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Por André R. Fonseca
A pedido de um leitor, estou publicando este artigo em resposta ao documento que pode ser baixado neste link. Recomendo a leitura do documento em análise ou, pelo menos, acompanhe a leitura do artigo com o documento, para não se perder. Este artigo é o segundo da série de cinco artigos que visa servir de contraponto e defesa para os argumentos apresentados no site solascriptura-tt.org. Recomendo a leitura do primeiro artigo da série clicando aqui.
Muitos irmãos, sem o domínio do conhecimento que eles abordam, facilmente se escandalizam. São afirmações com tom muito alarmante que impressionam, mas podem ser facilmente questionadas com o mínimo de conhecimento sobre o assunto. Eles qualificam o trabalho da crítica textual do Novo Testamento como obra de demônio, um ataque satânico contra a Palavra de Deus; e, para eles, Palavra de Deus é o mesmo que Almeida Corrigida e Fiel.
Se eles não são ignorantes o suficiente para dizer que “Corrigida” aplica-se à Palavra de Deus e não à Tradução Almeida, eles poderiam quebrar o galho e também reconhecer que, em Crítica Textual, não se questiona a Palavra de Deus, mas o conjunto de manuscrito que deveria servir de base para as traduções. Se questionar a qualidade entre Texto Recebido e Texto Crítico é uma afronta à Palavra de Deus (King James lá fora, e ACF para os tupiniquins), queria saber quem teve a audácia de “corrigir” a Palavra de Deus na edição Almeida CORRIGIDA e Fiel. Logo percebemos que a ignorância de fatos é mera conveniência! Mas vamos ao texto em análise.
O autor do texto anexado como download acima apresenta as quatro possíveis traduções que podemos realizar do texto bíblico: 1) a tradução literal, 2) tradução por equivalência formal, 3) tradução por equivalência dinâmica e 4) tradução por paráfrase.
A definição que o autor faz de cada método de tradução está correto, mas depois ele induz o leitor a dois erros que comprometem todo o conteúdo de seu estudo. Vamos abordar cada um deles.
Primeira indução ao erro: Ele diz que paráfrase não é tradução. Segue a citação do trecho: "Não se trata de uma tradução propriamente. É, na verdade, um texto que representa o entendimento (a maneira de ver) que aquele que fez a paráfrase teve do texto original."
Agora, vamos à definição de paráfrase, segundo o dicionário eletrônico da Porto Editora: “nome feminino 1. ato ou efeito de parafrasear 2. explicação ou nova apresentação de um texto ou documento que procura tornar mais compreensível a informação nele contida 3. LINGUÍSTICA enunciado ou texto que reformula, com fins explicativos ou interpretativos, a mesma informação de outro enunciado ou de outro texto, mas utilizando outros recursos linguísticos 4. tradução livre e desenvolvida.”
Logo, podemos concluir que temos a paráfrase da mesma língua e a paráfrase em tradução de uma língua para outra. Quando ele diz que a NTLH (BLH) é uma paráfrase e defende a tese de que paráfrase não é tradução, então a NTLH deveria estar escrita em grego. Vou explicar! Se para o autor a paráfrase não é tradução, mas uma representação do texto segundo a interpretação do tradutor, então não haveria tradução, e a representação deveria estar escrita em grego! Se a paráfrase foi feita a partir dos textos gregos, ela deveria estar em grego, por simples paráfrase, sem tradução.
Como a NTLH está em legível português, ela seria mera paráfrase sem tradução caso fosse uma paráfrase feita a partir do texto Almeida, por exemplo. Aí, sim! Uma representação do entendimento a partir da Almeida em português, sem traduzir nada do grego. Seria uma paráfrase da Almeida para facilitar a leitura para pessoas com menos instrução que têm dificuldade com a leitura da Almeida. Mas não é isso o que acontece. A NTLH é uma tradução por paráfrase dos textos originais grego e hebraico. O autor do texto em análise faz uma pequena, mas significativa, confusão dos termos "tradução" e "método"! Porque a NTLH é um texto em português a partir do texto grego/hebraico, trata-se de uma perfeita e inquestionável tradução. Se não fosse uma tradução, deveria estar toda em hebraico e grego. Entendeu? E por simplificar e refazer o texto original, valorizando o sentido acima da literalidade, trata-se de uma tradução por método de paráfrase.
O segundo erro: outra confusão que leva o leitor a achar que a divergência entre as versões bíblicas são resultado do método empregado na tradução e não pela adoção de base de manuscritos diferentes.
Para o primeiro exemplo, ele mostra que o Texto Crítico não traz a palavra "primogênito", presente no Texto Recebido. E logo faz as citações enunciadas pelas respectivas versões que trazem o Texto Crítico ou o Texto Recebido. Fica claro que a questão da divergência é devido à adoção de conjuntos de manuscritos diferentes. Mas, para o restante dos casos, ele faz o enunciado a partir dos métodos de tradução, fazendo parecer que o problema está no método e não entre os manuscritos TC e TR. Vejamos, como exemplo, seu comentário de colossenses 1:14:
Ele apresenta os textos gregos para o TR e TC, sublinhando no Texto Recebido o que teria sido omitido no Texto Crítico. E coloca apenas uma tradução literal feita a partir do TR! Por que ele não apresenta a tradução literal das duas bases de textos grego, TR e TC? A tradução da Almeida Revista e Atualiza é tão formal quanto a ACF, só que tem por base o TC e não o TR que a ACF segue. Tradução por tradução (por método formal) as duas estão corretíssimas e igualmente precisas - cada uma de sua própria base de texto grego! A ACF é tão fiel em sua tradução do Texto Recebido, quanto a ARA é fiel em sua tradução do Texto Crítico.
O autor ainda afirma que o TR é mais confiável, mas já argumentei no primeiro texto da série que isso não é verdade, leia o artigo aqui. Também recomendo a leitura deste outro artigo: http://www.andrerfonseca.com/ 2011/12/um-clubinho-farisaico- em-defesa-das.html
Ele também defende que a melhor tradução, quanto ao método, é a tradução formal. Este assunto já foi tratado por mim neste artigo: O que seria uma tradução fiel ao original?
Para finalizar, quero expandir os comentários finais do autor do texto em análise: "Nossa Responsabilidade"
1. “Avaliar com critério qual tradução usar.” Isso é verdade! Uma vez que não são todos os crentes que podem desfrutar de uma leitura bíblica e estudos a partir das línguas originais, as traduções são meras ferramentas linguísticas. Dependendo do emprego, uma tradução poderá ser considerada mais adequada do que outras. Lembrando que há traduções tendenciosas e erradas, como é o caso da tradução dos Testemunhas de Jeová – mas essa é outra história.
2. “Não desprezar as traduções existentes. Elas podem ser excelente fonte de instrução.” Sábias palavras. Graças a Deus podemos ter à nossa disposição tantas bíblias e versões. Todas têm seu valor e utilidade, basta saber empregar a ferramenta certa para cada tipo de trabalho. Eu prefiro levar minha NTLH para alguns trabalhos de discipulado com irmãozinhos na fé que não têm a mínima condição de ler uma Almeida. Ou instruir crianças e adolescentes na superficialidade do texto bíblico que não demanda da precisão exegética de uma Almeida clássica. Assim como prefiro trabalhar alguns estudo bíblicos a partir da Almeida Revista e Atualizada para alguns grupos específicos.
3. “Ter sempre junto a nós um texto que seja traduzido a partir do TR, através de Equivalência Formal, no qual possamos confiar 100% (será o nosso fiel da balança).” Aqui ele escorrega feio! A confiabilidade do TR é muito questionável e os métodos de tradução literal e formal já deixaram de ser reconhecidos como os melhores há muito tempo. Desde Ferdinand de Saussure, a linguística tem evoluído muito, e há significativa contribuição da linguística, filologia e outras disciplinas no campo de tradução. Recomendo a leitura do meu artigo sobre o assunto tradução fiel ao original: http://www.andrerfonseca.com/ 2012/05/o-que-seria-uma- traducao-fiel-ao.html
4. “Zelar para que nossos filhos tenham acesso à pura Palavra de Deus.” Parte deste zelo deve advir do cuidadoso estudo sobre o assunto, não deixando se enganar pelo estardalhaço que alguns fazem sem apresentar o mínimo de racionalidade para tratar o caso. É verdade que Jesus disse: “tenham fé em mim e no Pai”, mas não pediu burrice e ignorância como prerrequisitos!
5. “Não recriminar os que não conhecem toda a história (muitos líderes não conhecem).” Que história? Quais líderes? Quem são esses que ficam martelando os dois coitados (Westcott e Hort) o tempo todo e se esquecem de toda a história de desenvolvimento da Crítica Textual, ignoram os métodos questionáveis empregados por Erasmo de Roterdã para a composição do Texto Recebido e mais uma série de outros fatos? Só podem ser os tietes de Almeida que não conhecem toda a história, e fica difícil não enxergar isso...
Próximo artigo da série está programado para publicação no dia 4 de agosto.
Autor: André R. Fonseca
Twitter: @andreRfonseca
Fonte: Teologia et cetera
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