes com o Deus único, recordemos o que foi dito antes: que devem ser alijados para bem longe todos os deuses fictícios, nem se deve cindir o culto que ele reivindica para si com exclusividade, pois que nem é seguro detrair-lhe da glória, mesmo que seja uma mínima porção, quando nele devem permanecer todas e quaisquer coisas que lhe são exclusivas.
A frase que segue, diante de minha face, intensifica a indignidade, pela qual Deus é provocado ao ciúme sempre que em seu lugar pomos nossas invenções, tal como se uma esposa despudorada, trazido escancaradamente o amante diante dos olhos do marido, mais lhe incendesse o ânimo. Portanto, quando, por seu manifesto poder e graça, dava Deus prova de que ele atentava para o povo que havia escolhido, para que mais o arredasse do crime de defecção, adverte-o de que não se podem admitir novas deidades sem que seja ele testemunha e observador de seu sacrilégio. Mas, a esta petulância acrescenta-se o máximo de impiedade, a saber, que, em seus desvios, o homem julga poder burlar os olhos de Deus. Em contrapartida, proclama o Senhor que tudo quanto cogitamos, tudo quanto empreendemos, tudo quanto executamos, é posto diante de seus olhos.
Portanto, se queremos que ao Senhor agrade aprovar nossa religião, seja nossa consciência isenta até das cogitações mais recônditas de apostasia. Pois ele requer que permaneça íntegra e incorrupta a glória de sua divindade, não só na confissão externa, como também a seus olhos, os quais contemplam até os mais recônditos recessos dos corações.
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Fonte: Institutas da Religião Cristã, João Calvino, Edição clássica, I, ii, 8.
Extraído do site: [ Eleitos de Deus ]
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