Jerusalém Virou a Disney de Jesus
Estamos às vésperas da semana santa. As empresas de turismo religioso carregam nos seus marketings: “reserve hoje, como sem falta, sua passagem para Israel. Decida-se rápido”. Como diz a letra proselitista do hino cristão pentecostal: “...não deixe para amanhã, hoje Cristo te quer libertar”.
As agências de viagem do comércio gospel anunciam freneticamente: “Visite os lugares sagrados e volte de lá revigorado”. Em outras palavras, vá ao paraíso para depois voltar ao inferno que é o batente cotidiano pela sobrevivência aqui nas terras de dom João VI, Lula, Dilma e Sarney. (rsrs)
E por falar no eletrizante frenesi de gente de todas as nações do mundo que vão tomar literalmente as ruas de Jerusalém na época da páscoa, não poderia deixar de lado um ensaio emblemático (janeiro de 2010), de Luiz Felipe Pondé, psicanalista, filósofo da PUC e Colunista da Folha de São Paulo. Como ele retrata de maneira leve e bem humorada as procissões idólatras das “terras sagradas”.
O internauta que resolveu não fazer esse tipo de turismo religioso na semana santa, pelo amor de Deus, não deixe de conferir esse imperdível ensaio tirado da pena cômico-satírica do fenomenal Luiz Felipe Pondé:
A Disneylândia de JESUS
"O mundo acabou. Não viaje. Assista a filmes em casa ou vá para cidades sem graça no interior. O mundo foi tomado por um tipo de praga que não tem solução: os gafanhotos de sucesso da indústria do turismo.
O horror começa nos aeroportos, que, graças ao terrorismo fundamentalista islâmico, ficaram ainda piores com seus sistemas de seguranças infernais. Esse mesmo terrorismo fundamentalista que faz as “cheeleaders” dos movimentos sociais sentirem “frisson” de prazer na espinha.
Uma grande figura do mercado de análise do comportamento me disse que, em poucos anos, só os pobres (de espírito?) viajarão.
Tenho mais certeza disso do que da aritmética de 2 + 2 = 4.
Aeroportos serão o último lugar onde você vai querer ser visto. Gostar de viajar pode ser um forte indício de que você não tem muita imaginação ou opção de vida.
Veja, por exemplo, o que aconteceu com os lugares sagrados de Jerusalém. Aquilo virou uma DISNEYLÂNDIA de JESUS. Imagino que, dentro de alguns anos, teremos atores fracassados do terceiro mundo vestidos de Judas-patetas, Maria-Branca de Neve, Tio Pôncio-Patinhas, Pedro-Duck, e claro, Mickey-Jesus-Mouse.
Locais religiosos sempre atraíram todo tipo de histeria. A proximidade com ela pode fazer você duvidar da existência de Deus.
Ateus são fichinha em comparação à histeria religiosa como argumento contra a viabilidade de um Deus bom e generoso. Nesse caso, a náusea faz de você um ateu.
Às vezes, tristemente, a diferença entre visitas belas a locais sagrados parece ser apenas o número maior ou menor de nossos semelhantes crentes em Deus.
Ou, dito de outra forma, o inferno é o lugar onde tem muita gente em surto místico.
Jesus deve ter uma paciência de Jó, com seus fiéis cheios de máquinas digitais e filmadoras chinesas querendo devassar a intimidade de sua mãe e de seus discípulos mortos já há tantos séculos.
Aliás, estou seguro de que, em breve JESUS será “made in China”. Se assim acontecer terão razão aqueles que afirmavam ter sido ele um messias “fake”?
Pessoalmente, torço para que Jesus sobreviva a essa nova “paixão”, por obra da qual ressuscitar deverá ser algo como um show de efeitos especiais feito por computação gráfica barata. Os fiéis pós-modernos deram um novo significado à expressão nietzschiana “Deus está morto”. Nesse caso Deus virou batata chips de free shop.
No início dos anos noventa, ainda era possível ir à Catedral de Córdoba, na Espanha, e experimentar sua beleza moura. Já em meados do ano 2000, ela era um terreno baldio para as invasões de gafanhotos.
Hoje estive (escrevo dias antes de você ler esta coluna) na Igreja da Agonia, em Jerusalém, conhecida também como igreja de Gethsêmani, local onde Jesus teria suado sangue antes de ser preso. Um belíssimo local.
Em seguida, alguns passos descendo a ladeira do monte das Oliveiras, fui a outro local maravilhoso que não vou dizer qual é porque espero que ninguém fique sabendo; assim, quem sabe, esse lugar ainda durará algum tempo, antes de virar mais um Hopi Hari de Jesus com seu ruído de famílias de classe média em excursões místicas.
É importante dizer que já fui a esses locais inúmeras vezes e que, portanto, tive o desprazer de ver Jerusalém virar uma cidade devastada pela horda de tarados com máquinas digitais e filmadoras chinesas. Além de suas camisetas com slogans pela paz mundial.
Depois da destruição de Jerusalém pelos romanos por volta do ano 70 d.C., vemos agora a infestação da cidade santa pelos histéricos pentecostais e seus berros em nome do Espírito Santo.
Além, é claro, dos judeus ortodoxos obsessivos mal-educados e dos muçulmanos fanáticos, com seu grito bárbaro “Allah Akbar” (Deus é grande). A população secular de Jerusalém é cada vez mais oprimida pelos homens de preto da ortodoxia judaica.
Alguns desses são mesmo contra o Estado de Israel, porque só o Messias pode reconstruir o “verdadeiro Estado judeu”. Acho que deveriam ser todos despachados para o Irã. Enfim, um filme de horror estrelado por fanáticos, batatas e patetas.
Aeroportos, aviões, hotéis e museus parecem liquidações de lojas".
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