Isvonaldo sou Protestante

Isvonaldo sou Protestante

sábado, 8 de março de 2014


 

Por Frank Brito

Com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois não havia entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que vendiam e o depositavam aos pés dos apóstolos. E se repartia a qualquer um que tivesse necessidade”. (Atos 4:33-35)

Aqui somos informados que, entre os cristãos de Jerusalém, “todos os que possuíam terras ou casas” as vendiam, depositavam o valor “aos pés dos Apóstolos” e que estes, por sua vez, repartiam com os necessitados. Comunistas e socialistas frequentemente citam estes versos para justificar a abolição ou relativização do direito a propriedade privada. Como demonstraremos neste artigo, esta conclusão é absolutamente errada.

“Não estava o preço em teu poder?”

Mas um certo homem chamado Ananias, com Safira, sua mulher, vendeu uma propriedade, e reteve parte do preço, sabendo-o também sua mulher; e levando a outra parte, a depositou aos pés dos apóstolos. Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço do terreno? Enquanto o possuías, não era teu? E vendido, não estava o preço em teu poder? Como, pois, formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus. (Atos 5:1-4)

S. Pedro, por uma revelação extraordinária do Espírito, ficou sabendo que Ananias, marido de Safira, estava mentindo sobre a doação. Aqui é muito importante entender qual exatamente foi a crítica do Espírito, por meio do Apóstolo: “Não mentiste aos homens, mas a Deus. O pecado de Ananias, então, foi contra o nono mandamento, “Não dirás falso testemunho”. No contexto, “todos os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que vendiam e o depositavam aos pés dos apóstolos” (At 4:34). Ananias disse estar fazendo o mesmo, mas na realidade “reteve parte do preço” (At 5:2). E, segundo as claras palavras do Apóstolo Pedro, ele não tinha qualquer obrigação de doar nada: “Enquanto o possuías, não era teu? E vendido, não estava o preço em teu poder?” (At 5:4). Com estas palavras S. Pedro defende o direito a propriedade privada. Ele argumentou que Ananias não tinha qualquer necessidade de mentir porque antes de vender, aquela propriedade pertencia a ele depois de vender o valor da venda continuava estando sob seu poder. Ou seja, ele poderia simplesmente não vender e não doar, caso quisesse. Todavia, ele preferiu mentir sobre a doação, com o objetivo de ser glorificado e exaltado pelos homens. Safira, sua esposa, era cúmplice da mentira:

E perguntou-lhe Pedro: Dize-me vendestes por tanto aquele terreno? E ela respondeu: Sim, por tanto. Então Pedro lhe disse: Por que é que combinastes entre vós provar o Espírito do Senhor?” (Atos 5:8-9)

Sendo assim, não é verdade, como muitos comunistas e socialistas acreditam, que a Igreja Primitiva aboliu ou relativizou o direito a propriedade privada. Pelo contrário, o direito foi abertamente confirmado e defendido por S. Pedro quando ele repreendeu Ananias.

“Não passará esta geração”

Mas ainda precisamos responder uma segunda questão: se os cristãos de Jerusalém não tinham a obrigação moral de fazer essas doações, se as doações eram voluntárias, por que então faziam? Qual era a motivação? A acusação que os judeus levantaram contra o diácono Estevão pode nos ajudar a entender:

Levantaram-se, porém, alguns que eram da sinagoga chamada dos libertos, dos cireneus, dos alexandrinos, dos da Cilícia e da Ásia, e disputavam com Estêvão; e não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que falava. Então subornaram uns homens para que dissessem: Temo-lo ouvido proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus. Assim excitaram o povo, os anciãos, e os escribas; e investindo contra ele, o arrebataram e o levaram ao sinédrio; e apresentaram falsas testemunhas que diziam: Este homem não cessa de proferir palavras contra este santo lugar e contra a Lei; porque nós o temos ouvido dizer que esse Jesus, o nazareno, há de destruir este lugar e mudar os costumes que Moisés nos transmitiu. Então todos os que estavam assentados no sinédrio, fitando os olhos nele, viram o seu rosto como de um anjo”. (Atos 6:9-15)

Evidentemente, as acusações eram falsas. De maneira alguma Estevão tinha blasfemado contra Deus ou Moisés. Todavia, é importante entender que tais falsas acusações eram uma versão distorcida da verdade: “Nós o temos ouvido dizer que esse Jesus, o nazareno, há de destruir este lugar e mudar os costumes que Moisés nos transmitiu”. Uma acusação parecida havia sido feita contra o próprio Cristo em seu julgamento:

Levantaram-se por fim alguns que depunham falsamente contra ele, dizendo: Nós o ouvimos dizer: Eu destruirei este santuário, construído por mãos de homens, e em três dias edificarei outro, não feito por mãos de homens. (Marcos 14:57-58)

Cristo de fato havia profetizado a destruição de Jerusalém e do santuário:

Ora, Jesus, tendo saído do templo, ia-se retirando, quando se aproximaram dele os seus discípulos, para lhe mostrarem os edifícios do templo. Mas ele lhes disse: Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não se deixará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada. (Mateus 24:1-2)

Ai de vós! porque edificais os túmulos dos profetas, e vossos pais os mataram. Assim sois testemunhas e aprovais as obras de vossos pais; porquanto eles os mataram, e vós lhes edificais os túmulos. Por isso diz também a sabedoria de Deus: Profetas e apóstolos lhes mandarei; e eles matarão uns, e perseguirão outros; para que a esta geração se peçam contas do sangue de todos os profetas que, desde a fundação do mundo, foi derramado; desde o sangue de Abel, até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o santuário; sim, eu vos digo, a esta geração se pedirão contas. (Lucas 11:47-51)

Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que a ti são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste! Eis aí, abandonada vos é a vossa casa. E eu vos digo que não me vereis até que venha o tempo em que digais: Bendito aquele que vem em nome do Senhor”. (Lucas 13:34-35)

E quando chegou perto e viu a cidade, chorou sobre ela, dizendo: Ah! se tu conhecesses, ao menos neste dia, o que te poderia trazer a paz! mas agora isso está encoberto aos teus olhos. Porque dias virão sobre ti em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te apertarão de todos os lados, e te derribarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti estiverem; e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo da tua visitação. (Lucas 19:41-44)

E falando-lhe alguns a respeito do templo, como estava ornado de formosas pedras e dádivas, disse ele: Quanto a isto que vedes, dias virão em que não se deixará aqui pedra sobre pedra, que não seja derribada. (Lucas 21:5-6)

Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação. Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes; os que estiverem dentro da cidade, saiam; e os que estiverem nos campos não entrem nela. Porque dias de vingança são estes, para que se cumpram todas as coisas que estão escritas. Ai das que estiverem grávidas, e das que amamentarem naqueles dias! porque haverá grande angústia sobre a terra, e ira contra este povo. E cairão ao fio da espada, e para todas as nações serão levados cativos. (Lucas 21:20-24)

Ou seja, em Seu ministério público, Cristo deixou claro que, ainda naquela geração, Jerusalém e o templo seriam destruídos por Deus. Isso se cumpriu poucas décadas depois na Guerra Judaico-Romana. E segundo Jesus, quando isso começasse a se cumprir, a situação ficaria tão feia que, em meio a fuga, não haveria nem sequer tempo para salvar os próprios bens dentro de casa ou para buscar a própria capa: “Quem estiver no eirado não desça para tirar as coisas de sua casa, e quem estiver no campo não volte atrás para apanhar a sua capa. Mas ai das que estiverem grávidas, e das que amamentarem naqueles dias!” (Mt 24:17-20) Essa profecia continuou a ser anunciada pela Igreja e essa era a base das acusações dos judeus contra Estevão: “Nós o temos ouvido dizer que esse Jesus, o nazareno, há de destruir este lugar…

Tendo isso entendido, é preciso responder uma pergunta crucial:

Se Jesus tivesse dito o mesmo sobre o Brasil, que ele seria destruído, não daqui a muitas gerações, mas a qualquer momento ainda em sua geração, você continuaria a planejar seu futuro aqui? Você planejaria comprar terras ou casas aqui? E com os bens que você já tem, o que você faria?

Isso explica a decisão dos cristãos de Jerusalém: “todos os que possuíam terras ou casas, vendendo-as…” (At 4:34). Somente quem não cresse em Jesus faria diferente. De que me serviria terras e casas em uma cidade que a qualquer momento ficaria “desolada” (Lc 21:20)? Isso explica também porque as outras igrejas, fora de Jerusalém, não faziam o mesmo.

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Por Rev. Felipe Camargo


Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo (Cl 2.8).

Em “Cartas do inferno”, C. S. Lewis conta uma história fictícia de um Diabo mais velho ensinando seu sobrinho a fazer um cristão se desviar do caminho do Senhor. Na primeira carta o experiente “Tio” avisa que o melhor meio de afastar alguém da igreja e de Deus é usar jargões ou frases bonitas que parecem com verdades, mas que no fundo não passa de mentiras. É exatamente sobre isso que Paulo está preocupado no versículo acima, ou seja, filosofias e vãs sutilezas que afastam os servos de Deus da verdade revelada na Palavra de Deus.

Infelizmente, estamos cercados de filosofias e pensamentos que parecem até fazer certo sentido! Há inúmeras “frases de efeito”, ditados populares e filosofias de vida que acabamos aceitando como verdade. Nem sequer nos preocupamos em examinar se essas ideias estão de acordo com a Palavra de Deus, mas, simplesmente concordamos! Basta olhar quantas frases temos em nossa página do Facebook de pessoas que não temem ao Senhor. O triste é que temos muita facilidade em concordar com esses que possuem a “sabedoria do mundo”, mas quando somos deparados com a verdade de Deus dizemos: “não acho que é bem assim”.

Concordamos com ímpios, idólatras, viciados, espíritas, adúlteros, entre outros, mas temos dificuldade em aceitarmos a verdade de Deus. Aceitamos como verdade as filosofias que artistas passam na televisão, ou que os professores ensinam nas escolas, ou que nossos colegas e amigos nos afirmam, ou tradições impostas pela família. Mas, e o que a Bíblia nos ensina? Será que não conseguimos entender que a sabedoria do mundo é louca? Ou que Deus destruiu a sabedoria do mundo e aniquilou a inteligência dos instruídos? (1ª Co 1.19-20).

Será que estamos tão cegos que não conseguimos ver as armadilhas que estamos caindo todos os dias? Será que estamos tão surdos que não ouvimos a voz de Deus nos alertando sobre as redes do engano? O pior é que apesar dos avisos, só percebemos a armadilha quando estamos dentro dela. Portanto, as palavras de Paulo devem servir como um grande alerta para nós. Não sejamos como crianças agitadas sendo levada por qualquer “sabedoria” do mundo. Quem você vai ouvir?


Por todos os lados encontramos filosofias e tradições que o mundo tenta impor sobre nós. Nem precisamos ir muito longe para isso, basta ligarmos a televisão ou conversarmos com colegas e amigos. Isso foi o que tratamos na última pastoral. Pensando ainda mais sobre o assunto, precisamos entender que há outras formas de sermos enganados por essas filosofias e tradições. Nem sempre esses enganos vem através de ímpios, mas se aproxima também com aparência de “santo”.

Para entender melhor isso precisamos lembrar-nos das exortações de Jesus quanto aos falsos mestres! Precisamos também lembrar que Satanás ao tentar Adão e Jesus ele usou frases da própria Palavra de Deus (de maneira distorcida). O alerta de Paulo em Colossenses não era só daquilo que ouvimos fora da igreja, mas também daquilo que ouvimos de alguns que  fingem ser cristãos.

Nem todo aquele que se denomina pregador da Palavra vem em nome do Senhor. Não são poucos os programas televisivos que se dizem evangélicos, mas, na verdade, divulgam uma mensagem enganadora e que não é bíblica. Portanto, o primeiro grande alerta que faço aqui é de tomamos cuidado com aquilo que ouvimos. Nem sempre aquele que usa a Bíblia para pregar está de fato pregando o que a Bíblia diz. São momentos como este que o lobo se veste de cordeiro para enganar os filhos de Deus.

Há, também outras formas de cairmos nesta cilada. Um exemplo disso é quando usamos frases e pensamentos que se tornaram comum no meio da igreja e que não é a verdade de Deus. Por causa disso acreditamos em promessas que Deus nunca fez e fazemos o que Deus não ordenou. As vezes essas ideias chega através de músicas “evangélicas”. O motivo disso é porque essas “filosofias evangélicas” falam de coisas que nos agradam. 

Mais uma vez devemos nos perguntar quem queremos ouvir, se a Palavra de Deus ou os rudimentos deste mundo disfarçados de sagrado. Não podemos ser como crianças agitadas por todo vento de doutrina. Não podemos cair nas armadilhas destes que disfarçam a mentira com uma roupagem evangélica. 

“As pessoas não são tão ruins assim!” “O errado não é tão ruim!” “Isso é verdade para você e não para mim”. Essas são algumas frases que ouvimos constantemente e que muitas vezes aceitamos sem perceber. Os filmes tem sido campeões em divulgar a ideia de que o mal às vezes é bom. Recentemente tem surgido uma “nova modalidade de monstros”. Antigamente, aquilo que tinha aparência de mal era o mal e ponto! Hoje existe uma série de filmes onde os bruxos também são bons e heróis! Vampiros que até então eram seres das trevas, não podia se aproximar da luz, cruz ou algo que fosse “sagrado”, mas hoje eles são os mocinhos, se apaixonam e nem tem mais aquela cara de malvado. Ogros que sempre foram vilões agora são heróis das crianças como o Shrek e os vilões são a fada madrinha e o príncipe encantado! 

Não estou dizendo que assistir esses filmes seja o pecado. O grande problema é aceitarmos essas coisas como normal e assimilarmos as mensagens por trás da história. Afinal, é uma mensagem que não está só nestes filmes. Uma mensagem que na verdade não é tão nova assim, mas sempre aparece em nosso meio com novas faces. A mensagem é que todo mal tem um pouco de bondade e tudo que é bom tem um pouco de maldade. Se isso fosse verdade, o que não é, teríamos que admitir que até Cristo tinha um pouco de maldade dentro dele.

No Antigo Testamento Deus havia estabelecido leis sobre aquilo que era puro e aquilo que era impuro. O objetivo central era preparar o povo de Deus para saber discernir aquilo que é mal e aquilo que é bom! Esse ensino não deve ser esquecido, afinal, pecado é pecado e não deve ser praticado. Devemos lançar fora tudo aquilo que desagrada a Deus por mais que tenha uma cara agradável. 

O grande problema não são os filmes, mas a filosofia do mundo que entra em nossa igreja. Repare como temos facilidade para achar defeitos em tudo aquilo que se refere à Deus e como conseguimos destacar coisas “boas” daquilo que é contrário à Palavra de Deus. Salomão diz que “Há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte”. Não sejamos enganados, afinal, estreita é a porta que leva a vida eterna e larga e espaçosa a porta que leva à perdição. “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele.” Não importa o que seja dito, o errado nunca será bom!

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- Sobre o autor: Felipe Camargo é Pastor da Igreja Presbiteriana do Estoril no Riacho Grande, São Bernardo do Campo em SP. Formado em Teologia no Seminário JMC, mestrado em Divindade (M.Div), com habilitação em Pregação e cursando Mestrado em Antigo Testamento no Centro de Pós Graduação Andrew Jumper.
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Por R. K. Mcgregor Wright


Os arminianos querem que a vontade seja livre de interferência externa. Frequentemente eles dizem que, em particular, Deus nunca atropela o nosso livre-arbítrio. Essa liberdade das causas externas é suposta para salvaguardar a nossa integridade e assegurar a nossa responsabilidade. Mas o que se entende por isso — que a vontade é livre de causação? Muitas vezes, esse problema, é contornado dizendo-se que a vontade é “auto-causada”. Isso não significa que a vontade cria a si própria, mas que seus movimentos de escolher o curso de uma ação sobre outro são automotivados e espontâneos. A vontade é auto-movida em resposta ao que a mente conhece e pode causar tanto a ação em resposta às influências ou igualmente a resistência a elas. A vontade é livre para seguir ou resistir a qualquer que seja a opção que a mente lhe apresente.

O problema mais sério aqui é que esse tipo de espontaneidade é indistinguível do acaso. Precisamos apenas perguntar: “O que faz com que a vontade escolha um caminho e não outro?”. Se ela não é causada, ela é puramente acaso. Se ela é causada para agir, então ela não é livre de causação. Não faz diferença para este argumento se a causa é interna para a personalidade ou se afeta de fora; contudo, visto que os arminianos estão oferecendo o livre-arbítrio como uma categoria de explicação sobre como os seres humanos funcionam, eles são obrigados a decidir sobre o que eles querem dizer por “livre”. Se eles admitem que as ações da vontade são causadas, eles escorregam para algum tipo de determinismo, mas se eles não admitem que a vontade seja causada, eles ficam num dilema pior, que esboçaremos agora em três partes.

Em primeiro lugar, os acontecimentos do acaso não podem ser a essência do caráter. Quando dizemos que as pessoas possuem um “bom caráter”, queremos dizer que elas são pessoas moralmente predizíveis — que elas podem ser confiáveis para fazer o que é certo, mesmo que estejam sob forte influência para fazer o que é errado. Uma pessoa que age ao acaso, cujas decisões morais não podem ser distintas dos acontecimentos meramente fortuitos, não somente possui um “mau caráter”, não sendo confiável, mas de fato pode não possuir um caráter discernível. Uma personalidade totalmente ao acaso seria indistinguível de uma personalidade desintegrada ou insana. Em outras palavras, se a vontade é meramente espontânea em suas ações, caráter algum poderia ser formado.

Em segundo lugar, a menos que as ações da vontade estejam diretamente presas ao caráter, como podemos ser considerados responsáveis pelas nossas ações? Como pode uma pessoa ser considerada responsável por acontecimentos do acaso? Se os atos da vontade não são causados de modo que eles sejam realmente manifestações do caráter, como eles podem ser minhas ações mais do que o resultado do tirar a sorte com uma moeda? O fato é que não podemos ser considerados responsáveis por um acontecimento do acaso, simplesmente porque não exercemos nenhuma influência causal. Eu posso ser considerado responsável por tirar a sorte com uma moeda, visto que eu provoquei a queda da moeda, mas eu não posso ser responsável por fazê-la cair de um lado ou de outro. Em outras palavras, a verdadeira ideia de responsabilidade depende da causação. Portanto, a teoria do livre-arbítrio destrói a responsabilidade em vez de apoiá-la. O caso imaginário que vem a seguir é pertinente.

Lord Bertrand Russell, viveu como ateu a sua vida inteira desde os 14 anos de idade, até a sua morte, em 1970, aos 98. Com frequência, ele debateu e escreveu contra o cristianismo. Suponha que ele chegue ao juízo final com o seguinte argumento: “Agora, eu percebo que estava errado a respeito de não haver nenhum Deus, mas eu não vejo como tu podes mandar-me para o inferno. Afinal de contas, tu me criaste com um livre-arbítrio e nunca fizeste qualquer esforço para que eu evitasse agir de acordo com os seus ditames. Este livre-arbítrio tem sido sempre autônomo de qualquer causação anterior e de teu controle particular. Embora eu tenha pensado frequentemente que talvez fosse melhor se o meu livre-arbítrio tivesse agido de acordo com o meu intelecto, algumas vezes ele o fez, mas outras não. De fato, ele não parece agir segundo qualquer padrão. Pelo fato de que ele é uma causa não-causada de minhas ações, ele parece fazer todas as coisas ao acaso, sendo, portanto, imprevisível. Eu não tive nenhum real controle sobre ele, visto que tu o criaste autônomo. Simplesmente eu não sou responsável pelos acontecimentos fortuitos que eu não posso controlar ou prever. Como podes tu enviar-me para o inferno por causa de ações surgidas de um livre-arbítrio que, pelo fato de ele ser livre, não está também sob o meu controle?”. Deixaremos aos arminianos a tarefa de encontrar a solução para esse problema.

Terceiro, a pergunta a ser enfatizada é: como pode uma vontade puramente espontânea (automovida) dar início a uma ação? Se a vontade é “neutra” e não predeterminada para agir de um modo ou de outro, o que faz com que ela aja? Se ela parte do neutro, como ela pode sair desse centro morto? Se é dito que a vontade é “induzida” ou “levada” ou “influenciada” para agir, devemos insistir que essas são meramente palavras para diferentes tipos de causação.  Somos novamente forçados a enfrentar o problema do que realmente se quer dizer pela vontade ser livre de causação. Ou ele age puramente por acaso, ou parece que não o faz de maneira alguma. Isso, naturalmente, destrói totalmente a possibilidade de crescimento em santidade, que foi uma preocupação especial dos arminianos posteriores.

Há outros problemas associados com o que “influência” realmente significa. A persuasão moral e o argumento baseado na razão são causas da ação ou da direção da vontade? Alguns evangelistas arminianos seguem Finney na crença de que a vontade pode e deve ser movida à fé em Cristo pelo uso do raciocínio e dos exemplos morais. Portanto, eles fazem o uso total das evidências e usam outros argumentos apologéticos para convencer o pecador a crer, arranjando histórias morais e frequentemente emocionais para induzir a vontade à fé. O livre-arbítrio é, aparentemente, ainda capaz de fazer uma escolha livre entre a crença e a incredulidade.

Mas se a vontade age porque é convencida pela razão e induzida pela emoção ou pelo exame moral, como isso realmente difere de ser causada por um ato ou manipulação exterior? Se é objetado que ela ainda age livremente quando as evidências lhe são apresentadas (i.e., as persuasões não foram causais), por que as evidências e as razões são ainda necessárias? Seria melhor deixar a vontade autônoma decidir por si mesma, sem ser influenciada por qualquer momento. De fato, parece que, mesmo o fato de apenas ouvirmos um argumento seria uma ameaça explícita à nossa autonomia, à nossa neutralidade moral. Se eu sou dominado ou empurrado por um argumento, decidindo ir com a correnteza, o empurrão se torna uma causa da minha direção — o argumento causou a minha escolha. O fato de que eu cooperei não faz nenhuma diferença para o fato da causação.

A Bíblia deixa claro em muitas passagens que a vontade não é moralmente neutra. Em Romanos 14.23, Paulo conclui a sua explicação da razão pela qual nós sempre devemos agir de acordo com a nossa consciência declarando que “tudo o que não provém da fé é pecado”. Para Paulo, todos os movimentos morais brotam do princípio da fé ou, à revelia, da carne — meros atos da natureza pecaminosa. Portanto, não pode haver tais ações moralmente neutras, incluindo os atos da vontade. Em Hebreus 11.6, é-nos dito, de modo semelhante, que “sem fé é impossível agradar a Deus”, mas isso parece novamente levar à conclusão de que todos os atos humanos são ou não motivados pela fé. Jesus diz no evangelho de João que qualquer que não crê “já está julgado”, e que se uma pessoa continua a rejeitar Cristo, “permanece a ira de Deus [continuamente] sobre ele” (3.18, ênfase minha). Isso não é o mesmo que dizer que a situação do pecador é neutra até que ele decida por Cristo, mas que ela já está estabelecida — cada pessoa é justificada ou está presentemente debaixo de condenação. Como pode haver qualquer território de neutralidade moral num universo criado por um Deus justo?

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Fonte: A soberania banida, R. K. Mcgregor Wright. p.49-52
 

Por Paulo Ribeiro


Hoje, ouvi de uma pessoa - muito simpática, atenciosa e certamente seguidora de Cristo - o seguinte comentário a respeito de um culto por que participamos durante a manhã: "Aqui há uma boa valorização da Palavra e da doutrina, mas a liturgia é muito 'fechada' e o Espírito Santo não tem liberdade para agir" (parafraseando). Estávamos em uma paróquia protestante.

Essa declaração me fez recordar as inúmeras semelhantes que já ouvi, geralmente, de irmãos carismáticos. "Este culto é muito mecânico", "tanta doutrina atrapalha o agir do Espírito Santo", "aqui não há espaço para o Espírito trabalhar", etc. Mas será que essas declarações estão corretas à luz da Escritura? Será que tais afirmações são portadoras de uma compreensão acurada sobre o Espírito de Deus, sobre a instrumentalidade da Palavra e sobre a teologia do culto? A resposta é: não. E eis algumas razões que justificam meu parecer.

Primeiramente, Deus é um ser todo-poderoso. Ele é onipotente. Nada e ninguém pode limitá-lo, cerceá-lo, restringi-lo, manietá-lo, conduzi-lo, impedi-lo, atrasá-lo ou influenciar sua operação de qualquer maneira, em qualquer nível. Isaías 46.10 diz: "... Meu propósito permanecerá em pé, e farei tudo o que me agrada.", e no v. 11 completa: "Do oriente convoco uma ave de rapina; de uma terra bem distante, um homem para cumprir o meu propósito. O que eu disse, isso eu farei acontecer; o que planejei, isso farei.". E Deus diz, em Isaías 43.13: "Agindo eu, quem o pode desfazer?”. Diante desses poderosos testemunhos bíblicos e, lembrando que o Espírito Santo é Deus, resta ainda algum espaço para defendermos uma posição na qual o Espírito - o próprio Deus - está limitado por alguma situação em particular? É claro que não! Como poderia o Deus criador de todas as coisas, inclusive da nova vida aos pecadores espiritualmente mortos, ver-se "limitado" por qualquer coisa? Uma obra muito mais difícil de ser concebida pela mente humana, a de dar nova vida a pessoas mortas em seus pecados e delitos (Ef 2.1), nós conseguimos aceitar pela fé, por que não haveríamos de aceitar o fato de que nada pode impedir e nem mesmo dificultar a operação do Santo Espírito de Deus? Segue-se que o Espírito opera quando quer, como quer, independentemente de nossa permissão [1]. Liturgias mais elaboradas e menos "intuitivas" não restringem o agir do Espírito Santo de maneira alguma. Nem circunstancialmente nem ontologicamente o Espírito do Senhor é ou pode ser limitado.

Em segundo, a Palavra de Deus, bem como a doutrina por ela revelada são os principais e maiores instrumentos de santificação do qual o Espírito se vale para operar nos corações e mentes dos regenerados. Jesus, em João 15.3 diz: "Vocês já estão limpos, pela palavra que lhes tenho falado". O texto de Efésios 6.17 nos diz que a Palavra é a espada do Espírito, o instrumento empregado por Ele. A segunda carta de Pedro diz: "Dessa maneira, ele nos deu as suas grandiosas e preciosas promessas, para que por elas vocês se tornassem participantes da natureza divina e fugissem da corrupção que há no mundo, causada pela cobiça" (1.4); e sabemos que as mencionadas promessas, neste contexto, são figuras para toda a Palavra de Deus. Pedro também diz: "Agora que vocês purificaram a sua vida pela obediência à verdade..." (1Pe 1.22); lembrando também que a verdade objetiva só pode ser encontrada na Escritura Sagrada, como revelação especial de Deus para nós. Portanto, uma conclusão é inevitável aqui: a Palavra de Deus não somente NÃO atrapalha o agir do Espírito Santo como, justamente ao contrário, o consolida e torna eficaz. Um crente só é santificado pela instrumentalidade da Palavra sob a operação do Espírito. Um crente só é aperfeiçoado na consciência do evangelho mediante a Palavra de Deus, que imprime significado e promove contraste objetivo na interpretação dos fatos e conceitos. Logo, a carga doutrinária de um culto está diretamente ligada às possibilidades de transformação VERDADEIRA de caráter nas pessoas. Um culto repleto de atividade musical, manifestações emotivas e participações livres e espontâneas podem agradar a uns que carecem de uma maior "interatividade", por assim dizer, mas não são eficientes para a operação de santificação dos salvos e, portanto, não podem ser considerados como verdadeiros cultos a Cristo. Uma verdadeira e transformadora reunião precisa ser, do início ao fim, pautada e imbuída na Palavra do Senhor, com forte conteúdo doutrinário e sólido ensino na sã doutrina.

Portanto, voltando à afirmação de que um culto bem organizado liturgicamente e fundamentado no ensino inibe o agir do Espírito Santo, concluímos que tal assertiva é deveras equivocada. Com efeito, essas características não apenas não podem limitar a operação do Espírito Santo como são os verdadeiros conduintes da ação santificadora da Terceira Pessoa. Correndo o risco de me repetir, reafirmo algo em que venho insistido: não existe vida espiritual à parte da Escritura como ferramenta de aperfeiçoamento empregada pelo Espírito.

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Notas

1. O fato de o Espírito Santo ser soberano em seu agir não significa que não exista um modus operandi passível de identificação em suas operações, segundo a Escritura. Deus é absolutamente soberano, porém, revelou a nós as formas usuais pelas quais opera.

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Por Ev. Leandro Boer

Mas logo se esqueceram do que ele tinha feito e não esperaram para saber o seu plano. Dominados pela gula no deserto, puseram Deus à prova nas regiões áridas. Deu-lhes o que pediram, mas mandou sobre eles uma doença terrível” (Salmo 106.13-15).

O antigo pecado da reclamação a Deus ganhou nova roupagem: “Tomar posse da bênção”. E se o leitor é simpático a essa expressão tão difundida pelas pregações irreverentes e triunfalistas de várias igrejas, especialmente as pentecostais, tome cuidado — a começar pela leitura desta pastoral.

Antes que alguém me pergunte, esta pastoral não é sobre aquele litro de leite que você comprou e estava azedo. Para esse tipo de reclamação, que não é pecado, há o Código de Defesa do Consumidor e outras organizações que o ajudarão caso uma conversa rápida com o gerente da mercearia não lhe garanta um novo litro de leite fresco ou até mesmo dois litros como cortesia da casa!

Todavia, o pecado da reclamação contra Deus é real, frequente, perigoso e todos os cristãos devem estar cientes das causas e consequências dessa transgressão que sobe às narinas de Deus com odor pior que o de leite azedo. Logo, o objetivo desta pastoral é fornecer um breve guia prático para sermos um povo que apenas “clama” a Deus.

O texto base que se encontra no Salmo 106 mostra como os israelitas cometeram o pecado da reclamação contra Deus após terem sido libertos do Egito e ao enfrentar algumas dificuldades na peregrinação no deserto até Canaã. Como todos temos nossos “desertos” vez por outra, é exatamente nessa circunstância que somos mais tentados a cometer o pecado da reclamação contra Deus.

Em primeiro lugar, deve-se evitar a causa desse pecado que começa com sua primeira etapa: o esquecimento (v.13a) dos benefícios que Deus traz aos salvos, mesmo quando isso tem um alto preço. Afinal, “aquele que não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?” (Rm 8.32). Deus permanece atento às nossas mais íntimas necessidades, mas ele administrará sua graça, soberanamente, de acordo com o seu propósito, não o nosso (Rm 8.28). Jamais podemos nos esquecer desses fatos, nem das provas que já recebemos disso.

Portanto, se o crente não tiver seu coração ancorado à rocha de Romanos 8.28-32, ele entrará rapidamente na segunda etapa: a impaciência (v.13b). Nessa etapa, seu coração vacilante inicia o processo de inquietação irreverente, dando amplo espaço para a ansiedade impulsionada pelos desejos do coração. Tão logo a segunda etapa é concluída, a terceira e última etapa se instala: ser dominado pelos desejos (v.14a) de seu coração. Durante essa etapa, frases piedosas como “seja feita a sua vontade e não a minha” costumam incomodar muito o crente e podem até ser úteis na identificação da etapa que antecede a “tomada da bênção”, ou melhor, o pecado da reclamação.

Cumpridas as três etapas, o crente é, então, lançado na rebelião contra Deus disfarçada de fé. E Satanás, astuto como é, consegue promover esse pecado até mesmo durante o tempo reservado à adoração a Deus: o culto. Não raro essa etapa ocorre durante cultos dominicais ou “cultos especiais” realizados em outros dias da semana por falsos mestres ou pregadores entorpecidos pela ignorância bíblica. Nesses cultos, as pessoas mostram uma rebeldia dissimulada, tomando posse das bênçãos ou as reivindicando, como se fossem senhores da graça divina.

Consumada a “tomada da bênção”, o crente volta para casa satisfeito com seus atos. Mas agora é tarde demais, infelizmente. A insurgência e rebelião disfarçada de piedade já chegou aos ouvidos de Deus que disciplinará o seu povo até que aprenda a nunca entrar na primeira etapa: o esquecimento dos benefícios que a graça sacrificial do Senhor trouxe aos salvos.

Durante a fase final — o juízo — há dois possíveis desfechos: o juízo direto ou a bênção seguida de juízo que pode ser interpretada como uma pseudo-bênção. Todavia, é na segunda hipótese — a da pseudo-bênção seguida de juízo — que os crentes que desconhecem a Palavra de Deus ficam mais perplexos: exigem de Deus a chuva para sua horta, Deus os atende enviando os primeiros pingos que caem molhando toda a terra e, após algum tempo, surge no horizonte o vendaval que destruirá não só sua horta, mas sua casa.

Antes de “tomar posse da bênção”, tome cuidado. Deus não deixará seus reclamantes irreverentes sem resposta.

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Por Anthony Hoekema


Provavelmente, a passagem mais difícil sob esse subtema, seja a de Hebreus 6.4-6:

"É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tomaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia."

À primeira vista parece que as pessoas descritas aqui eram verdadeiros crentes que caíram. Grant R. Osborne, comentando essa passagem, diz o seguinte:"Não há descrição mais detalhada do crente verdadeiro em todo o Novo Testamento".

Outros, porém, a interpretam de maneira diferente. John Owen, em seu comentário sobre Hebreus, oferece quatro razões pelas quais as pessoas aqui descritas (tomando como se realmente existissem, e não casos meramente hipotéticos) não eram verdadeiros crentes: (1) Não há menção à sua fé. (2) A despeito do que se diga delas, não se diz que foram regeneradas, santificadas ou que foram feitas filhos de Deus. (3) Elas são comparadas, no verso 8, à terra que produz espinhos e abrolhos, prontas para serem queimadas. (4) Elas são distintas dos verdadeiros crentes nos seguintes pontos: (a) o autor diz aos seus leitores: "Quando a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação" (v. 9); (b) ele atribui aos seus leitores o amor que evidenciaram para com o nome do Senhor e no serviço aos santos (v. 10), enquanto não atribui obra alguma aos apóstatas; (c) ele assegura aos seus leitores da sua preservação da fé na base da justiça de Deus (v. 10) e da natureza imutável do propósito de Deus (v. 17-18), ainda que essa preservação não ocorra à parte de sua própria diligência (v. 11-12). Na verdade, a própria da esperança como a âncora da alma, no verso 19, ressalta poderosamente a segurança do verdadeiro crente. Pois, que valor tem uma âncora que não segura?

Eu acrescento ao comentário de Owen a referência a Hebreus 7.25, passagem que já consideramos neste capítulo: "Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles". Temos aqui, logo no capítulo seguinte da epístola, uma descrição do crente verdadeiro. Um verdadeiro crente, diz o autor de Hebreus, é alguém por quem Cristo, o sumo sacerdote eterno, intercede sempre, que o salva totalmente e para sempre. É possível que quem escreveu essas palavras não poderia sequer imaginar que as pessoas descritas em 6.4-6 fossem cristãos autênticos - pessoas que tenham realmente "vindo a Deus por meio de Cristo" e pelas quais Cristo continua intercedendo?

As reais dificuldades da passagem, porém, dizem respeito, primeiro, ao significado das diversas frases usadas nos versos 4 e 5 para descrever essas pessoas. Aqueles que ensinam que os crentes verdadeiros podem cair, as interpretam como descrevendo os frutos da verdadeira fé. À luz do contexto, porém, essa não pode ser a interpretação certa.

F. F. Bruce sugere que "foram iluminados" (v. 4), talvez se refira ao batismo dessas pessoas, já que no século 2º o batismo era frequentemente chamado de "iluminação". Mesmo que não aceitemos essa interpretação, não encontramos particular dificuldade aqui, já que as pessoas descritas no texto foram obviamente iluminadas pelo evangelho.

"Provaram o dom celestial." Bruce vê aqui uma referência à Ceia do Senhor. Essa é uma interpretação possível. Essas palavras podem também se referir às bênçãos espirituais do cristianismo. Essas pessoas tiveram uma mostra das bênçãos durante os anos de associação com o povo de Deus.

"Participaram do Espírito." A chave para essas palavras, creio, é encontrada em 10.9, onde lemos sobre o homem que "ultrajou o Espírito da graça", profanando e desprezando as bênçãos recebidas. Se for assim, ele ter tido algum contato com o Espírito Santo. Ter "participado do Espírito", portanto, pode ser interpretado como significando que essas pessoas experimentaram certas operações do Espírito que, não obstante, rejeitaram. Podemos pensar nisso em relação ao pecado contra o Espírito Santo descrito em Mateus 12.31-32.

"Provaram a boa palavra de Deus" (v. 5). Essas pessoas ouviram a palavra de Deus e provaram sua bondade, mas nunca a aceitaram plenamente.

"E os poderes do mundo vindouro." Aqui pensamos em sinais maravilhosos que indicaram que "a era porvir" estava presente. Em 2.3-4, lemos que a mensagem do evangelho foi confirmada por aqueles que ouviram o Senhor, "dando Deus testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua vontade". A palavra aqui traduzida como "milagres" (dynameis) é a mesma palavra traduzida como "poderes" em 6.5. Esses milagres ou poderes foram provados pelas pessoas descritas no capítulo 6. Elas viram milagres surpreendentes acontecer - e ainda assim caíram. Lembramos as palavras de Jesus sobre pessoas que não somente testemunharam milagres, mas mesmo realizaram-nos, às quais ele diria no fim dos tempos: "Apartai-nos de mim, os que praticais a iniquidade" (Mt 7.23).

A outra dificuldade maior diz respeito ao significado da frase "É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram (...) e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento". O grego traz palin anakainizein eis metanoian, "renovar outra vez para arrependimento". Essas palavras, à primeira vista, dão a impressão de que as pessoas referidas no trecho, alguma vez já haviam se arrependido, mas, agora, tendo perdido esse arrependimento, não podem ser renovados nele. Se essa fosse a interpretação correta, teria sido realmente provada a falsidade da doutrina da perseverança dos verdadeiros crentes.

O verdadeiro arrependimento, porém, é descrito na Bíblia "para a vida" (At 11.18), para o perdão dos pecados (Mc 1.4), e para a salvação (2Co 7.10). De conformidade com o prevalecente testemunho do Novo Testamento, as palavras "outra vez" implicam que o arrependimento das referidas pessoas não pode ter sido genuíno. Teria sido apenas uma profissão exterior de arrependimento, comparável à fé temporária descrita em Lucas 8.13.

Considere outra vez o que o autor de Hebreus disse que faria. Não lançaria de novo o fundamento do arrependimento de obras mortas que conduzem à morte, e da fé em Deus (6.1 ). Já fizemos isso antes, o autor prossegue, e não precisamos fazê-lo de novo. No seu caso (dos leitores da epístola, presumidamente crentes), é desnecessário lançar de novo o fundamento. No caso daqueles que foram iluminados e caíram, é inútil lançar outra vez o fundamento. Por isso era impossível renová-los outra vez para arrependimento. Nós, seus líderes espirituais, uma vez os levamos ao que pensamos ser uma profissão de fé e arrependimento; mas agora é óbvio que essa profissão não foi sincera. Agora eles foram além do ponto em que uma profissão externa de arrependimento é possível.

Encontramos uma passagem semelhante em Hebreus: 10.26-29, onde se lê nos primeiros dois versos: "Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários". Esses aqui retratados têm sido obviamente instruídos na fé cristã, mas retrocederam de um compromisso externo com a verdade cristã. Para eles não há possibilidade de perdão, mas somente uma "expectação horrível de juízo". Muitos intérpretes entendem essas palavras como descrição do "pecado sem perdão". Mas pode um verdadeiro crente cometer esse pecado? Pode um crente cair do Deus vivo (Hb 3.12)? Outra vez, à luz de Hebreus 7.25, a resposta é Não!

Finalmente, consideramos uma passagem da segunda epístola de Pedro:

"Portanto, se, depois de terem escapado das contaminações do mundo mediante o conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, se deixam enredar de novo e são vencidos, tomou-se o último estado pior que o primeiro. Pois melhor lhes fora nunca tivessem conhecido o caminho da justiça do que, após conhecê-lo, volverem para trás, apartando-se do santo mandamento que lhes fora dado" (2Pe 2.20-21).

Estamos aqui de novo considerando pessoas que tiveram algum conhecimento de Cristo e do caminho da justiça, mas se enredaram de novo na corrupção do mundo e voltaram suas costas à lei de Deus - tanto que, diz Pedro, tornaram-se piores do que antes. Foram essas pessoas verdadeiramente crentes? Era seu conhecimento de Cristo um conhecimento verdadeiro e salvador? Não há indicação no texto de que fossem verdadeiros crentes. Além disso, antes, nessa epístola, Pedro descreveu os crentes como aqueles que associam à fé, a virtude, o conhecimento, o domínio próprio, a perseverança, a piedade, a fraternidade e o amor, assegurariam sua vocação e eleição; e acrescenta a promessa: "não tropeçareis em tempo algum" (2Pe 1.5-11). Na sua primeira epístola, como já vimos, o mesmo autor disse que os verdadeiros crentes não só têm uma herança que nunca perece, como são guardados ou preservados pelo poder de Deus mediante a fé, até a chegada da salvação pronta para ser revelada no último tempo (1Pe 1.3-5). Não é óbvio que aqueles descritos em 2Pedro 2.20-21 não cabem nessa descrição?

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Fonte: Trecho extraído do livro do autor Salvos pela Graça. Cultura Cristã, págs 243-246.

sábado, 1 de março de 2014

Ao abrir a Bíblia de forma aleatória (pelo menos até então, eu não sabia que era o Espírito Santo me direcionando), me deparei com o um texto que se encontra em Ezequiel 43:1-9 e tem o seguinte título: “A restauração do templo: a glória do Senhor”. O texto diz:

1 - Então me levou à porta, à porta que olha para o caminho do oriente.
2 - E eis que a glória do Deus de Israel vinha do caminho do oriente; e a sua voz era como a voz de muitas águas, e a terra resplandeceu por causa da sua glória.
3 - E o aspecto da visão que tive era como o da visão que eu tivera quando vim destruir a cidade; e eram as visões como as que tive junto ao rio Quebar; e caí sobre o meu rosto.
4 - E a glória do Senhor entrou na casa pelo caminho da porta, cuja face está para o lado do oriente.
5 - E levantou-me o Espírito, e me levou ao átrio interior; e eis que a glória do SENHOR encheu a casa.
6 - E ouvi alguém que falava comigo de dentro da casa, e um homem se pôs em pé junto de mim.
7 - E disse-me: Filho do homem, este é o lugar do meu trono, e o lugar das plantas dos meus pés, onde habitarei no meio dos filhos de Israel para sempre; e os da casa de Israel não contaminarão mais o meu nome santo, nem eles nem os seus reis, com suas prostituições e com os cadáveres dos seus reis, nos seus altos,
8 - Pondo o seu limiar ao pé do meu limiar, e o seu umbral junto ao meu umbral, e havendo uma parede entre mim e eles; e contaminaram o meu santo nome com as suas abominações que cometiam; por isso eu os consumi na minha ira.
9 - Agora lancem eles para longe de mim a sua prostituição, e os cadáveres dos seus reis, e habitarei no meio deles para sempre.

A princípio, ao lermos o texto, vemos que ele se refere à restauração da casa do Senhor, do local que foi designado para ser o templo onde se ofereceriam os cultos ao Senhor. Mas algo dentro de mim, ao ler esses nove versículos, me fez ter um entendimento mais profundo da palavra, e do sentido de restauração ao qual o Senhor queria falar comigo. 

Senti que Deus estava falando profundamente ao meu coração sobre a restauração do Seu templo, do templo do Espírito Santo. E onde é o maior templo do Senhor? Nosso coração, nosso corpo! E a partir daí, entendi que o Senhor me dizia que é tempo de restaurar o Seu templo; mas não o material e sim o espiritual. É tempo de restaurar meu coração, que é a principal morada do Senhor. É tempo de quebrar barreiras, de se quebrantar e se humilhar aos pés do Senhor. 

É tempo de calar e ouvir suas ordens para que essa restauração aconteça da forma como o Ele deseja, passo a passo, dia após dia. Não é hora de agir, e sim de deixar o Senhor Deus agir dentro de mim. É tempo de limpar o coração de toda impureza que se instalou e tentou criar morada dentro dele; é hora de rever as atitudes, os pensamentos e buscar a santificação que só podemos alcançar por meio de jejum e oração, por meio de intimidade com Deus (Eclesiastes 3:1-8). 

No versículo sete, na primeira parte Ele diz: “E disse-me: Filho do homem, este é o lugar do meu trono, e o lugar das plantas dos meus pés, onde habitarei no meio dos filhos de Israel para sempre;” Acaso pode o Senhor habitar e caminhar por lugares impuros? Acaso pode Ele, diante da magnitude da Sua graça e do Seu poder, ter como Seu templo um local que não seja santo, que ainda não tenha sido restaurado segundo a Sua vontade? É claro que não. 

Se queremos ser templo do Espírito Santo, se queremos ser a morada do Senhor, temos que buscá-lo dia após dia, temos que nos humilhar a Ele em todo o tempo, buscar intimidade com Ele e agirmos segundo o Seu querer e a Sua vontade (I Coríntios 6:19). Ser templo do Espírito Santo não é fácil, requer renúncias, sacrifícios, perdas, lágrimas, joelho no chão, oração. Pagar esse preço para que sejamos restaurados na maioria das vezes é muito difícil. Se derramar diante do Senhor, confessar suas culpas, medos, dores, chorar e abrir o coração pra Deus pode parecer simples, mas não é. 

Às vezes quando paramos para orar não conseguimos pronunciar nenhuma palavra. Mas glórias a Deus que conhece o mais profundo do nosso coração. Mesmo diante de tantas dificuldades, esse é um processo necessário, primordial para que nosso templo, ou seja, nosso coração seja restaurado segundo o querer do Senhor. Ele quer habitar em nós, quer fazer morada em nossos corações, mas como isso seria possível sem sacrifícios de nossa parte? Não seria. 

Deus quer o nosso melhor pra Ele; quer nosso amor, submissão, dedicação, respeito, fé, confiança, intimidade. E não se alcança nada disso sem sacrifício. Mas sabe qual é a melhor parte disso tudo? É que ao final dessa restauração, Deus vai nos olhar de Seu trono e dizer: meu templo está pronto, foi restaurado segundo as minhas ordens e agora, eu posso habitar nele, posso colocar nele vasos de outro e de prata, as mais belas cortinas, o melhor dos altares, pois eu sei que lá haverá continuamente um sacrifício de adoração a mim. 

Queridos, os vasos, as cortinas, são as bênçãos que o Senhor quer entregar em sua mão; Ele quer te dar o melhor, quer realizar os desejos do seu coração, quer te abençoar, te fazer um servo honrado não apenas diante dEle, mas diante dos homens. O altar é um coração novo, puro, fiel ao Senhor, e o sacrifício é você estar continuamente adorando ao Senhor, rendendo graças a louvores a esse Deus quer tem o melhor para cada um de nós. Deus tem promessas para nossas vidas; algumas já reveladas, esperando apenas sua restauração diante do Senhor para sempre cumpridas. 

Se Ele prometeu, Ele vai cumprir, porque Ele não mente, não se arrepende (Números 23:19). Outras ainda encobertas, que o Pai irá te revelar no momento certo. Deixe Deus te restaurar, deixe Ele cuidar da sua vida e do seu coração, para que você possa desfrutar da plenitude do amor e das bênçãos do Senhor para com sua vida. Se coloque hoje, agora, onde você estiver, aos pés do Senhor; permita-se ser restaurado por Ele. 

Permita-se ser um vaso de honra nas mãos do Senhor, para que você possa ser usado para ganhar almas, para ajudar na restauração de outras vidas. Seja hoje mesmo moldado pelas mãos do Senhor, para que você possa ter intimidade com Cristo, ter ouvidos sensíveis a Sua voz, olhos atentos ao Seus sinais. Você verá quão maravilhoso é ter uma vida de comunhão com o Senhor. As bênçãos te seguirão (Deuteronômio 28:2), e seu testemunho ganhará almas para Jesus, pois essa é nossa missão aqui na terra: pregar a palavra de Deus em todos os momentos, a todos, em qualquer lugar.

Que Deus abençoe nossas vidas!!!

Por Camila Souza