Maurício Zágari
Alguns dias atrás conversei com alguém que está há meses longe de uma pessoa que ama. Me dizia esse alguém que era uma sensação estranhíssima, como se a falta daquela pessoa provocasse uma espécie de vácuo mental ou emocional, um tipo de desorientação. Contou-me que acordava de manhã e seu primeiro pensamento é “onde está fulano?” e só depois de alguns instantes se lembrava que “fulano” estava morando em outra cidade há meses. O que me impressionou nessa conversa foi o olhar desse alguém com quem eu estava dialogando na hora em que tocou naquele assunto, um olhar de distância. De tristeza e vazio. Foi apenas um instante, mas foi forte para mim ver aquele olhar. Me tocou, mas eu segurei a onda e fiquei quieto, na minha, apenas percebendo aquele sentimento. Essa conversa aparentemente corriqueira me fez meditar sobre o significado da ausência do ente amado para o ser humano.
Fato é que somos entidades completamente despreparadas para a ausência das pessoas que amamos. Por alguma razão Deus pôs em nosso DNA a urgência de estar perto daqueles por quem nutrimos sentimentos fortes. Essa urgência é tão grande que acredito que o próprio Jesus experimentou a terrível presença da ausência, como já veremos.
Todos nós já sentimos saudades na vida. Todos sabemos como dói. É humano sentir falta de quem se ama, pois o amor pressupõe presença. Amar alguém que está longe provoca uma dor que não encontra palavras. Amor pressupõe respirar o mesmo ar, observar as expressões fisionômicas, ouvir a voz, escutar o som do riso, caminhar ao lado e outras coisas extremamente banais. É tocar o dedo da pessoa rapidamente quando ela te passa o açucareiro na mesa de jantar. Aquele segundo tem significado. É conhecer o barulho que a pessoa faz quando se movimenta, mesmo que ela esteja em outro cômodo. É conhecer o ser sem saber explicar por quê.
E não ter isso nos faz definhar. Definhar de saudade.
Esse fenômeno acontece com todos os seres humanos. E com Cristo, o Filho do Homem, não foi diferente. Mateus 27.46 nos revela um dos momentos mais intrigantes da vida de Jesus de Nazaré. O Verbo encarnado, um dos integrantes da Trindade Santa, o Deus vivo vira-se para o Pai e brada em alta voz: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni?”, que significa “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?”. Que coisa fascinante! Você já parou para pensar nisso? O Agnus Dei, o Cordeiro de Deus, estava ali cumprindo o sacrifício estabelecido desde antes da fundação do mundo, algo que Ele sabia há milênios que ocorreria, num ato de amor que levaria à salvação de uma enorme parcela da humanidade, que reconduziria o homem caído ao seu Criador. Era simplesmente o ponto mais elevado e sublime da História. Nada mais natural então do que Jesus exultar naquele momento de vitória, de triunfo sobre a morte, o pecado e o inferno. Mas… não. De modo impressionante, imprevisto e aparentemente incompreensível o Messias vira-se para o Pai e, em vez de gritar “Vencemos!!!!”, brada “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?”. Fascinante. Intrigante.
Eu durante muitos anos me perguntei o motivo de Jesus ter dito aquilo. Já ouvi milhões de explicações diferentes, já li livros que defendem teorias díspares, já escutei pregações esdrúxulas sobre o tema, já vi notas de pé de página de Bíblias de estudo tentando dar uma razão para esse fato. A justificativa que mais escutei, inclusive em seminário, é que naquele momento o Pai viu todos os pecados da humanidade concentrados sobre Aquele que estava na cruz e por isso não suportou olhar para o Filho, “virando o rosto” e, com isso, “abandonou” Jesus. Mas essa explicação nunca me convenceu, perdoem-me os que creem nisso. Como poderia o Pai abandonar o Filho no momento máximo da trajetória da existência? Como o Deus onipresente do Salmo 139, sobre o qual o salmista afirma “Se eu subir aos céus, lá estás; se eu fizer a minha cama na sepultura também lá estás. Se eu subir com as asas da alvorada e morar na extremidade do mar, mesmo ali a tua mão direita me guiará e me susterá” estaria ausente naquele momento?
Não, eu nunca me convenci. E isso sempre foi um mistério para mim – até agora.
Naquela conversa que tive com essa certa pessoa eu me lembrei da força do sentimento da saudade. Depois, mais tarde, passei um período em meditação e oração e uma teoria veio ao meu coração. Não é revelação, não é profecia, anjo nenhum me contou, não é uma epifania, não se trata de um pensamento revolucionário. É apenas uma ideia – que, finalmente, me convenceu. Fez sentido. Para mim, o que houve naquele momento é que Jesus sentiu tanta saudade do Pai que a sensação da presença da ausência lhe tocou tão fundo a ponto de fazê-lo sentir-se abandonado. Eu me sinto abandonado quando as pessoas que mais amo no mundo estão longe, não dão notícias, quando estou numa situação complicada e não tenho seus ombros para chorar e seus conselhos para me nortear. Saudades puras. Eu me sinto abandonado quando quero abraçar os que amo e não posso. Saudades. Eu me sinto abandonado quando centenas de quilômetros me separam daqueles que eu gostaria de beijar, tocar, conversar, caminhar ao lado, sentir o perfume, tomar café junto, ir ao cinema, segurar a mão ou simplesmente apreciar o sorriso vendo face a face. Pura e simples saudade.
Então o que por um segundo ocupou o olhar daquela pessoa com quem conversei há alguns dias consegui na minha imaginação enxergar também nos olhos de Cristo na cruz: a tristeza da saudade. Depois, em minhas orações e meditações, procurei me pôr um instante no lugar do Cordeiro: crucificado, nu, humilhado, desglorificado, tratado como opróbio, solitário. E imaginei seu sentimento naquele instante. Eu, em seu lugar, teria dito ao Pai: “Meu Deus! Meu Deus! Que saudades enormes de ti!“. Acredito que foi isso o que Jesus disse, mas com suas próprias palavras.
Saudade. Ah, que sentimento fascinante…
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Zágari encreve no APENAS 1
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