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Por Clóvis Gonçalves
O Apocalipse fala daqueles "cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida desde a fundação do mundo" (Ap 17:8). Há duas possibilidades aqui, interpretar a expressão como significando que os nomes de todos os salvos estavam registrados no Livro da Vida desde a fundação do mundo ou que o nome de cada pessoa é escrito quando o evangelista ora pelo decidido, pedindo a Deus que escreva o seu nome no livro da vida.
Esta última posição é a defendida pelo Pr. Ciro Sanches Zibordi, numa interessante série sobre o Livro da Vida, escrita sob uma ótica anti-calvinista (já que dizer sob uma ótica arminiana pode soar como zombaria).
Observemos um detalhe, antes da análise em si. A passagem em questão não fala dos que tiveram seus nomes escritos no Livro da Vida e sim dos que não tiveram os seus nomes registrados nesse memorial. A relevância disso terá que ficar para uma análise posterior.
A expressão "desde a fundação do mundo" no grego é "apo kataboles kosmou", composta por uma preposição, seguida de um substantivo e de seu complemento. É uma expressão relativamente comum no Novo Testamento, sendo que exatamente como em Ap 17:8 ocorre mais seis vezes (Mt 13:35; 25:34; Lc 11:50; Hb 4:3; 9:26; Ap 13:8). Uma leitura atenta dessas passagens demonstra que a idéia não é de algo que vem sendo realizado de forma continuada a partir da fundação do mundo, mas de algo considerado consumado desde esse momento, com possível excessão de Lucas 11:50.
Assim, quando o profeta disse "publicarei coisas ocultas desde a criação do mundo" (Mt 13:35) não estava se referido a segredos gradativamente ocultados, mas de algo completamente oculto desde o princípio. Quando Jesus disse que o reino dos benditos do Pai estava "preparado desde a fundação do mundo" (Mt 25:34) não pretendia que os discípulos entendessem que o reino era preparado para cada um deles quando se convertiam, mas que tudo já estava preparado quando esse mundo foi trazido à existência. O mesmo pode ser dito das obras "concluídas desde a fundação do mundo" (Hb 4:3), obras estas necessárias ao descanso dos santos. Deus não toma providências para o destino dos salvos no momento em que creem, mas desde a fundação do mundo tudo está pronto. Isto inclui a morte de Cristo como provisão para a salvação, que embora se diga que "foi morto desde a fundação do mundo" (Ap 13:8) não significa que Ele sofreu "muitas vezes desde a fundação do mundo" mas uma única "vez por todas" (Hb 9:26). Vimos que a ideia expressa pela frase "desde a fundação do mundo" enfatiza algo realizado de forma completa quando os fundamentos do mundo foram lançados e não algo que vem sendo feito desde então.
O pastor Ciro faz a sua tese depender da preposição "apo" e não da expressão completa. Porém, a classe de palavra que tem tempo e modo é o verbo, e é para ele que devemos nos voltar se quisermos saber quando e de que forma algo ocorre. Devemos perguntar ao texto "o que [não] ocorreu antes da fundação do mundo?" e a resposta é "nomes [não] foram escritos".
O verbo "gegraptai" está no tempo Perfeito e no modo Indicativo. O modo Indicativo, nos informa o Léxico Grego de Strong "é uma simples afirmação de fato. Se uma ação realmente ocorre ou ocorreu ou ocorrerá, será expressa no modo indicativo". Já o "Perfeito grego corresponde ao Perfeito na língua portuguesa, e descreve uma ação que é vista como tendo sido completada no passado, uma vez por todas, não necessitando ser repetida". Portanto, a passagem não se refere a algo que vem sendo feito a cada oração de pregador por um convertido, mas de algo que foi completado de forma cabal no passado. Se João quisesse enfatizar uma ação iniciada no passado e realizada ao longo do tempo teria usado o verbo no Aoristo, que aliás é o tempo (aspecto) mais comum no grego.
Concluímos que a expressão desde a fundação do mundo não significa "começando lá e continuando até o último convertido". Mas se refere a algo que estava concluindo quando Deus lançou os fundamentos da terra, antes de criar o primeiro homem.
Fonte: Cinco Solas
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