Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A Igreja precisa manter-se simples



E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. 43 Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. 44 Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. 45 Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. 46 Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, 47 louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos. Atos 2.42-47

Ao afirmarmos que a Igreja mantinha-se simples não estamos dizendo que a igreja primitiva era uma igreja pobre, ou uma igreja não sofisticada, mas uma igreja que vivia em conformidade com a essência da fé cristã. Note que existem seis declarações nesse versículo que expressam as atividades da Igreja Primitiva:

Doutrina dos Apóstolos

O primeiro ponto a ser ressaltado é a Doutrina dos Apóstolos. O que Lucas quer dizer com “perseveravam na doutrina dos apóstolos” é que a Igreja Primitiva mantinha-se firmada na instrução dos apóstolos. A idéia expressa pelo verbete “perseverar” é dar constante atenção a alguma coisa. Ou seja, a Igreja Primitiva mantinha-se constantemente alicerçada pelo ensino apostólico.

É importante ressaltar que até este ponto da história a doutrina da igreja primitiva podia ser resumida pelo v.36 do mesmo capítulo: “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo”. Contudo, é digno de nota que todos os apóstolos tinham sido instruídos por Cristo, e por certo podiam repassar aquilo que haviam aprendido. Aliás, a expressão grega referente a “doutrina dos apóstolos” sugere que tal instrução seja procedente dos apóstolos. Ou seja, o ensino da igreja é mantido por aqueles que tem autoridade e capacidade para tal tarefa.

Comunhão

Lucas não poderia estar equivocado quando utilizou o vocábulo “comunhão” quando se referiu à Igreja Primitiva. A descrição subseqüente, esplanada no tópico sobre unidade da igreja, expõe de forma muito clara as considerações dessa igreja. Assim, deve-se ressaltar que os primeiros cristãos “eram perseverantes (…) na comunhão”. E como foi anteriormente ressaltado, isso implica em dizer que eles eram fundamentados na experiência comum do corpo. Assim, como os outros pontos ressaltados por Lucas, a comunhão era essência da vitalidade da Igreja.

Partir do Pão

A expressão “partir do pão” não diz respeito a uma refeição típica da época, e que os cristãos mantinham-se comendo apenas pão, mas a expressão diz respeito à prática da Ceia do Senhor. O termo grego equivalente a partir em português é apenas utilizado no NT em referência à ceia. Alias. É digno de nota que o termo (the klasei tou artou) é apenas utilizado duas vezes no NT, ambas feitas por Lucas, e é de uso restrito à ceia. O uso da expressão é quase que um pleonasmo, visto que klasei (partir) só é aplicado a artou (pão). Segue-se que, com absoluta certeza, a igreja primitiva mantinha-se firmada constantemente no memorial da morte de Cristo.

Orações

As orações tinham um papel fundamental na vida da Igreja Primitiva. Isso pode ser claramente percebido pelo relado deixado por Lucas, que diversas vezes considera as orações dos primeiros cristãos. Em Atos podemos ver que a oração foi a atitude dos cristãos diante das decisões a serem tomadas (1.14), a atitude da liderança da igreja em situação de crescimento (6.4) e a prática da igreja quando estava em situação de perigo e perseguição (12.5).

Louvor

Esta é uma das poucas referências encontradas em Atos que descreve essa atitude dos cristãos. Isso, no entanto, não quer dizer que os primeiros cristãos não adoravam a Deus, mas que suas reuniões estavam mais voltadas para a instrução, a oração e a comunhão. Contudo, devemos notar que todos os outros fatos ocorriam enquanto os cristãos louvavam a Deus . Ou seja, embora sejam poucas as referências era uma atividade que estava intimamente ligada a expressão de adoração da igreja. Entretanto, não podemos afirmar com certeza se isso acontecia por meio da música, embora possa ser muito bem expressa por ela.

Evangelismo

No mesmo versículo podemos perceber, ainda que um pouco escondido, a atividade evangelizadora da Igreja Primitiva. Note: “e dia-a-dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos”. Por mais que a atividade esteja centralizada na atividade divina na salvação, sabe-se que “aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação” (1Co.1.21). Portanto, não se pode negar que o evangelismo era parte integral da vida da igreja primitiva, sendo que isto acontecia diariamente. Segue-se, então, que a proclamação da verdade, o kerigma na Igreja Primitiva era parte essencial da vitalidade da Igreja de Cristo, assim como todos os elementos já mencionados.

A conclusão que devemos chegar aqui é que estes quatro elementos são essenciais na prática e na experiência da Igreja de Cristo. Portanto, a igreja local que não viabiliza a execução desses pontos não pode ser considerada uma igreja saudável.

Fonte: [ NAPEC - Apologética Cristã ]
Via: [ Ministério Batista Beréia ]

O que torna possível a reforma de uma Igreja?

Por John Folmar

Plantar igrejas parece ser a obra mais importante em nossos dias. Mas eu diria que revitalizar igrejas existentes é, igualmente, importante para a causa do reino. De fato, revitalizar igrejas não saudáveis nos permite obter duas coisas como resultado de uma única obra. Não somente estabelecemos uma igreja reformada e vibrante para o evangelho, mas também eliminamos o testemunho medíocre que havia antes.

Igrejas doentes são, como Mark Dever o afirmou, "forças antimissionárias terrivelmente eficazes". Elas anunciam à comunidade: isto é o cristianismo! O cristão é assim! Esses falsos anúncios difamam o evangelho e, na realidade, impedem a evangelização nas áreas adjacentes. Mas, quando uma igreja é transformada, o evangelho prospera enquanto a comunidade é confrontada com um genuíno testemunho coletivo a favor de Cristo.

Já testemunhei duas reviravoltas em igrejas: uma em Louisville (Kentucky) e a outra em Dubai (Emirados Árabes). Em ambos os casos, as igrejas foram completamente transformadas, desde a pregação até a adoração coletiva, a cultura da igreja e ao impacto evangelístico na vizinhança. Em ambas as reviravoltas, ainda que eu não possa reivindicar crédito por nenhuma delas, desfrutei do privilégio de ver pessoalmente a mudança radical de uma igreja.

O que tornou estas reforma de igreja possíveis?

Pregação

A forca impulsionadora que está por trás de qualquer reforma verdadeira será a Palavra de Deus. À medida que a Palavra manifesta seu poder em uma congregação, ela amolece o solo endurecido e produz mudança espiritual. Em Dubai, havia membros fiéis que trabalharam por anos, mas obtiveram poucos resultados. Não eram nutridos consistentemente por sermões semanais. Tentativas ousadas foram feitas para fortalecer a congregação, mas faltava algo. No entanto, quando a pregação se tornou consistentemente expositiva e centrada no evangelho, foi como se alguém jogasse um fósforo acesso em gasolina. O ministério se multiplicou. Quando a igreja começou a mudar, um membro antigo comparou a pregação com um fogo de artilharia semanal. O bater constante da Palavra amoleceu a oposição e abriu caminhos para que um ministério mais frutífero acontecesse em todo o corpo de membros.

O púlpito tem de liderar um esforço de reforma de uma igreja. E isso implica em pregação expositiva com ênfase no evangelho e aplicação criteriosa à vida da igreja, especialmente àquelas áreas que precisam de mudança. Se o púlpito não estiver firmemente por trás deste esforço, os reformadores talvez estejam desperdiçando seu tempo. É melhor mudar para um lugar onde a Palavra já está sendo pregada corretamente e perceber como aquele ministério pode ser apoiado.

Providência

Igrejas moribundas serão vivificadas somente se Deus estiver em ação ali. Anos atrás, em Louisville, uni-me a uma igreja velha cujo ministério definhava por várias razões. Pessoas velhas predominavam na igreja, muitas delas ministrando com fidelidade, mas sem liderança pastoral. Os mais novos tinham desertado da igreja havia muito tempo; e eu podia entender o motivo. Além da lealdade familiar, poucas coisas os mantinham ali. A pregação consistia principalmente de histórias rústicas sem qualquer exposição bíblica séria. A igreja era mais norteada pela cultura do que pela teologia. E a cultura contemporânea se mudara para lá.

Na providencia de Deus, havia outra igreja nas proximidades (uma igreja que se reunia numa escola). Nesta o evangelho era proclamado com clareza. Esta igreja mais nova tinha vida, energia e sã doutrina, mas não tinha raízes na comunidade, nem prédios. A solução óbvia era unir as duas congregações. Inicialmente, a ideia de unir as duas igrejas foi rejeitada pela igreja mais velha e necessitada. Eles eram muito diferentes na teologia, na música, na cultura e em outros aspectos. Mas Deus começou a remover soberanamente os oponentes da união e mudou aos poucos o coração das pessoas, para que a nova igreja surgisse. Como noite e dia – de oposição rígida para aprovação quase unânime da congregação –, em sua providência Deus cuidou para que uma nova obra começasse ali, em Louisville, uma igreja que continua vibrante e unida até hoje.

Há muitas forças dispostas contra a reviravolta de uma igreja local, que nunca acontecerá se Deus não a fizer acontecer. O cuidado providencial de Deus é essencial à reforma da igreja; é por isso que a oração é crucial.

Companheirismo

Procure não fazer isto sozinho. A reforma da igreja pode ser desgastante, ingrata e desencorajadora. O tempo para isso não é medido em meses, e sim em anos. E uma reforma espiritual profunda não é rápida. Deus usa os meios comuns de graça para dar crescimento e mudar seu povo. Igrejas melindrosas podem se tornar impacientes; e, em tempos difíceis, é bom ter amigos.

Quando comecei a pastorear em Dubai, havia um presbítero que pensava como eu e me encorajou bastante quando os tempos se tornaram árduos. Ele era perito em identificar evidências de graça, mesmo quando eu prosseguia com dificuldade em meio aos meus erros pastorais e às interrupções inevitáveis que acompanham a reforma da igreja. Quando elementos cruciais da reforma estavam em perigo, ele estava lá para dar ajuda na hora certa. Se possível, compartilhe com outros antes de atirar-se impetuosamente numa situação de reforma. Não vá sozinho.

Valorize o identificar homens que respondem ao ministério e integre sua vida à deles. Considere isto uma prioridade fundamental: treinar homens da congregação que um dia serão presbíteros e companheiros no ministério.

Paciência

Quantos pastores já foram demitidos porque introduziram mudanças antes que a igreja estivesse pronta? Quantos esforços de reforma já estiveram em perigo por conta da impaciência dos líderes que, talvez, sabiam a coisa certa a fazer, mas falharam em gastar tempo ensinando, orando e servindo as pessoas, para que ganhassem sua confiança e as convencessem dos pontos que necessitavam de reforma? Lembre a exortação de Paulo a Timóteo: "Corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina" (2 Tm 4.2). Somente porque você sabe quais são os problemas, isso não significa que eles devem ser resolvidos imediatamente.

Quando comecei a pastorear em Dubai, alguém me lembrou proveitosamente que a igreja não era "minha". Em outras palavras, as pessoas que estavam ali e seu estado de maturidade espiritual eram o fruto do ministério de outro pastor, e não de meu próprio ministério. Eu não podia chegar e esperar que a igreja adotasse imediatamente as minhas opiniões sobre a vida da igreja e o ministério. Isto me deixou livre para servir com alegria as pessoas que nem sempre compartilhavam de minhas convicções sobre a Bíblia ou sobre o ministério. Mas, depois de poucos anos, o quadro começou a mudar.

Adote uma perspectiva de longo prazo no que diz respeito à reforma da igreja. Ajuda-nos ter um horizonte de tempo de dez a vinte anos. Com uma perspectiva de longo prazo, podemos priorizar mais pacientemente as áreas da vida da igreja que necessitam de mudança. Podemos agir mais alegremente em um ambiente de ministério imperfeito quando pedimos às pessoas que tolerem as nossas fraquezas pessoais.

No entanto, existem duas coisas que um pastor pode mudar de imediato, ao chegar em uma nova igreja: a pregação e a recepção de membros na igreja. Num dia, você pode exaltar a autoridade das Escrituras pela maneira como você prega, extraindo os pontos explicitamente do próprio texto bíblico e mostrando que você se rege por ele. Segundo, você pode começar imediatamente a fazer entrevistas com os novos membros, quando eles chegam. Desta maneira, você pode:
- Assegurar-se, no melhor de sua habilidade, de que eles são crentes genuínos;
- Assegurar-se de que eles podem articular o evangelho;
- Definir suas expectativas quanto ao membros da igreja;
- Começar a estabelecer um relacionamento pastoral com os novos membros que estão chegando, um relacionamento que no decorrer do tempo afetará a complexão da igreja como um todo.
Poucas coisas são melhores do que ver pessoalmente uma reforma na igreja

Em conclusão, há poucas coisas que são melhores do que ver uma mudança na igreja, de igreja fraca e irrelevante para igreja vibrante e bíblica. A única maneira como isso pode ocorrer é pela pregação correta da Palavra de Deus. Contudo, alguns esforços de reforma fracassam apesar da fidelidade no púlpito; o Senhor tem de estar em ação para mudar o rumo das coisas. É provável que você seja bem sucedido a longo prazo se tiver alguns irmãos que labutam com você na obra. No entanto, mesmo com todas essas coisas, você tem de adotar a abordagem de longo prazo para a reforma da igreja. "Sede, pois, irmãos, pacientes, até à vinda do Senhor. Eis que o lavrador aguarda com paciência o precioso fruto da terra, até receber as primeiras e as últimas chuvas. Sede vós também pacientes e fortalecei o vosso coração, pois a vinda do Senhor está próxima" (Tg 5.7-8).

Traduzido por: Wellington Ferreira.
Editor: Tiago J. Santos Filho.
Traduzido do original em inglês: What Makes a Church Reform Possible?. Com permissão do ministério 9Marks.
Fonte: [ Editora Fiel ]

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A Confissão Positiva [1]


Por Roger Smalling
Todas as forças naturais e todas as circunstâncias da nossa vida são controladas por nossa língua![2] Quando falamos positivamente, uma grande força espiritual gera-se dentro de nós, e esta muda ao mundo que nos rodeia.[3] As situações mais difíceis podem ser mudadas por nossa língua. Se prosperam os malvados, é porque nós os cristãos temos declarado que seja assim. Inclusive a salvação das almas depende da nossa confissão positiva. Ao não crer, poderíamos estar jogando uma maldição a alguém, se declaramos que esse alguém está a ponto de escorregar e, quando o faz, seria o resultado de nossa maldição, mas não profecia.[4]

Tais anunciações são mediante representativos das doutrinas da Palavra de Fé[5], sobre a confissão com nossa boca. Ainda que pareçam tremendamente extremas, ainda há mais; por exemplo, Charles Capps atribuiu o nascimento virginal de Cristo a uma declaração positiva de Maria. Ela recebeu a palavra do anjo em seu espírito e logo esta se manifestou em seu ventre.[6]

Tanto Copeland como Capps nos dizem que Satanás nos programou insidiosamente para que, desde jovens, falemos palavras perversas e de morte. Devemos eliminá-las de nosso vocabulário já que “elas colocam em movimento a chama ardente das forças espirituais negativas”.

Quais são estas palavras tão horrorosas que Satanás nos ensinou a pronunciar? Por exemplo: “Morro por tal coisa...,” “Morria de tanto rir,” “Tal coisa me matou de tanto rir” e outras expressões similares. Segundo Copeland, são... Discursos perversos! Palavras de morte! Contrárias à Palavra de Deus![7]

Cristo esclarece que tudo o que fazemos em nossos ministérios, especialmente aquilo que é miraculoso, deve ser precedido por uma absoluta dependência de Deus. A iniciativa deve ser de Deus e não temos nós o direito de soltar a língua como nos agrade.
Se tivéssemos fundamento para suspeitar que estes homens somente estão exagerando, poderíamos ignorar seus ensinamentos. Mas há igrejas, algumas grandes, dedicadas a ensinar estas doutrinas.

Para defender suas ideias, os líderes do movimento baseia-se nos seguintes textos:

“Ao que Jesus lhes disse: Tende fé em Deus; porque em verdade vos afirmo que, se alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele. Por isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim convosco”. Marcos 11. 22-24

O princípio fundamental da fé está expresso no último versículo. Devemos crer que Deus já respondeu nossa petição antes de que a formulemos. Esta é a base para uma declaração positiva de nossa fé na vontade de Deus, tanto para escutarmos como para respondermos.

A confissão positiva é certamente melhor que a negativa. Mas sem uma base bíblica sólida, pode levar a uma visão errada da realidade. A passagem mencionada nunca significou um cheque em branco para qualquer coisa que desejemos ou digamos. É mais um padrão básico de fé que pode ser exercitada quando o Senhor nos dá uma promessa pessoal.

Há que observar que o texto começa com a frase “Tende fé em Deus”. O grego original é: exete pistin theou, que literalmente se lê como “ter fé de Deus”. Isto se conhece gramaticalmente como um genitivo absoluto e somente significa “tende fé em Deus”. Assim se traduz corretamente em todas as versões modernas.
Cristo nos esclarece que tudo o que fazemos no ministério deve estar precedido por uma absoluta dependência de Deus. A iniciativa deve ser dEle, e nós não temos o direito de fazer o que nos agrada. O texto na verdade não se refere ao uso de um princípio místico de fé, do qual Deus mesmo depende.

No contexto do capítulo, Jesus amaldiçoou a figueira e esta secou. Pedro, sempre curioso, ressalta isto no versículo 21: “Mestre, eis que a figueira que amaldiçoaste secou”, como quisesse dizer: “Como pudeste fazer isso?”. Os versículos que se seguem, então, são meras explicações de como o fez: “Primeiro, Pedro, tens que estar operando NO Espírito, e não ser impulsivo. Deves identificar qual seja a vontade do Pai, e ao conhecê-la atuar em fé”.

É claro que Jesus não usa estas palavras, mas uma análise cuidadosa do texto e outras passagens relacionadas, nos revelam que essa é a intenção do texto.

Existe uma grande diferença entre o exercício ordinário da fé em nossas vidas e o dom especifico da fé, que recebemos por revelação direta de Deus. Este último se confirma em 1 Co 12.9 como um dom sobrenatural. Em tal contexto, nota-se que não é para todos e nem em todos os casos. Paulo diz: “... a outro, fé pelo mesmo Espírito...”.

Murchar as figueiras e mover as montanhas não são coisas de todos os dias na vida do crente. Por sua natureza excepcional requer um dom sobrenatural de fé divina. Conseguir compreender tudo isto nos guiará a uma posição equilibrada sobre a fé e a confissão positiva consequente. Marcos 11.24 não é um texto que prove que temos o direito de obter qualquer coisa que desejemos. O exercício de nossa fé baseia-se na vontade de Deus declarada previamente. Podemos ter o que seja que declaremos... Deus o disse primeiro.

Tiago, capítulo 3
Os proponentes da super-fé, usualmente usam este capítulo como apoio do seu ponto de vista, segundo o qual as circunstâncias que rodeiam a existência humana são determinadas pelas confissões negativas ou positivas.

O versículo 6 é um texto favorito da Palavra de Fé, já que se refere à língua como capaz de acender fogo à “roda da criação”. No entanto, o contexto deste capítulo, combinado com a análise do texto grego, nos leva a concluir que Tiago se referia a algo diferente de uma manipulação da realidade através da língua.

A frase “roda da criação” é ton trochon tes geneseos em grego e é de difícil tradução. Trochon literamente significa “roda”, egeneseos origem, fonte, nascimento, existência, vida. No Dicionário Expositivo Vine descreve-se a esta roda que acende fogo desde seu eixo interno e o manda para fora, justamente como o dano que causa a língua.

Tiago refere-se simplesmente a influência que tem nossa língua no marco de nossas relações humanas. Diz: "Com ela abençoamos ao Deus e Pai, e com ela amaldiçoamos aos homens, que são feitos à semelhança de Deus". Está acaso referindo-se ao controle das forças naturais, nossa saúde ou finanças mediante nossa língua? Claro que não! Tiago refere-se a nossas relações, já que se falamos mal das pessoas que nos rodeiam, isto naturalmente afetará o curso da nossa vida, nos encheremos de inimigos.

Nossa fofoca destruirá a outros e a nós mesmos. Usar este capítulo 3 de Tiago para provar que todas as circunstâncias de nossa existência são controladas pelas palavras que proferimos, em qualquer sentido mais além de nossas próprias relações humanas, é — sem dúvida — violentar o texto.

Estás preso com as palavras da tua boca. Provérbios 6.2.
Citar este texto como uma advertência contra a declaração negativa é tomá-lo fora do seu contexto. Não refere-se a nenhum tipo de confissão positiva ou negativa, se não que adverte a evitar ser garantia nas dívidas contraída por amigos. O texto completo é: "Filho meu, se ficaste por fiador do teu companheiro e se te empenhaste ao estranho, estás enredado com o que dizem os teus lábios, estás preso com as palavras da tua boca".

E, sobre a palavra “confissão” na Bíblia? Alguns mestres do movimento assinalam que este termo em grego é homologia, que se compõe de homo, igual – logeo, falar. Consequentemente, segundo eles, significaria “falar a mesma coisa”. Quer dizer, se falamos “a mesma coisa que Deus”, obteremos o resultado desejado.

Incorreto. Na era pré-cristã, a palavra tinha esse significado, mas na época em que o Novo Testamento foi escrito, o significado que tem é “professar fé em algo ou alguém”. Das quarentas vezes usadas no Novo Testamento (na forma mencionada e na maneira enfática exhomologeonai o verbo homologeo), em nenhuma delas há apoio ao ponto de vista de que as palavras de nossa boca tenham algum poder criador. Observem alguns usos do Novo Testamento:

Profissão de Fé
Nos mestres falsos, Tito 1.16; em Cristo, Lucas 12.8; dos fariseus nos anjos e na ressurreição, Atos 23.8; os espíritos admitindo ou negando a Deidade de Cristo, 1 João 4.3.

Confissão do pecado
Dos feiticeiros convertidos em Éfeso e declarando publicamente suas obras, Atos 19.18; dos cristãos confessando seus pecados a Deus, 1 João 1.9; dos crentes confessando suas culpas uns aos outros, Tiago 5.16.

Promessa a alguém
Judas prometendo trair a Cristo, Lucas 22.6.

Ação de graças
De Jesus ao Pai (Lucas 10: 21).
Não existe nenhuma só pista na Bíblia que apóie o uso da palavra “confissão”, no uso que atribuem os mestres da declaração positiva.

Dois problemas graves:
Além da errônea aplicação das Escrituras, existem dois problemas graves no ensino da doutrina positiva:

A. Ênfase excessiva
As epístolas foram expressamente escritas para instruir aos crentes sobre como viver de forma vitoriosa, mas de forma alguma se vê aquele tipo de ênfase dado neste movimento. Ademais, às vezes encontram algumas declarações supostamente negativas pronunciadas pelo mesmo apóstolo Paulo:

... contudo, Satanás nos barrou o caminho (I Tessalonicenses 2.18).

Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens (I Coríntios 4.9).

Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa (I Coríntios 4. 11).

Aos que levam o ministério de Deus com responsabilidade, não ensinam ao seu rebanho que podem desatar forças espirituais negativas, somente com pronunciar certas palavras ou frases comuns. Os apóstolos não viram que a realidade dos fatos poderiam ser uma declaração negativa, nem tiveram temor de expressá-lo. Este tipo de temor não provém de uma fé bem sustentada, ao contrário, manifesta uma falta de fé.

B. Generalização de casos particulares
Dos dois problemas apontados, este é o mais grave, pois é aqui onde se machucam as pessoas. Como temos estudado, os mestres da Palavra da Fé consideram a prosperidade e a saúde do crente como verdade absoluta: Todo cristão, sem exceção, deve estar e ser saudável e próspero ao momento presente, já que Deus declarou que assim é Sua Vontade, segundo eles. Portanto, não se considera necessário orar ou pedir revelação sobre estes dois aspectos.

Quando vermos que esta premissa da Palavra da Fé é insustentável, compreenderemos quão perigoso é lançar-se a uma fé assim, sem sustentar-se na vontade de Deus primeiramente. Os que procedem dessa forma encontram-se com certeza em problemas e dores.

Existe uma armadilha muito sutil neste aspecto. Suponhamos que a vontade de Deus é que o Sr. Fulano prospere, mas não busca a vontade de Deus primeiramente. Lança-se à fé, seguindo as fórmulas dos livros. Os resultados? Voilá! Funciona! Então Fulano assume que tudo funcionou porque os mestres da Palavra de Fé são verdadeiros, ensinando verdades absolutas que todos podem chegar a experimentar. Fulano não considera que a vontade de Deus para sua vida se cumpriu nele, de maneira pessoal, não universal.

Agora suponhamos que João proclame estas boas notícias a um irmão da igreja, e este lança-se de igual maneira que João, mas para ele tudo termina em frustração e fracasso. Então, este irmão culpa a Deus, perde a fé e entra em uma crise emocional. Se houvesse buscado primeiramente a vontade de Deus, poderia escutar algo como: “Não, filho, isso não é para ti, essa foi minha vontade para fulano, eu tenho algo melhor para ti. Quero que me sirvas na Índia e, se fores fiel, te considerarei digno de sofrer por amor ao meu nome, e inclusive que teu sangue seja sangue de mártir”.

Poderíamos considerar a algum deles superior ao outro, se ambos encontram a vontade de Deus em suas vidas?

Os crentes devem reconhecer a soberania de Deus
As Assembléias de Deus, a maior denominação pentecostal do mundo, denuncia o ensinamento da Palavra da Fé sobre a confissão positiva com estas palavras:

Fazer finca-pé na confissão positiva tem a tendência de incluir frases que parecem indicar que o homem é soberano e Deus seu servo. Estas frases que exigem Deus atuar, implicam que Ele entregou sua soberania; que não está na capacidade de atuar de acordo com sua sabedoria e propósito. Faz-se referência a que a verdadeira prosperidade consiste em usar o poder e a capacidade de Deus para satisfazer necessidades, quaisquer que estas sejam. Assim, posiciona-se o homem usando a Deus, em lugar de o homem render-se e ser usado por Deus.[8]

Uma manifestação insólita de Kenneth Copeland
Até esta data, a manifestação mais insólita que escutei dos mestres do movimento sobre a confissão positiva, proveio de Copeland durante um programa televisado na cadeia TBN, no dia 12 de Novembro de 1985.

Depois de humildemente pedir a Deus permissão para manifestar esta “verdade”, Copeland virou-se para Paul Crouch, o anfitrião, e lhe fez esta pergunta: “Você sabe quem é o maior fracassado da Bíblia?”. Crouch ficou perplexo, sem responder, assim Copeland lhe informou. “O maior fracassado da Bíblia é Deus!”

Copeland explicou que Deus era incapaz de impedir que suas criaturas se rebelassem contra Ele. Deus era realmente surpreendido por suas criaturas, mas não entrava em pânico nem fazia confissões negativas, porque Ele sabia que fazer tais confissões, o fariam ver como um fracassado.

Então Deus, explicou Copeland, buscou uma solução. Orar não seria a solução porque não havia a quem pedir. Jejuar também não, porque Deus não come. Então lhe ocorreu uma solução: A semente da fé! Sim! Deus plantaria uma semente porque sabia que a lei da semente da fé sempre funciona. Qual foi essa semente que Deus plantou? Seu filho Jesus, é claro. Onde a plantou? No inferno para que sofresse pelos pecados. Jesus esteve no inferno como um pecador condenado em nosso lugar.

No que diz respeito a Deus, Jesus já não existia. A única esperança que Deus tinha era a lei da semeadura e da colheita combinada com sua confissão positiva. Deus sabia que isso sempre trás resultado. Portanto, quando Jesus — que estava no inferno sofrendo como um pecador condenado — nasceu de novo pelo Espírito, três dias depois saiu com poder. Resultado: Deus não somente obteve seu filho de volta, como também conseguiu muitos mais filhos.

Sim, explicou Copeland, Deus teve fé. Ele sabia que a lei da semente da fé sempre funciona. Os aplausos e vivas que Copeland recebeu da audiência cristã, incluindo a Paul Crouch, por esta revelação, foram ensurdecedores.

Neste capítulo aprendemos que...
- O movimento da fé pratica o ocultismo por meio de um conceito distorcido da confissão positiva.

- Na teoria ocultista, a mente controla a realidade. As palavras têm um poder próprio e permitem transferir imagens mentais à realidade.
De acordo com o ensinamento da Palavra da Fé, o cristão deve visualizar o que quer obter, para logo criá-lo com sua palavra e sua confissão positiva.

- O termo “confissão” tem somente dois significados na Bíblia: Professar a crença em uma verdade ou admitir a culpa. Nunca se refere a um poder próprio da palavra.
Dr. Roger Smalling é pastor presbiteriano, Mestre em Teologia (USA), diretor e fundador da Visión R.E.A.L
Notas:
[1]Quinto capítulo do Livro THE PROSPERITY MOVEMENT: Wounded Charismatics por Rev. Roger L. Smalling, D. Min. http://smallings.com/LitEng/litEnglish.html
[2]Copeland, Kenneth, The Power of the Tongue (O Poder da Lingua), Copeland Publications, 1996, p.19.
[3]Copeland, Kenneth, The Laws of Prosperity (As Leis da Prosperidade), Copeland Publications, 1974, p. 98.
[4]Copeland, Kenneth, The Power of the Tongue (O Poder da Lingua), Copeland Publications, 1996, p.19.
[5]Dentre os ensinos deste movimento está a Confissão Positiva. A confissão positiva não é uma denominação nem uma seita, mas um movimento no seio das igrejas pentecostais e neo-pentecostais que enfatiza o poder do crente em adquirir tudo o que quiser. Seu surgimento foi gradual, a partir de Essek William Kenyon (1867-1948). Uns são unicistas, outros deificam o homem, há ainda os que pregam um Jesus exótico, estranho ao Novo Testamento, e se caracterizam por pregarem saúde e prosperidade como instrumento aferidor da vida espiritual do cristão. Suas fontes de autoridade são a Bíblia, as revelações de seus líderes e a palavra da fé (NE).
[6]Capps, Charles, The Tongue as a Creative Force (A Língua , uma Força Criativa), Harrison House, 1977, p. 81.
[7]Copeland, Kenneth, The Laws of Prosperity, Copeland Publications, 1974, p. 98. Capps, Charles, Success Motivation, Harrison House, 1982, p. 26.
[8]O crente e a confissão positiva, Declaração oficial das Assembléias de Deus, reunião do Presbitério Geral (EUA), agosto, 1980. Veja: http://ag.org/ top/beliefs/ position_ papers/ 4183_confession.cfm

Fonte: [ Projeto Os Puritanos ].

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Usos e Costumes: Doutrinas de Deus ou dos Homens?



Thiago Lima Barros

A questão do comportamento cristão sofre um debate sem paralelo nos últimos duzentos e cinquenta anos. Nesse período, surgiram interpretações sem precedentes anteriores, que terminaram por se tornar majoritárias, ao mesmo tempo em que buscavam justificativas para seus entendimentos ao longo das Sagradas Escrituras. Refiro-me às chamadas doutrinas de usos e costumes, muito em voga principalmente no meio pentecostal histórico, do qual constituem um traço cultural bastante arraigado.

A cerveja do pai da reforma.
Até meados do século XVIII, questões como vestuário, uso do álcool, acesso à informação e à arte seculares, dentre outras, eram desconhecidas da igreja cristã. Mesmo porque o padrão de indumentária europeu era uniforme, as restrições à leitura se restringiam ao Index romanista.

Lutero fabricava sua própria cerveja (na verdade não ele, mas sua esposa Catarina), e Calvino recebia, como parte de seu salário anual em Genebra, sete tonéis de vinho. A igreja era doutrinada a usufruir de tudo com moderação, como produto da Graça de Deus, e não se deixar dominar por nenhuma delas.

Calvino é marca de cerveja européia.
Todavia, o início do movimento metodista nas Ilhas Britânicas veio acompanhado de uma reversão de tendência quanto a esses assuntos, a começar pela questão das bebidas alcoólicas. À época, com o advento da Revolução Industrial, as cidades não oferecem infraestrutura suficiente para atender às demandas da população que aflui do campo para trabalhar na indústria nascente, o que inclui a oferta de água potável. Bebidas destiladas e fermentadas passam a substituir a água. Porém, o ambiente de pobreza extrema em que viviam os operários propicia os excessos no uso de bebidas. A embriaguez se torna uma constante, e se transforma num problema social.

John Wesley foi o primeiro a se insurgir contra os excessos do álcool entre os crentes, e foi o primeiro a articular um movimento de proibição do seu uso. Em seus sermões, Wesley reprovava o uso não-medicinal de bebidas destiladas, como conhaque e uísque, e dizia que muitos destiladores que vendiam seus produtos indiscriminadamente não eram nada mais do que “envenenadores e assassinos amaldiçoados por Deus”. Porém, os Artigos de Religião de Wesley, adotados pela Igreja Metodista Episcopal nos Estados Unidos em 1784, admitiam em seu Artigo XVIII que o vinho é para ser usado na Ceia do Senhor, e preceituavam, no Artigo XIX, que ele deveria ser ministrado a todas as pessoas, e não apenas aos clérigos. Da mesma forma, as recomendações para pregadores metodistas indicam que eles deveriam escolher água como bebida comum e usar o vinho apenas como medicamento ou na Ceia.


 O Movimento de Temperança


J. Wesley, o precursor do movimento anti-alcool.
 No entanto, o pensamento metodista acerca do assunto era compartilhado por poucas pessoas, até a publicação de um folheto de autoria do médico Benjamin Rush, um dos signatários da Declaração de Independência norte-americana, que deblaterou contra o uso de “espíritos ardentes” (álcool destilado), introduziu a noção de vício e prescreveu a abstinência como única cura.

Apesar da adesão de alguns pregadores proeminentes, o movimento perdeu força durante a Guerra de Secessão, para mais tarde ressurgir por meio da União Feminina pela Temperança Cristã, e foi tão bem sucedido na realização dos seus objetivos que Catherine Booth, esposa do fundador do Exército da Salvação William Booth, observou, em 1879, que quase todos os ministros cristãos estadunidenses haviam se tornado abstêmios. O movimento, liderado por feministas conservadoras como Frances Willard, conseguiu a aprovação de leis anti-álcool em vários estados, e atingiu o seu zênite político em 1919, com a promulgação da Décima Oitava Emenda à Constituição dos Estados Unidos (Lei Seca), que estabeleceu a proibição da venda e consumo de álcool no país inteiro, revogada mais tarde, em 1933, pela Vigésima Primeira Emenda.

Francis Willard ajudou a "secar" os E.U.A.
Inicialmente se opondo apenas ao álcool destilado, a mensagem do movimento de temperança foi mais tarde alterada para defender sua eliminação total, especialmente na Ceia do Senhor. Tal posicionamento foi em grande medida influenciado pelo Segundo Grande Despertar, que enfatizava a santidade pessoal e o perfeccionismo na práxis cristã.

Os efeitos jurídicos e sociais resultantes do movimento, como visto, atingiram seu pico no início do século 20 e começaram a declinar logo depois. Os efeitos sobre a prática da igreja foram principalmente um fenômeno do protestantismo americano. O Pentecostalismo e as Restrições Consuetudinárias – Porém, no ambiente pentecostal, que sofreu, como (e do) Movimento de Temperança um influxo filosófico bastante forte do Movimento de Santidade, (o qual, por sua vez, é resultado direto do Segundo Grande Despertar), o proibicionismo, longe de arrefecer, foi adotado como cláusula pétrea. Afinal, ainda não havia bases teológicas de fundo mais intelectual: tudo era mais voltado ao experiencialismo da glossolalia e da cura divina, o que enfatizava ainda mais a tese de separação artificial do mundo e de suas coisas.

Mais tarde, porém, mesmo com o aprimoramento teológico dos ministros pentecostais, as mudanças de postura foram poucas, e meramente pontuais, fora a tolerância com abusos na rigidez das regras, mormente em locais menos desenvolvidos economicamente. Logo, para além da proibição da ingestão de álcool, surgiriam outras questões nas quais a resposta era uma só: proibido.

Ademais, tanto o pentecostalismo como o neo-pentecostalismo, juntamente com metodistas e grupos afiliados ou decorrentes destes, são os únicos grupos que elevaram tais restrições ao status de doutrina; se não na teoria, pelo menos na prática diária. Os demais ramos da cristandade protestante rechaçam esse tipo de associação, muito embora tambem tenham cometido esse tipo de excesso ao longo da história. Basta ver, nesse ponto, o que sofreram dois músicos cristãos: o alemão Johann Sebastian Bach, que foi obrigado a conter sua criatividade diante do estilo simplório de música imposto pela corte do príncipe calvinista Leopoldo de Anhalt-Köthen; e o brasileiro Luiz de Carvalho, que era anatematizado nos meios batistas por tocar... Violão!

O principe os púlpitos - Spurgeon era fumador de charutos e virou marca. Um outro momento cultural.


Usos e costumes no pentecostalismo brasileiro 

Otto Nelson
É com os pentecostais, mormente da Assembleia de Deus, que o proibicionismo do Movimento de Temperança deita suas raízes no Brasil. De início, essa influência não se dá de forma institucional: o debate sobre questões relativas à inserção do pentecostal no mundo, ao contrario do que alguns líderes querem fazer parecer, era intenso e muitas vezes descambava para o rompimento pessoal entre os pastores divergentes. Nessa fase (de 1930 a 1975), o tratamento dessas questões era eminentemente personalista: cada pastor decide acerca das regras comportamentais a serem seguidas pelo rebanho, e muitos o fazem de forma radical.

Foi o caso do presbitério da AD de São Cristóvão (fundada por Gunnar Vingren em 1924), o qual, n’O Mensageiro da Paz da primeira quinzena de julho de 1946, em decisão unilateral datada do dia 4 de junho, sob a presidência do missionário sueco Otto Nelson, estabeleceu regramentos draconianos sobre o vestuário e cortes de cabelo femininos.

Samuel Nyströn
A dureza da Resolução de São Cristóvão, como passou a ser conhecida, aliada à evidente misoginia que a perpassava, não deixaram de ser notadas na 8ª Reunião da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, realizada em Recife em fins de outubro do mesmo ano. Os convencionais exigiram a retratação da congregação carioca. Quase no apagar das luzes da rodada de reuniões, o Presidente da CGADB, o tambem missionário sueco Samuel Nyströn, faz publicar um texto intitulado “Dando lugar à operação do espírito”, no qual rechaça o zelo jacobino da Resolução. Não por acaso, Nyströn abre o artigo com a citação do capítulo 4, versículo 6, do livro de Zacarias: “não por força, nem por violência, mas pelo meu Espírito diz o Senhor dos Exércitos”.

Com a refutação, veio a retratação da AD de São Cristóvão, em janeiro de 1947, e um silêncio de 16 anos acerca de questões consuetudinárias. Elas só voltam à baila em 1962, e de forma pontual. Essa tendência é revertida em 1975, com a publicação de uma resolução na 22ª reunião da CGADB, realizada em Santo André (SP), contendo oito restrições comportamentais, de observância obrigatória para os membros das AD’s. Eis a íntegra da mesma:

E ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo, e separai-vos dos povos, para serdes meus (Lv 20.26).

A Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, reunida na cidade de Santo André, Estado de São Paulo, reafirma o seu ponto de vista no tocante aos sadios princípios estabelecidos como doutrinas na Palavra de Deus - a Bíblia Sagrada - e conservados como costumes desde o início desta obra no Brasil. Imbuída sempre dos mais altos propósitos, ela, a Convenção Geral, deliberou pela votação unânime dos delegados das igrejas da mesma fé e ordem em nosso país, que as mesmas igrejas se abstenham do seguinte:

1. Uso de cabelos crescidos, pelos membros do sexo masculino; 
2. Uso de traje masculino, por parte dos membros ou congregados, do sexo feminino;
3. Uso de pinturas nos olhos, unhas e outros órgãos da face; 
4. Corte de cabelos, por parte das irmãs (membros ou congregados);
5. Sobrancelhas alteradas;
6. Uso de mini-saias e outras roupas contrárias ao bom testemunho da vida cristã;
7. Uso de aparelho de televisão – convindo abster-se, tendo em vista a má qualidade da maioria dos seus programas; abstenção essa que justifica, inclusive, por conduzir a eventuais problemas de saúde;
 8. Uso de bebidas alcoólicas.


Geziel Gomes
Um detalhe interessante: a resolução acima foi lida na Convenção pelo pastor Geziel Nunes Gomes, a pedido do presidente da CGADB à época, pr. Túlio Barros Ferreira, coincidentemente (ou não) responsável pela AD de São Cristóvão. Ambos se desfiliaram da AD anos mais tarde, aderindo às doutrinas heréticas da Confissão Positiva e do G-12.

Daí por diante, a tendência é de recrudescimento dessa postura até 1999, quando, por ocasião do 5º Encontro de Líderes da Assembleia de Deus (ELAD), ocorre uma espécie de aggiornamento assembleiano: sem abrir mão do positivismo exacerbado de Santo André, tenta-se contextualizar as exigências mais como recomendação do que como decálogo (ou octólogo) denominacional. Mas mesmo esse documento padece de um certo “complexo de Gabriela”, numa indisfarçável demonstração de soberba denominacional:

Quando afirmamos que temos as nossas tradições, não estamos com isso dizendo que os nossos usos e costumes tenham a mesma autoridade da Palavra de Deus, mas que são bons costumes que devem ser respeitados por questão de identidade de nossa igreja. Temos quase 90 anos, somos um povo que tem história, identidade definida, e acima de tudo, nossos costumes sãos saudáveis. Deus nos trouxe até aqui da maneira que nós somos e assim, cremos, que sem dúvida alguma ele nos levará até ao fim.

Conclusão 

Nas faculdades de Direito, estudamos que o costume é um dos vários meios de integração do ordenamento jurídico, utilizados em virtude do caráter genérico dos textos legais, que não raro apresentam lacunas. Ele deriva da prática reiterada de dado comportamento, devido à convicção sobre sua obrigatoriedade (a qual, se violada, acarretaria alguma sanção), e seu uso deve ser uniforme, constante, público e geral.

Túlio Barros
No entanto, a história dos avivamentos pelos quais a Igreja Cristã passou a partir do século XVIII, malgrado seus benefícios espirituais, teológicos, éticos e sociais, trouxe um grave efeito colateral para essa mesma Igreja: uma prática de usos e costumes nascida não da convicção do corpo iluminado pelo Espírito Santo, como deveria ser, mas do tacão dos líderes. Embora siga uma linha pentecostal clássica, seja neto de assembleianos por parte de pai e creia que a conduta cristã deva ser diferenciada da que é corrente no mundo, creio que essa jurisprudência deve ser escrita nas tábuas do coração, e não imposta de maneira bonapartista pela liderança, por mais bem-intencionada que esta seja.

Nenhum cristão realmente nascido de novo em Cristo, em sua saníssima consciência, vai defender a libertinagem, vestimentas indecorosas, embriaguez, enfim, uma postura de evidente mundanismo. Precisamos, de fato, ser santos como o Nosso Senhor o é. O problema é que, no afã de vivenciar essa santidade, houve um retorno inconsciente ao legalismo mosaico e aos seus rudimentos fracos, e o bebê foi jogado fora junto com a água do banho. Ou seja, a fruição dos bens dados pelo Senhor ao ser humano (quem lê, entenda) foi relegada, em alguns casos, a uma condição de conduta pecaminosa, mesmo que não ofenda as Escrituras em momento algum.

 Cuidados com o corpo e o vestuário são pecado? Jamais! Antes, evidenciam o cuidado que temos com o templo do Espírito Santo: nosso corpo. Sem extravagâncias, mas com elegância. E o vinho, não alegra o coração do homem (Sl. 104:15)? E, da mesma forma, a embriaguez é condenada (Pv. 20:1). Sem contar que o mau uso que se faz dos meios de comunicação não os torna invenções de Satanás. Afinal, se a televisão não podia sequer entrar nos lares dos crentes, como os herdeiros dos que contra ela verberavam hoje dela se valem? Enfim, os lineamentos para o usufruto das dádivas de Deus são explícitos na Bíblia: basta segui-los, pois todas as coisas nos são lícitas, mas não nos deixamos dominar por nenhuma delas (I Co. 6:12). Encerro rememorando o rasgo de sensatez que o Nosso Deus e Pai do Nosso Senhor Jesus Cristo bafejou no coração do pastor Samuel Nyströn, por ocasião do debate acerca da Resolução de São Cristóvão, no gracioso libelo “Dando lugar à operação do espírito”, orando ardentemente para que todos os cristãos, lideres principalmente, façam dessas palavras sua prática diuturna de vida:

Em qualquer tempo, lugar ou circunstância, devemos lembrar-nos que não se consegue fazer a obra do Senhor por força nem por meios violentos, resoluções ou imposições, mas a obra do Senhor se realiza pela intervenção criativa de Deus e pela lei do crescimento externo da obra do Senhor, mas igualmente quando se tratar do crescimento interno desta, tanto individual como coletivamente.

Mesmo durante a Dispensação da Lei, a Lei não conseguiu outra coisa senão descobrir e pôr o pecado em atividade, tendo como resultado a morte (...) enquanto a fé não tinha vindo, a Lei teve um alvo como pedagogo: conduzir homens a Cristo. Mas, tendo vindo a fé, não estamos mais debaixo do pedagogo (a Lei), e nem devemos fazer ressuscitar leis ou inventar outras leis para que não fiquemos no lugar dos gálatas, que foram chamados insensatos e a respeito dos quais Paulo temia que todo o seu trabalho se tornasse vão (...) Cristo veio com a graça e, então, a Dispensação da Lei se encerrou. Em lugar do mandamento prévio. que foi ab-rogado por sua fraqueza e inutilidade, pois 'a Lei nada fez perfeito', foi introduzida uma melhor esperança, pela qual nos chegamos a Deus: Cristo, que é nosso Sacerdote, segundo o poder de uma vida indissolúvel (...) Portanto, o que realmente tem valor para nós é ‘a fé que opera por amor’, por isso não nos justificamos pela Lei ou leis, para não sermos decaídos da graça e separados de Cristo (Gl 5.6).

As ordenanças para manifestar humildade e servidade com o corpo servem para satisfazer a carne, o erro, e elas com facilidade arranjam os que se julgam mais santos do que outros, e isto resulta em inchação vã e cria espírito de fariseu, que é o maior impedimento para as bênçãos de Deus.

Há muitos países e muitas formas de se trajar neste mundo, bem como muitos climas diferentes, e tudo isto deve ser considerado, mas como a Palavra de Deus diz: ‘com modéstia e sobriedade’. O que a Escritura ensina em relação a este assunto é que as mulheres devem ser castas e tementes a Deus, tanto as que são casadas como as moças (...) lembremo-nos também que há muitas outras coisas que são igualmente perigosas para a obra do Senhor, que só pelo Espírito Santo poderão ser removidas, como o amor ao dinheiro (...) o homem ostentado justiça própria, criticando tudo e todos, é um indivíduo perigoso para o avanço da unidade da obra do Senhor.






      Fontes:

  • Christian views on alcohol
  •  Woman's Christian Temperance Union
  •  FONSECA, André Dioney. São Cristóvão e Santo André: os debates sobre a normatização dos usos e costumes nas convenções gerais das Assembléias de Deus no Brasil (1930-1980) Juiz de Fora: Sacrilegens (Revista dos Alunos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião - UFJF), v. 6, nº 1, p.41-59. Tb. Disponível em http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2010/04/6-5.pdf


Leia Mais em: http://www.genizahvirtual.com/2012/02/usos-e-costumes-doutrinas-de-deus-ou.html#ixzz1n57ts1Jc
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