AS MAÇÃS DO ÉDEN
O ser humano é dogmático. Em qualquer esfera, gostamos de dogmas e verdades estabelecidas. Isto nos traz segurança e conforto. Na TV sempre aparece algum artista ou celebridade comentando sobre a vida pública. E para senso comum, pessoas que estão dispostas a ter vida pública não podem se queixar de perder a privacidade por causa da fama. Será? Na mídia existe o mito que de que quando alguém se expõe tem que se sujeitar passivamente a reação das pessoas. Sério? Quem estabeleceu estas verdades?
Desmaterialização da arte: Os artistas contemporâneos costumam derrubar este tipo de conclusão a golpes de martelo, abrindo espaço para questionamentos. John Cage, criou uma partitura, o trabalho 4’33″, instruindo o músico a ficar em silêncio e imóvel durante o tempo estipulado no título da obra. Em 1967, o norte americano Sol LeWitt publica “Parágrafos sobre Arte conceitual, onde atesta que a idéia é mais importante que a realização do trabalho. Enquanto isso, no Brasil , Helio Oiticica divulga no Museu de arte Moderna do Rio de Janeiro, um texto onde começa a surgir a noção de uma “arte desmaterializada”, onde o público, é o motor da obra e assume com sua negação à passividade uma posição crítica na dimensão ética e política. Falando a grosso modo: é o público que define o que será a obra de arte: uma partitura, uma obra de arte visual, um texto poético, ou outra proposta.
No mundinho gospel prevalece a mentalidade dogmática. Somos criados com ela e nos moldamos a ela. Somos ensinados a reafirmar dogmas. Não, as igrejas não ensinam a pensar, e embora o Criador nos tenha dado uma máquina de raciocinar fantástica, não há encorajamento para aqueles que se atrevem a levantar questionamentos. Elas funcionam em sua grande maioria como curso de memorização, de modo que você consegue encontrar vários cristãos que conseguem decorar enormes textos bíblicos, mas não conseguem aplicar aquelas verdades ao seu dia a dia. Nada contra memorizar textos, pelo contrário, seria lindo um momento de salmos onde os irmãos declamariam e interpretariam os salmos bíblicos e os que tem veia poética mais apurada poderiam criar seus salmos e jorrar palavra poética numa noite inesquecível, uma noite na varanda com amigos, simples, como as reuniões apostólicas da igreja primitiva. Memorizar não é um problema, é uma necessidade, mas é problema quando a palavra está na língua mas não está no coração.
Precisamos de discipuladores que lancem desafios na aula, como Jesus fazia. Jesus criava problemas e deixava os discípulos sem respostas por muito tempo para que tivessem tempo de meditar na palavra. Jesus exercia a função de provocador. O bom pastor alimentava as ovelhas como ninguém, mas não mastigava o alimento para elas.
Evangelho para consumo: o Evangelho está á venda. Para vender algo é preciso seduzir e agradar o consumidor, não podemos chocá-lo, provocá-lo, questioná-lo, fazê-lo pensar ou dar-lhe informações novas que o perturbem. Devemos dar-lhe mais do mesmo. O igual, com nova roupagem. O dogma é perfeito para isso, ele não assusta, não muda nada, não altera nada. Gostamos das coisas como são e queremos que tudo termine bem no final, como nas novelas e comédias românticas. Tudo já vem pronto e embalado para consumo. Só nos resta consumir. Tudo precisa ser reduzido aos padrões já estabelecidos, para não abalar nossas crenças e nossa confiança na realidade. Na mentalidade dogmática, verdadeiro e bom é o que não surpreende: é oque já se sabe, oque já se disse, oque já se fez. Mas no lugar de difundir e divulgar o Evangelho ou a cultura cristã, despertando interesse, isto torna o evangelho próprio para consumo, mas não o torna mais conhecido por isto.
Claro, todos temos dogmas de fé. Há uma verdade que é Cristo. Mas a cultura da pedrada e a cultura do escárnio fazem parte do discurso de Jesus? Um dos um dos problemas do cristianismo atual é exatamente achar que há apenas uma doutrina válida, é querer mandar fogo do céu a quem pensa diferente. Temos arminianos, calvinistas, luteranos, reformados, pentecostais, neopentecostais, todos com suas pedras na mão afirmando serem os donos da verdade. Oque me lembra o romance de Umberto Eco, O nome da rosa. No livro, os monges morrem misteriosamente e todos com o mesmo sinal: a língua negra e dois dedos da mão direita cheios de veneno. O monge investigador descobre que as vítimas encontraram uma obra perdida de Aristóteles sobre a comédia e a importância do riso para a vida humana. Descobre também que o monge guardião da biblioteca julgara que o riso era pecado, pois em sua concepção religiosa, o homem estava na terra para pagar o pecado de Adão, portanto, alegria era blasfêmia. E por este motivo, assassinou por envenenamento os copistas que ousaram ler o livro e incendiou a biblioteca. Por esta “verdade”, o monge copista matou seres humanos e destruiu livros, pois para ele, a verdade revelada por Deus é a única que importa.
As maçãs do Éden: Quando observo as igrejas e a forma como passam a informação, me lembro de um episódio ocorrido lá no jardim do Éden, onde um homem ouviu uma revelação de Deus, e transmitiu a mensagem dogmaticamente para outra pessoa. A fim de que ela não se desviasse do conteúdo original da mensagem,acrescentou umas palavrinhas. Mas este excesso de zelo e de dogma não a fez meditar naquela realidade, para que aquele ensino fosse regado pelo Espírito Santo e criasse raízes. Quando veio a serpente, então a serpente a fez pensar. E assim o homem oficializou o dogma, acreditando que fazer pensar é um perigo. Criamos as “maçãs do Éden”. De onde surgiu a “maçã” ninguém sabe, não está no texto, mas também não se pode questionar. Séculos depois, continuamos cultivando maçãs.
Terapia divina: Ignoramos a didática de Jesus, ignoramos que Deus ensinou Jó a questionar, (sem apresentar respostas). Porque aprendemos que o tema central do livro de Jó é “porque o justo sofre?” ao invés de”a importância do questionamento”? Nossa capacidade dogmática se rompe quando começamos a levantar questionamentos, este foi o tratamento de Deus para Jó: sincero, reto e temente a Deus, Jó não conhecia o criador, mas tinha dogmas que seguia à risca. Deus curou Jó de seus dogmas para restaurar sua vida. Assim as pessoas hoje estão vivendo. Acreditam que é pecado questionar a Deus, ou as instituições e pessoas que “falam em nome de Deus”. Mas por não aprenderem a questionar também não aprendem a questionar os rudimentos e sofismas deste mundo e caem na conversa da serpente geração após geração.
Enquanto isso, o Todo-Poderoso continua dizendo: “Vinde e arrazoemos”.
Que Deus quebre nossos dogmas e fortaleça nossa fé.
Em Cristo,
Lya Alves.
Lya Alves é missionária, graffiteira, artista, arte educadora, desenhista da história em quadrinhos Guerreiros de Deus , colaboradora do Púlpito Cristão e está participando das exposições: “Imagens e Palavras” em cartaz até 16 de novembro na Aliança Francesa de Niterói-RJ e Conexão Niterói no SESC em cartaz até 29 de dezembro.
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