Isvonaldo sou Protestante

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Saudade: a insuportável presença da ausência



Maurício Zágari

Alguns dias atrás conversei com alguém que está há meses longe de uma pessoa que ama. Me dizia esse alguém que era uma sensação estranhíssima, como se a falta daquela pessoa provocasse uma espécie de vácuo mental ou emocional, um tipo de desorientação. Contou-me que acordava de manhã e seu primeiro pensamento é “onde está fulano?” e só depois de alguns instantes se lembrava que “fulano” estava morando em outra cidade há meses. O que me impressionou nessa conversa foi o olhar desse alguém com quem eu estava dialogando na hora em que tocou naquele assunto, um olhar de distância. De tristeza e vazio. Foi apenas um instante, mas foi forte para mim ver aquele olhar. Me tocou, mas eu segurei a onda e fiquei quieto, na minha, apenas percebendo aquele sentimento. Essa conversa aparentemente corriqueira me fez meditar sobre o significado da ausência do ente amado para o ser humano.

Fato é que somos entidades completamente despreparadas para a ausência das pessoas que amamos. Por alguma razão Deus pôs em nosso DNA a urgência de estar perto daqueles por quem nutrimos sentimentos fortes. Essa urgência é tão grande que acredito que o próprio Jesus experimentou a terrível presença da ausência, como já veremos.

Todos nós já sentimos saudades na vida. Todos sabemos como dói. É humano sentir falta de quem se ama, pois o amor pressupõe presença. Amar alguém que está longe provoca uma dor que não encontra palavras. Amor pressupõe respirar o mesmo ar, observar as expressões fisionômicas, ouvir a voz, escutar o som do riso, caminhar ao lado e outras coisas extremamente banais. É tocar o dedo da pessoa rapidamente quando ela te passa o açucareiro na mesa de jantar. Aquele segundo tem significado. É conhecer o barulho que a pessoa faz quando se movimenta, mesmo que ela esteja em outro cômodo. É conhecer o ser sem saber explicar por quê.

E não ter isso nos faz definhar. Definhar de saudade.

Esse fenômeno acontece com todos os seres humanos. E com Cristo, o Filho do Homem, não foi diferente. Mateus 27.46 nos revela um dos momentos mais intrigantes da vida de Jesus de Nazaré. O Verbo encarnado, um dos integrantes da Trindade Santa, o Deus vivo vira-se para o Pai e brada em alta voz: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni?”, que significa “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?”. Que coisa fascinante! Você já parou para pensar nisso? O Agnus Dei, o Cordeiro de Deus, estava ali cumprindo o sacrifício estabelecido desde antes da fundação do mundo, algo que Ele sabia há milênios que ocorreria, num ato de amor que levaria à salvação de uma enorme parcela da humanidade, que reconduziria o homem caído ao seu Criador. Era simplesmente o ponto mais elevado e sublime da História. Nada mais natural então do que Jesus exultar naquele momento de vitória, de triunfo sobre a morte, o pecado e o inferno. Mas… não. De modo impressionante, imprevisto e aparentemente incompreensível o Messias vira-se para o Pai e, em vez de gritar “Vencemos!!!!”, brada “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?”. Fascinante. Intrigante.

Eu durante muitos anos me perguntei o motivo de Jesus ter dito aquilo. Já ouvi milhões de explicações diferentes, já li livros que defendem teorias díspares, já escutei pregações esdrúxulas sobre o tema, já vi notas de pé de página de Bíblias de estudo tentando dar uma razão para esse fato. A justificativa que mais escutei, inclusive em seminário, é que naquele momento o Pai viu todos os pecados da humanidade concentrados sobre Aquele que estava na cruz e por isso não suportou olhar para o Filho, “virando o rosto” e, com isso, “abandonou” Jesus. Mas essa explicação nunca me convenceu, perdoem-me os que creem nisso. Como poderia o Pai abandonar o Filho no momento máximo da trajetória da existência? Como o Deus onipresente do Salmo 139, sobre o qual o salmista afirma “Se eu subir aos céus, lá estás; se eu fizer a minha cama na sepultura também lá estás. Se eu subir com as asas da alvorada e morar na extremidade do mar, mesmo ali a tua mão direita me guiará e me susterá” estaria ausente naquele momento?

Não, eu nunca me convenci. E isso sempre foi um mistério para mim – até agora.

Naquela conversa que tive com essa certa pessoa eu me lembrei da força do sentimento da saudade. Depois, mais tarde, passei um período em meditação e oração e uma teoria veio ao meu coração. Não é revelação, não é profecia, anjo nenhum me contou, não é uma epifania, não se trata de um pensamento revolucionário. É apenas uma ideia – que, finalmente, me convenceu. Fez sentido. Para mim, o que houve naquele momento é que Jesus sentiu tanta saudade do Pai que a sensação da presença da ausência lhe tocou tão fundo a ponto de fazê-lo sentir-se abandonado. Eu me sinto abandonado quando as pessoas que mais amo no mundo estão longe, não dão notícias, quando estou numa situação complicada e não tenho seus ombros para chorar e seus conselhos para me nortear. Saudades puras. Eu me sinto abandonado quando quero abraçar os que amo e não posso. Saudades. Eu me sinto abandonado quando centenas de quilômetros me separam daqueles que eu gostaria de beijar, tocar, conversar, caminhar ao lado, sentir o perfume, tomar café junto, ir ao cinema, segurar a mão ou simplesmente apreciar o sorriso vendo face a face. Pura e simples saudade.

Então o que por um segundo ocupou o olhar daquela pessoa com quem conversei há alguns dias consegui na minha imaginação enxergar também nos olhos de Cristo na cruz: a tristeza da saudade. Depois, em minhas orações e meditações, procurei me pôr um instante no lugar do Cordeiro: crucificado, nu, humilhado, desglorificado, tratado como opróbio, solitário. E imaginei seu sentimento naquele instante. Eu, em seu lugar, teria dito ao Pai: “Meu Deus! Meu Deus! Que saudades enormes de ti!“. Acredito que foi isso o que Jesus disse, mas com suas próprias palavras.

Saudade. Ah, que sentimento fascinante…

Paz a todos vocês que estão em Cristo.



Zágari encreve no APENAS 1 
Divulgação Genizah


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