Em caso de arrebatamento, este carro vai ficar desgovernado
Hermes C. Fernandes
“Em caso de arrebatamento, este carro vai ficar desgovernado”.
Esta frase é encontrada adesivada em muitos automóveis em nossas
cidades. Para os não-evangélicos não faz o menor sentido. Mas para
muitos os evangélicos esta frase denota a crença na doutrina do arrebatamento secreto, defendida pelo sistema dispensacionalista de interpretação bíblica.
Segundo este
sistema, a volta de Cristo seria dividida em duas fases, a primeira
seria secreta e destinada unicamente aos crentes, enquanto a segunda
seria pública e aconteceria sete anos depois dos crentes serem
arrebatados e levados para o céu.
Os mais antigos se lembram de um hino cujo título era “O Rei está voltando”.
Entre suas estrofes, se dizia que o mercado ficaria vazio (e não seria
pela alta dos preços!), os aviões cairiam pela ausência súbita dos
pilotos. Enfim, o mundo ficaria em polvorosa, e a mídia não se ocuparia
com outra notícia que não fosse o desaparecimento de milhões de crentes
pelo mundo a fora. Alguns defensores das teorias de conspiração
afirmam que a mídia reportaria o desaparecimento súbito de milhões de
crentes como um caso de abdução em massa promovida por discos voadores
(sic).
Cresci ouvindo isso. Ficava atormentado quando meus pais tocavam na vitrola o disco “A última trombeta”.
Depois de
crescidinho, deparei-me com outros sistemas de interpretação, e mesmo
formado em Teologia, já tendo dado aula de Escatologia em um seminário,
decidi rever meus conceitos.
Dei-me conta que a
doutrina do arrebatamento secreto não consta das Escrituras, e foi
inventada há pouco mais de duzentos anos, por um inglês chamado John
Nelson Darby (1800-1882), e tornando-se febre entre os cristãos
evangélicos por causa dos comentários de rodapé da Bíblia de Scofield.
Portanto, é a mais recente linha de interpretação da escatologia
bíblica. Mais tarde, descobri que tal interpretação já havia sido
seminalmente engendrada trezentos anos antes pelo jesuíta espanhol
Franscisco Ribera (1537-1591). Por quase três séculos, tal teoria ficou
confinada à Igreja Católica Romana, até que, em 1826, Samuel R.
Maitland (1792-1866), que era bibliotecário de Canterbury, publicou um
panfleto em que promovia a idéia de Ribera.
Mas o que mais me
incomodou com esta doutrina não é sua origem, mas os seus efeitos
colaterais. Até o seu surgimento, os cristãos estavam engajados na
transformação do mundo. Grandes nomes da ciência eram cristãos devotos.
Universidades como Havard, Princeton, Oxford, foram fundadas sob a
égide dos ideais do Reino de Deus. O surgimento do Dispensacionalismo
alimentou o processo de secularismo, fazendo com que os cristãos
recuassem, e cedessem espaço aos céticos.
Antes fosse o
carro ou o avião que ficasse desgovernado em caso de arrebatamento. Em
vez disso, o que ficou desgovernado foi o Mundo. A Igreja deixou de ser
o sal da terra, a luz do mundo, para tornar-se numa sub-cultura, num
gueto religioso. O que muitos cristãos contemporâneos parecem ignorar é
que cada passo que a igreja dá pra trás, é espaço que ela cede a Satanás. Não seria esta uma maneira de "dar lugar ao diabo" (Ef.4:27)?
Se antes a
Ciência era praticada por cristãos convictos, hoje está nas mãos dos
ateus. Pra quê fazer ciência, se o mundo está prestes a acabar? Por que
nos envolver com questãos como preservação ambiental, justiça social,
ética, se as coisas têm mesmo que piorar para apressar a volta iminente
de Jesus? De onde tiraram esta conclusão, se "a vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito"(Pv.4:18)?
Recuso-me a crer
que Cristo virá ao encontro de uma igreja acovardada, que não terá
concluído a Grande Comissão, tampouco terá sido luz do mundo e sal da
terra (Mt.5:14). Recuso-me a crer que o mesmo Jesus que pediu ao Pai
para que não nos tirasse do mundo, agora mudou de idéia e vem para nos
raptar (Jo.17:15).
A febre
dispensacionalista alcançou um novo apogeu recentemente com o
lançamento da série “Deixados para trás”, de Tim LaHaye e Jerry B.
Jenkins (Acho que a série deveria se chamar “Passados para trás”).
Pregadores bradam de seus púlpitos: “Somos a última geração! A geração do arrebatamento!” Mas
se contradizem quando gastam milhões na construção de catedrais
suntuosas. Imagino o que pensam nossos filhos quando afirmamos que somos
a geração final. Com isso, nós os privamos de qualquer perspectiva de
futuro. Prefiro ficar com o salmista, e declarar: "A posteridade o servirá; falar-se-á do Senhor às gerações futuras" (Sl.22:30-31).
Encruzando os
braços, os cristãos estão entregando o mundo às baratas. Desistindo de
lutar pelas próximas gerações. Isso sim é que podemos chamar de
alienação.
Se os leitores da
Bíblia comentada por Scofield deixassem de dar crédito àquilo que está
em seu rodapé, e começassem a ler mais o conteúdo das Escrituras,
talvez houvesse uma revolução. O problema é que estamos condicionados a
uma leitura, e qualquer um que faça uma leitura diferente é logo
tachado de herege.
Por desconhecerem
a história, ignoram que muitos dos escritores cristãos aclamados
também esboçavam uma escatologia esperançosa quanto ao futuro do Mundo.
Gente como Spurgeon, Whitefield, Wesley, Calvino, Lutero, Lloyd-Jones,
Jonathan Edwards, os puritanos, e tantos outros, criam no avanço do
Evangelho e na eventual conversão das nações a Cristo (Leia Salmo
22:27-28). Era a isso que chamavam “avivamento”.
Aos vidrados em
teorias de conspiração devo informar que vocês estão sendo vítimas da
maior de todas elas. Esqueçam “Deixados pra trás”! Olhem para Cristo, o
Cavaleiro Fiel e Verdadeiro, que saiu “vencendo e pra vencer”.
Um dos cânticos mais cantados pelos cristãos ao redor do mundo foi composto por alguém que tinha esta esperança. Ele diz:
Já refulge a glória eterna,
De Jesus, o rei dos reis;
Breve os reinos deste mundo,
Seguirão as Suas leis;
Os sinais da sua vinda,
Mais se mostram cada vez;
Vencendo vem Jesus!
De Jesus, o rei dos reis;
Breve os reinos deste mundo,
Seguirão as Suas leis;
Os sinais da sua vinda,
Mais se mostram cada vez;
Vencendo vem Jesus!
Glória, glória, aleluia (3x),
Vencendo vem Jesus!
Vencendo vem Jesus!
O clarim que chama as crentes,
A batalha já soou;
Cristo, à frente do seu povo,
Multidões já conquistou;
O inimigo em retirada,
Seu furor patenteou;
A batalha já soou;
Cristo, à frente do seu povo,
Multidões já conquistou;
O inimigo em retirada,
Seu furor patenteou;
Vencendo vem, Jesus!
E por fim entronizado,
As nações há de julgar;
Todos grandes e pequenos,
O juiz hão de encarar;
E os remidos triunfantes,
Em fulgor hão de cantar:
Vencendo vem Jesus!
As nações há de julgar;
Todos grandes e pequenos,
O juiz hão de encarar;
E os remidos triunfantes,
Em fulgor hão de cantar:
Vencendo vem Jesus!
Sinceramente? Prefiro este hino àquele que estimula os crentes à irresponsabilidade com o futuro da Terra.
Recomendo que os
leitores deste blog busquem comparar o sistema dispensacionalista com
outros sistemas de intepretação da Escatologia Bíblica. Vocês se
surpreenderão.
Hermes Fernandes é chapa do Genizah
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