A
história da apostasia no reino do norte, Israel, começou bem cedo. As palavras
do profeta Elias, por ocasião do seu confronto com o rei Acabe antes do desafio
do monte Carmelo, revelam esse fato. Elias disse que o monarca do reino do
norte e a casa de seu pai eram de fato a causa do julgamento divino. A denúncia
feita pelo profeta de Tisbe nos ajuda a formar uma correta compreensão desse
período da história do povo de Deus (1 Rs 18.15-18).
Adoração
cananeia
As
palavras: “tu e a casa de teu pai",
não apenas denunciam a apostasia instaurada no reino do norte, mas também
revelam que ela possuía uma tradição histórica. Muitos anos antes dos
ministérios proféticos de Elias e Eliseu, Israel havia alcançado a estrutura de
uma grande nação com o reinado de Davi (1010-972 a.C). Davi foi um grande
estadista e graças à sua piedade religiosa e sua extraordinária capacidade
político-administrativa, conseguiu unificar o fragilizado estado hebreu. Nos
dias de Davi, portanto, havia uma só terra, um só povo, um só Deus, um só
Templo e uma só Lei.
Quando
Salomão, filho do rei Davi, ascendeu ao trono em 970 a.C, Israel gozava de uma
invejável estabilidade política. Laurence Richards (2004, pp. 286,287) observa
que “o reinado de Salomão foi um período de riqueza e grandiosidade sem
paralelo em Israel. Foi também um período áureo na literatura. Associamos os
salmos a Davi. Mas Salomão e sua época estão relacionados com os Provérbios. De
acordo com a tradição, ele escreveu também Eclesiastes e o Cântico dos
Cânticos”.1 Salomão, portanto, se fortaleceu graças a sua
extraordinária capacidade administrativa e diplomática. Esse fato ficou
demonstrado quando ele fez alianças com outras nações visando o fortalecimento
político e econômico. Foi assim com a aliança firmada com o Egito e com Irão, o
rei de Tiro. Entretanto, como observou Paul Gardner (2011, p.571), “a maior
demonstração da sabedoria de Salomão foi a construção do Templo do Senhor Deus
de Israel. 1 Reis 5 a 7 contém os detalhes das negociações, dos preparativos,
do início e fim da obra. A sua inauguração foi celebrada com a introdução da
Arca da Aliança na parte santíssima da estrutura (1 Rs 8.1-11). Esse ato foi
seguido bela bênção de Salomão sobre o povo e sua oração dedicatória, onde
falou das promessas que Deus fizera a Davi, seu pai, e intercedeu pelo
bem-estar do povo e da terra (1 Rs 8.12-66)”.2
Salomão
tomou, portanto, algumas medidas administrativas a fim de que essa gigantesca
máquina estatal funcionasse. Para isso ele dividiu a nação em doze distritos,
visando uma melhor arrecadação de impostos; fortaleceu também o comércio com a África,
Arábia e índia. Ainda cobrou tributos de nações que haviam sido subjugadas bem
como explorou a mão de obra escrava. Em um primeiro momento esse trabalho
servil era executado apenas por estrangeiros, mas com o peso da máquina
administrativa, Salomão passou a exigir também dos seus patrícios.
E
exatamente essa aliança firmada com nações vizinhas e a pesada carga tributária
imposta à nação, os agentes responsáveis pelo declínio do reinado de Salomão. A
narrativa bíblica registrada em 1 Reis 11.1-8 destaca esse fato.
Aqui
aparecem as primeiras raízes da apostasia no reino unido hebreu. Salomão com
seu ideal expansionista casa com mulheres estrangeiras e passa a adotar seus
deuses como objetos de adoração. Esse sincretismo de elementos pagãos com a
verdadeira adoração ao Deus verdadeiro com certeza aproximou Salomão dos povos
pagãos, mas afastou Deus e o povo de si. Salomão ganhou a glória do mundo, mas
perdeu a divina. Paul R. House (2005, pp.323,324) observa que “depois de uma
prolongada era de glória, Salomão rejeita a sabedoria e a adoração mono teísta.
Casa-se com muitas mulheres estrangeiras a fim de garantir a paz com as nações
vizinhas, constrói locais de adoração para os deuses de cada uma de suas
esposas estrangeiras e até mesmo envolve-se com o politeísmo. Essas atividades
são uma violação de Êxodo 34.11-16 e Deuteronômio 7.1-5, que advertem contra
casamentos com politeístas de outros países. Deuteronômio 17.14-20 afirma que
os reis devem apegar-se à aliança e não devem demonstrar sua grandeza mediante a
multiplicação do número de esposas. A idolatria de Salomão é um claro
rompimento do acordo entre o rei e Yahweh em 1 Reis 6.11-13 e 9.1-9. Também
mostra que esse homem de visão tornou-se tolo e deixou um péssimo exemplo para
o povo seguir. Uma idolatria partilhada entre líderes e povo só pode resultar
numa sociedade que faz lembrar a era dos juizes”.3
O
bezerro de ouro
Pois
bem, a adoração cananeia introduzida por Salomão não foi apenas a primeira
semente de apostasia plantada no regime monárquico, mas também a causa de sua
posterior fragmentação. Um dos colaboradores de Salomão, Jeroboão, filho de
Nebate, fora posto pelo rei para supervisionar os negócios do reino junto à
tribo de José (1 Rs 11.28). O texto bíblico de 1 Reis 11.26-33 detalha.
Com
a morte de Salomão, seu filho Roboão (931-913) assumiu o trono, mas não teve a
mesma habilidade do pai. Tão logo assumiu o poder adotou medidas que tornaram a
carga tributária ainda mais pesada, o que provocou um descontentamento
generalizado e divisão do até então reino unido. Dez tribos seguiram a
Jeroboão, filho de Nebate, que passou a formar o reino do Norte, também
denominado de “Israel”. Somente a tribo de Judá permaneceu fiel à casa de Davi
(1 Rs 12.16-20).
Tendo
assumido o poder sobre o reino nortista, Jeroboão procurou descentralizar o
culto da capital, Jerusalém, para os centros de adoração que ele mesmo havia
criado: Dã e Betei, locais situados respectivamente nos extremos norte e sul do
seu reino. Jeroboão temia que o povo nortista fosse influenciado pela adoração
sulista, realizada no Templo de Salomão sediado em Jerusalém. Para que isso
fosse evitado ele construiu altares em Dã e em Betei e neles pôs seus bezerros
de ouros como objetos de adoração. Ele também constitui sacerdotes ilegítimos,
já que os seus componentes não pertenciam à tribo de Levi (1 Rs 12.25-33).
O
culto idólatra foi fomentado pelo próprio Jeroboão no altar localizado em Betel.
Quando ele se encontrava nesse altar para queimar incenso aos seus deuses
falsos, foi confrontado por um homem de Deus. O profeta anônimo predisse a
derrocada do Reino do Norte como sinal da reprovação divina pela medida que
Jeroboão tomara (1 Rs 13.1-10). Infelizmente a semente da apostasia semeada
havia nascido e se ramificaria por toda a existência do Reino do Norte nos seus
dois séculos de existência. Todos os reinos nortistas posteriores a Jeroboão,
em um total de 19 reis, seguiram seus passos, sendo infiéis ao verdadeiro culto
a Deus.
A
fórmula de aferição desses reis passou a ser um refrão no texto bíblico: “E fez
o que era mau perante o Senhor; porque andou nos pecados de Jeroboão, filho de
Nebate, que fez pecar a Israel; não se apartou deles” (2 Rs 13.2,11; 14.24;
15.9,18,24,28).
A
casa de Onri
Entre
os anos de 885-874 a.C, o Reino do Norte foi ocupado por Onri, o sexto rei de
Israel e que governou por 12 anos. Onri era comandante do exército de Israel e
a maneira pela qual chegou ao poder foi turbulenta. Quando ele se encontrava
com suas tropas em missão militar perto de Gibeton, foi informado que Zinri, um
dos oficiais do exército, havia usurpado o trono e matado a Elá, filho de
Baasa, para reinar em seu lugar. As tropas de Onri entraram em confronto com as
de Zinri e nessa disputa Onri saiu vencedor.
No
contexto de 1 Reis, onde o cronista enfatiza mais a fidelidade a Deus do que as
conquistas políticas, Onri não recebe muito destaque. Todavia ele foi um
governante habilidoso tanto na sua política interna como externa. Documentos
arqueológicos registram que os assírios se referiam à dinastia fundada por Onri
como “a casa de Onri”. Foi visando expandir suas relações comerciais com outras
nações que Onri casou seu filho Acabe com Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios.
Tendo
se legitimado como rei, Onri comprou a colina de Samaria, estabelecendo nesse
local a nova capital do seu reino. Paul Gardner (2011, p.498) destaca que
“pouco se sabe sobre esse rei, exceto que foi o mais perverso “aos olhos do
Senhor” do que todos os que foram antes dele, até mesmo Jeroboão, filho de
Nebate. Adorava e encorajava a adoração de ídolos, um ponto que foi lembrado na
profecia de Miqueias (6.16). A má influência dessa dinastia afetou mesmo o
reino do Sul. Acazias, de Judá, era filho de Atalia, neta de Onri. Sob a
influência da mãe, ele “fez o que era mau aos olhos do Senhor” (2 Cr 22.2-4; 2
Rs 8.26). Finalmente Onri morreu e seu filho Acabe o sucedeu no trono de Israel
(1 Rs 16.28-30)”.4
A
altar de Baal
E
exatamente durante o reinado de Acabe que a apostasia ameaça suplantar
totalmente a adoração ao Deus verdadeiro e é nesse período que surge Elias, um
dos maiores profetas da história bíblica. Os estudiosos estão de acordo em
dizer que pela primeira vez a verdadeira fé no Deus vivo corria real perigo. A
apostasia, que teve raízes no reinado de Salomão; que cresceu durante o reinado
de Jeroboão, e que havia se generalizado no reinado de Acabe, tornara-se a
razão principal do Senhor ter levantado o profeta Elias. O abandono da fé no
Deus vivo colocava em perigo a identidade do povo escolhido. O texto bíblico
faz um resumo sobre os atos desastrosos do rei Acabe durante o seu reinado em 1
Reis 16.29-33.
Esse
texto detalha sem retoque uma das eras mais sombrias da história do Reino do
Norte. Acabe governou entre os anos de 874 e 853 a.C, e o seu reinado marcou a
conciliação dos elementos do culto cananeu com a adoração a Iavé. Uma primeira
leitura dos capítulos 16.29 — 22.40 do livro de 1 Reis, revela que essa mistura
provou ser desastrosa para o povo de Deus. Na prática, o culto ao Deus
verdadeiro foi substituído pela adoração ao deus falso Baal, trazendo como
consequência uma apostasia sem precedentes, pondo em risco até mesmo a
identidade do povo de Deus.
Causas
da apostasia
Casamento
misto
Ao
longo da história bíblica a mistura do povo de Deus com outros povos foi sempre
um perigo real. Vez por outra os limites que demarcavam a separação entre o
santo e profano era ultrapassado e então o povo caía em pecado. Nos dias
pós-cativeiro, Neemias precisou tomar medidas drásticas para frear essa prática
(Ne 13.23-29).
O
texto bíblico põe o casamento misto de acabe com Jezabel, filha de Etbaal rei
dos sidônios, como uma das causas da apostasia no Reino do Norte. As Escrituras
destacam que Acabe “tomou por mulher a Jezabel, filha de Etbaal, rei dos
sidônios; e foi e serviu a Baal, e o adorou” (1 Rs 16.31). Foi em decorrência
desse casamento pagão que a idolatria entrou com força em Israel. Embora se
fale de um casamento político, as consequências dele foram, na verdade,
espirituais. A mistura sempre foi um perigo constante na história do povo de
Deus. Os cristãos devem tomar todo o cuidado para evitar as uniões mistas. A
Palavra de Deus, tanto no Antigo como em o Novo Testamento, condena esse tipo
de união (Dt 7.3; 2 Co 6.14,15).
Nos
dias atuais, a prática pastoral tem mostrado que esse ainda continua sendo um
dos grandes problemas para o povo de Deus. Todo pastor pode constatar que a
estabilidade de um casamento misto, onde um evangélico se une com uma outra
pessoa fora da sua confissão de fé, é exceção e não a regra. A regra geral
mostra que os conflitos advindos pelo confronto de duas culturas e,
principalmente por realidades espirituais diferentes tornam o relacionamento
tenso e, em muitos casos, insustentável.
O
culto idólatra estatal
Quando
o rei Acabe casou-se com Jezabel, as consequências desse ato tiveram um efeito
imediato, pois, instigado por sua mulher, ele “levantou um altar a Baal, na
casa de Baal que edificara em Samaria” (1 Rs 16.32). O culto idólatra promovido
pelo estado hebreu foi formalizado quando Acabe “fez um poste-ídolo, de maneira
que cometeu mais abominações para irritar ao Senhor, Deus de Israel, do que
todos os reis de Israel que foram antes dele” (1 Rs 16.33). Não há dúvida que o
culto a Baal estava substituindo o verdadeiro culto a Deus. Havia uma idolatria
institucionalizada e financiada pelo poder estatal.
A
Bíblia nos revela que existem principados espirituais que dominam até mesmo
nações (Dn 10.13-21). Esses seres malignos se valem do poder estatal para
oprimir as pessoas. Vez por outra, temos visto satanás tentando se valer dos
governantes para financiar práticas que são contrárias aos princípios cristãos.
Isso pode ser claramente percebido nos projetos de leis que descriminalizam o
uso de drogas; torna legal o aborto e o casamento de pessoas do mesmo sexo. Além
de orar, a igreja deve também fazer ouvir a sua voz para que a nação seja um
canal de bênção e não de maldição.
A
apostasia e seus agentes
Acabe
Já
vimos que tanto Salomão como Jeroboão, filho de Nebate e Onri, foram agentes da
apostasia quando plantaram as suas sementes. Todavia, como destacou o expositor
bíblico Earl D. Radmacher “Acabe representa o nível mais baixo da degeneração
espiritual dos reis de Israel. Cada um dos reis do reino do Norte desde Nadab
(15.26), até o filho de Jeroboão, Onri (16.26), foram culpados por andar pelo
caminho de Jeroboão I. Sem dúvida, Acabe agiu como se os pecados de Jeroboão
tivessem sido leves. Isso se deve por duas razões: a primeira porque se casou
com Jezabel e a segunda porque promoveu o culto a Baal como religião do
estado”.5 O pecado de Acabe, portanto, foi andar nos caminhos
idólatras de seu pai e também ter aderido aos maus costumes dos cananeus
trazidos por sua esposa Jezabel (1 Rs 16.31). Esse fato fez com que Acabe se
tornasse um instrumento muito eficaz na propagação do culto a Baal.
Jezabel
Jezabel
(cujo nome significa onde está o
Príncipe?, ou ainda o príncipe existe?) teve uma verdadeira
obstinação na implantação da adoração a Baal em território israelita. O Nuevo Comentário Ilustrado de La Biblia
observa que “Jezabel era uma mulher poderosa, mui dotada e competente, pelo que
incrivelmente perversa. Ela pode ser quem influenciou negativamente seu marido
(1 Rs 21), já que quando ela estava longe de Acabe, este possuía uma conduta
relativamente boa (1 Rs 20)”.6 O primeiro dos livros de Reis relata
que Jezabel trouxe para Israel seus deuses falsos e também seus falsos profetas
(1 Rs 18.19). Foi, sem dúvida alguma, uma agente do mal na tentativa de
suprimir ou acabar de vez com o verdadeiro culto a Deus. Não fosse a
intervenção do Senhor através dos profetas, em especial Elias, ela teria
conseguido o seu intento. O Senhor sempre conta com alguém a quem ele levanta
em tempos de crise.
A
apostasia e suas consequências!
A
perda da identidade nacional e espiritual
A
Bíblia assegura que “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor” (SI 33.12). Desde a
sua criação como nação eleita, Israel foi identificado como povo de Deus (Ex
19.5). A identidade dessa nação como povo escolhido é algo bem definido nas
Escrituras Sagradas. Todavia nos dias de Acabe o povo estava dividido. As
palavras de Elias: “até quando coxeareis entre dois pensamentos?” (1 Rs 18.21),
revela a crise de identidade dos israelitas do Reino do Norte. A adoração a
Baal havia sido fomentada com tanta força pela casa real que o povo estava
totalmente dividido em sua adoração. Quem deveria ser adorado, Baal ou o
Senhor? Sabemos pelo relato bíblico que Deus havia preservado alguns
verdadeiros adoradores, mas a grande massa estava totalmente propensa à adoração
falsa. A nação que sempre fora identificada pelo nome do Deus a quem servia,
estava agora perdendo essa identidade.
O
julgamento divino
Como
quem surge do nada, o profeta Elias aparece no cenário nacional nortista para
predizer uma grande seca (1 Rs 17.1; 18.1). A fim de que a nação não viesse a
perder de vez a sua identidade espiritual e até mesmo deixar de ser vista como
povo de Deus, o Senhor enviou o seu mensageiro para trazer um tratamento de
choque ã nação. Sem dúvida Elias se distinguia dos falsos profetas, porque
enquanto estes prediziam o que o povo gostaria de ouvir, aquele anunciava o que
estava na mente de Deus. E hoje, que tipo de profecia estamos ouvindo? Parece
que os “profetas” de hoje se renderam à inspiração triunfalista, pois somente profetizam
o que é bom. Um verdadeiro profeta de Deus não se rende aos apelos da cultura
que o cerca.
Por
outro lado, Elias não previu julgamento apenas para o Reino do Norte. O Reino
do Sul, com sua sede em Jerusalém, experimentou julgamento semelhante. Isso
ocorreu durante o reino de Jeorão, filho de Josafá e genro de Acabe, que recebe
uma carta do profeta Elias. Nela é anunciado o juízo divino sobre a sua vida e
reinado (2 Cr 21.1-20). O Senhor mostrou claramente que a causa do julgamento
estava associada ao abandono da verdadeira fé nEle. Tempos depois o apóstolo
dos gentios irá nos lembrar da necessidade de nos corrigirmos diante do Senhor
(1 Co 11.31,32).
Os
perigos da apostasia
Um
perigo real
A
apostasia era algo bem real no reino do Norte e estava espalhada por toda
parte. Na verdade a palavra apostasia
significa, segundo os expositores, abandono
da fé ou mudar de religião.7
Foi exatamente isso que os israelitas estavam fazendo. Estavam abandonando a
adoração devida ao Deus verdadeiro para seguirem aos deuses cananeus. Estavam
trocando o jeovismo pelo baalaismo.
Em
o Novo Testamento observamos que os cristãos são advertidos sobre o perigo da
apostasia! Na epístola aos Hebreus o autor coloca a apostasia como um perigo
real e não apenas como uma mera suposição (Hb 6.1-6). Se o cristão não mantiver
a vigilância é possível sim que ele venha a naufragar na fé.
Em
um artigo que escrevi para a revista Ensinador
Cristão (CPAD), fiz uma exposição do texto de Hebreus 6.1-6, como crêem as
duas principais escolas teológicas — a calvinista e arminiana. John MacArthur
em sua Bíblia de Estudo MacArthur,
que reflete a posição calvinista, comenta a passagem de Hebreus 6.4-8 da
seguinte forma:
“A
frase ‘uma vez foram iluminados’ frequentemente se toma como uma referência a
cristãos, e a advertência que a acompanha se toma como uma indicação do perigo
de perder a sua salvação se ‘recaíram’ e ‘crucificaram de novo para si mesmo o
Filho de Deus’. Pelo que não há menção de que sejam salvos e não são descritos
com nenhum termo que se aplique unicamente a crentes (tais como santo, nascido
de novo, justo ou santos). Este problema emana a partir de uma identificação
imprecisa da condição espiritual daqueles aos quais o autor está se dirigindo.
Neste caso, eram incrédulos que haviam chegado ao ponto de ter uma salvação
genuína. Em 10.26, faz-se referência uma vez mais a cristãos apóstatas, não a
crentes genuínos de quem frequentemente se pensa que perdem sua salvação por seus
pecados”.8
O
argumento de MacArthur é bem construído, mas apresenta alguns problemas de
natureza exegética. Daniel B. Pecota, teólogo de tradição pentecostal, observa
que no Novo Testamento encontramos apoio para a doutrina da segurança do
crente, todavia não como querem os calvinistas extremados. Ele destaca, por
exemplo, passagens bíblicas que mostram que nada de tudo quando Deus deu a
Jesus se perderá (Jo 6.38-40); Que as suas ovelhas jamais perecerão (Jo
10.27-30); Jesus orou para que Deus protegesse os seus seguidores (Jo 17.11);
Somos guardados por Cristo (ljo 5.18); Que o Espírito Santo é o selo de
garantia da nossa salvação (Ef 1.14); O seu poder nos guardará (1 Pe 1.5) e que
o Deus que habita em nós é maior do que qualquer coisa fora de nós (1 Jo 1.4).
Por
outro lado, a Bíblia de Estudo
Pentecostal, ao comentar a mesma passagem bíblica de Hebreus 6.4-8, diz:
“Nestes três versículos (Hb 6.4-6) o escritor de Hebreus trata das
consequências da apostasia (decair da fé). Esta palavra (recaíram, gr. parapesontas, de parapipto) é um
particípio aoristo e deve ser traduzido no tempo passado — literalmente: “tendo
decaído”. O escritor de Hebreus apresenta a apostasia como algo realmente
possível.”9
Daniel
B. Pecota observa ainda que os calvinistas desconsideram dezenas de passagens
bíblicas que se contrapõem a teoria de “uma vez salvos para sempre salvos”.
Observa-se que os teólogos da tradição calvinista ou reformada fazem dezenas de
contorções teológicas para fundamentar suas convicções. John MacArthur, como já
vimos, tenta anular a possibilidade de o crente vir a perder a sua salvação
argumentando que as pessoas citadas na epístola aos Hebreus 6 não eram crentes
genuínos ou que eram incrédulos. Mas como poderia o autor falar da
possibilidade de alguém perder algo que nunca teve? Por outro lado, Millard
Erickson, renomado expositor bíblico, também de tradição calvinista, argumenta
que o autor fala de uma “apostasia” apenas hipotética! Ele argumenta que o
autor diz que poderíamos apostatar, porém, mediante o poder de Cristo para nos
conservar, isso não vai acontecer. Se é uma possibilidade que não existe, então
por que o autor falaria dela? Um argumento que se autoanula!
Há
dezenas de passagens bíblicas que, de fato, mostram que alguém pode apostatar
ou perder a sua salvação. Jesus, por exemplo, diz que o amor de muitos esfriará
(Mt 24.12,13). Ele adverte que aqueles que olham para trás são indignos do
reino (Lc 9.62). Adverte-nos também a nos lembrarmos da mulher de Ló (Lc
17.32). O Senhor advertiu ainda que se alguém não permanecer nEle será cortado
(Jo 15.6). Paulo, o apóstolo da graça, adverte que podemos cair da graça (G1
5.4). Ele ainda lembra-nos de que alguns naufragaram na fé (1 Tm 1.19) e que
outros abandonarão a fé (1 Tm 4.1).
Para
Paulo, aquele que negar o Senhor será negado por Ele (2 Tm 2.12). E Pedro cita
aqueles que escaparam da corrupção do mundo pelo conhecimento do Senhor Jesus
Cristo e que depois se desviaram. Todos esses textos mostram a possibilidade
real, e não apenas hipotética, de alguém vir a perder a salvação. Como se
desencadeia esse processo: 1) O cristão deixa de levar a sério as advertências
da Palavra (Lc 8.13; Jo 5.44,47); 2) Quando o mundo passa a ser mais importante
do que o Reino de Deus (Hb 3.13); 3) Uma tolerância para com o pecado (1 Co
6.9,10); 4) Dureza do coração (Hb 3.8,13); e 5) Entristecer o Espírito Santo
deliberada e continuamente (Ef 4.30).10
Um
mal evitável
A
apostasia, portanto, é uma real possibilidade, mas não devemos nos centrar
nela, mas na graça de Deus. Ainda ao tratar desse assunto, a Bíblia de Estudo Pentecostal observa
que, embora seja um perigo para todos os que vão se desviando da fé e se
apartam de Deus, a apostasia não se consuma sem o constante e deliberado pecar
contra a voz do Espírito Santo. As Escrituras afirmam com clareza que Deus não
quer que ninguém pereça (2 Pe 3.9) e declaram que Ele receberá todos que já
desfrutaram da graça salvadora, se arrependidos, voltarem para Ele (cf. G15.4;
2 Co 5.1-11; Rm 11.20-23;Tg 5.19,20). Fica a advertência bíblica para nós:
“Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações (Hb 3.7,8,15;
4.7).
No
caso de Acabe, observamos que este foi um rei mau (1 Rs 16.30). Em vez de
seguir os bons exemplos, como os de Davi, esse monarca do reino do Norte
preferiu seguir os maus exemplos. O cronista destaca que “ninguém houve, pois,
como Acabe, que se vendeu para fazer o que era mal perante o Senhor, porque
Jezabel sua mulher, o instigava” (1 Rs 21.25). Ainda de acordo com esse mesmo
capítulo, Acabe se contristou quando foi repreendido pelo profeta, mas parece
que foi um arrependimento tardio (1 Rs 21.17-29). Tivesse ele tomado essa
atitude antes, o seu reinado teria sido diferente.
Por
que não seguir os bons exemplos e assim evitar o amargor de um arrependimento
tardio?
Ficou
perceptível neste capítulo que a apostasia no Reino do Norte pôs em perigo a
existência do povo de Deus durante o reinado de Acabe. A sua união com Jezabel
demonstrou ser nociva não somente para Acabe, que teve o seu reino destroçado,
mas também para o povo de Deus que por muitos anos ficou dividido entre dois
pensamentos em relação ao verdadeiro culto.
As
lições deixadas são bastante claras para nós: não podemos fazer aliança com o
paganismo mesmo que isso traga algumas vantagens políticas ou sociais; a
verdadeira adoração a Deus deve prevalecer sobre toda e qualquer oferta que nos
seja feita. Mesmo que essas ofertas tragam grandes ganhos no presente, todavia
nada significam quando mensuradas pela régua da eternidade.
1
RICHARDS, Laurence. Comentário Bíblico do Professor. São Paulo: Editora Vida,
2004.
2
GARDNER, Paul. Quem é Quem na Bíblia — a história de todas as personagens da Bíblia.
São Paulo: Editora Vida, 2011.
3
HOUSE, Paul. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 2005.
4
GARDNER, Paul. Quem é Quem na Bíblia. São Paulo: Editora Vida, 2011.
5
RADMACHER, Earl, ALLEN, B. Ronald, HOUSE, H. Wayne. Nuevo
Comentário Ilustrado de La Biblia. Grupo Nelson, USA, 1999.
6
RADMACHER, Earl, ALLEN, B. Ronald, HOUSE, H. Wayne. Nuevo
Comentário Ilustrado de La Biblia. Ed. Grupo Nelson, Nasville, USA.
7
BROMILEY, Geoffrey. International Bible Encyclopedia. Books for the Ages, OR,
1997.
8
MCARTHUR, Jonh. Biblia de Estudio MacArthur. Ed. Porta Voz, Grand Rapids, Michigan, 2004.
9
Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD.
10
Veja o livro: Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal (HORTON,
Stanley M. CPAD, Rio de Janeiro.)
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