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Por Kevin DeYoung
Os termos monergismo e sinergismo se referem à obra de Deus na regeneração. Monergismo ensina que nós nascemos de novo somente através da obra de um (a palavra monotem origem no grego e significa ‘um’, erg vem do grego e significa trabalho’). Sinergismo ensina que nós nascemos de novo através da cooperação humana com a graça de Deus (o prefixo sin vem do grego e significa “com”). Os reformadores se opuseram fortemente contra todo o conceito sinergístico para o novo nascimento. Eles acreditavam que dada a morte espiritual, a falha moral do homem, nossa regeneração é devido inteiramente a soberana obra de Deus. Nós não cooperamos e não contribuímos para nosso novo nascimento. Três vivas para o monergismo!
Mas o que nós deveríamos dizer sobre a santificação? Por um lado, cristãos reformados detestam a palavra sinergismo. Não queremos de maneira alguma sugerir que a graça de Deus é de algum modo desprezível na santificação. Nem queremos sugerir que o duro trabalho de crescimento em piedade não é um dom sobrenatural de Deus. Por outro lado, estamos em um terreno perigoso se afirmarmos que somos passivos na santificação da mesma forma que somos passivos na regeneração. Não queremos sugerir que Deus é o único agente ativo em nossa progressiva santificação. Então a questão é: A santificação é monergística ou sinergística?
Eu acho que é melhor ficar longe de ambos os termos. A distinção é muito útil (e muito importante) quando falamos acerca da regeneração, mas esses termos teológicos restritos confundem quando se fala acerca da santificação. Sinergismo soa como um palavrão para os reformados, então ninguém quer dizer isso. E ainda, monergismo também não é uma palavra adequada. Para transformá-la em uma palavra conveniente, nós temos que providenciar uma definição diferente da qual nós damos quando discutimos acerca do novo nascimento. O que significa dizer que regeneração e santificação são ambos monergísticos se nós estamos inteiramente passivos em um e ativos em outro?
Aqueles que dizem que santificação é monergística querem proteger a graça, a natureza sobrenatural da santificação. Aqueles que dizem que a ela é sinergística, querem enfatizar que devemos cooperar ativamente com a graça. Esses exemplos estão ambos corretos. Eu acredito ainda que é melhor defender esses dois pontos com uma cuidadosa explicação do que com termos que normalmente tem sido usados em polêmicas teológicas. Santificação é, ao mesmo tempo, um dom gracioso de Deus, e requer nossa ativa cooperação. Eu tentei mostrar em artigos anteriores que essas duas verdades são bíblicas. Nesse artigo eu quero mostrar que essas duas verdades são também notavelmente reformadas.
Deixe me dar alguns breves exemplos:
João Calvino (1509-64)
No Comentário de 2 Pedro 1:5 (“E vós também, pondo nisto mesmo toda a diligência, acrescentai à vossa fé…”), Calvino diz:
Visto que isso é um grande e árduo trabalho, eliminar a corrupção que há em nós, ele nos ordena a atacar e fazer todo o esforço possível para atingir esse propósito. Ele intima que não se deve dar lugar à preguiça, e que nós devemos obedecer ao chamado de Deus não brandamente ou descuidadosamente, mas que haja necessidade de diligência; conforme ele disse: “Empenhe todos os esforços, e faça seu zelo ser manifestado a todos.”
Para Calvino, crescer em piedade é um trabalho difícil. Não há lugar para preguiça. Nós devemos nos esforçar para obedecer com rapidez e diligência. O crente não é nada passivo na santificação.
Mas depois, enquanto comentava no mesmo verso, Calvino também adverte contra “o delírio” de que nós tornamos os movimentos de Deus eficazes, como se a obra de Deus não pudesse ser feita a menos que nós O permitíssemos fazer. Pelo contrário, “desejos santos são criados em nós por Deus, e são reproduzidos por Ele eficazmente.” Na verdade, “todo nosso progresso e perseverança provém de Deus.” Sabedoria, amor, paciência – todos eles são “dons de Deus e do Espírito”. Então, quando Pedro nos diz para empregar toda nossa diligência, “ele não está querendo dizer que [essas virtudes] são realizadas pelos nossos próprios esforços, mas somente mostra que devemos ter e que deve ser feito.”
Francisco Turretini (1623-87)
Turretini emprega santificação como um termo teológico “usado estritamente para uma real e interna renovação do homem.” Nessa renovação, nós somos tanto receptores da graça de Deus quanto atores ativos dela.
[Santificação] segue a justificação e se inicia pela regeneração e é promovida pelo exercício da santidade e das boas obras, até que uma seja consumada na outra pela glória. Nesse sentido, ela é passiva, na medida em que é operada por Deus em nós, e em outro sentido é ativa, na medida em que deve ser feito por nós. Deus realiza seu trabalho em nós e através de nós. (Institutes of Elenctic Theology 2.17.1)
Quando se trata da graça de Deus na regeneração, Turrentini se opõe a “todos os sinergistas”. Ele tem em mente os Socinianos, Remonstrantes, Pelagianos, Semipelagianos, e especialmente os Católicos Romanos, que anatematizaram: “Eles dizem que o livre arbítrio do homem, movido e estimulado por Deus, coopera de alguma forma” no chamado eficaz (Concílio de Trento). Turrentini foi feliz em ser o tipo de monergista que foi contra Trento. Entretanto, ele faz um esclarecimento:
Esse assunto não diz respeito ao segundo estágio da conversão, em que é certo que o homem não é meramente passivo, mas coopera com Deus (ou melhor, opera em submissão a Ele). Na verdade, ele realmente acredita e se converte a Deus; se move ao exercício da nova vida. Antes, essa questão diz respeito ao primeiro momento quando ele é convertido e recebe nova vida na regeneração. Nós afirmamos que ele é meramente passivo nesse caso, como um sujeito que recebe e não como um princípio ativo (2.15.5).
Dada essa ressalva, é difícil pensar que Turrentini se sentisse confortável em dizer que santificação é monergística, embora ele certamente acreditasse que a santidade é trabalhada no crente por Deus.
Wilhelmus A Brakel (1635-1711)
Semelhantemente a Turrentini e Calvino, A Brakel deixa claro que a santificação é um trabalho de Deus. “Somente Deus é sua causa” ele escreve: “Assim como o homem não pode contribuir para sua regeneração, fé e justificação, da mesma forma não pode contribuir para sua santificação” (The Christian’s Reasonable Service, 3.4). Isso pode soar como se fôssemos completamente passivos na santidade, mas não é o que A Brakel quer dizer:
Crentes odeiam o pecado, amam a Deus, e são obedientes, e fazem boas obras. Entretanto, eles não fazem isso por conta própria nem independentemente de Deus; antes, o Espírito Santo, tendo infundido vida neles na regeneração, Ele mantém essa vida pela Sua contínua influência, despertando, ativando e fazendo com que ela funcione em harmonia com sua natureza espiritual. (3.4)
Nós não contribuímos em nada para santificação, e o crescimento em piedade é um dom de Deus. No entanto, nós devemos ser ativos no exercício desse dom. A Brakel vai ainda além quando diz: “Homem, sendo assim movido pela influência do Espírito de Deus, age, santifica a si mesmo, se compromete na atividade a qual sua nova natureza deseja e na direção que ela está disposta, e faz o que ele sabe que é seu dever” (3.4, grifo do autor). É por isso que A Brakel depois exorta seus leitores a “fazer um diligente esforço para se purificar de toda contaminação da carne e da mente, aperfeiçoando sua santificação no temor a Deus. Permita me despertá-lo para a obra santa; incline seu ouvido e permita que essas exortações endereçadas a você entrem seu coração” (3.24). Então em um certo sentido (no nível da causa e da origem) nós não contribuímos em nada para santificação e em outro sentido (no nível da atividade e esforço) nós santificamos a nós mesmos.
Charles Hodge (1797-1878)
Nós achamos os mesmos temas – santificação como um dom e santificação como uma ativa cooperação – em um grande sistematizador de Princeton. Hodge enfatiza que a santificação é “sobrenatural” e que as santas virtudes na vida de um crente não podem “ser produzidas pelo poder da sua vontade”, ou por todos os recursos do homem, embora possam ser prolongadas no seu exercício. Elas são presentes de Deus, fruto do Espírito” (Systematic Theology, 3.215).
Entretanto, Hodge é rápido em acrescentar que essa obra sobrenatural da santificação não exclui “a cooperação como causa secundária” Ele explica:
Quando Cristo abriu os olhos dos cegos, nenhuma causa secundária se interpôs entre sua vontade e o efeito. Mas os homens desenvolvem sua própria salvação, enquanto Deus trabalha neles o querer e o fazer, de acordo com Sua própria vontade. No trabalho da regeneração, a alma é passiva. Ela não pode cooperar. Mas na conversão, o arrependimento, a fé, e o crescimento em graça, todos seus poderes são chamados a entrar em exercício. Quando, porém, os efeitos produzidos superam a eficiência de nossa natureza caída, isso se deve a atividade do Espírito, e a santificação não deixa de ser sobrenatural, ou uma obra da graça, porque a alma é ativa e coopera no processo (3.215).
Há muitas idéias importantes no resumo do Hodge. Primeiro, ele afirma que a santificação é uma obra da graça sobrenatural. Isso não é algo que vem de nós ou poderia ser efetuado por nós. Segundo, ele sugere que a alma é passiva (monergismo) na regeneração, mas não no restante de nossa vida espiritual (nota: “conversão” nesse trecho significa seguir Cristo, não se refere ao novo nascimento). Terceiro, ele não hesita em usar a linguagem da cooperação. Nós somos ativos no processo de santificação com Cristo enquanto Ele trabalha em nós.
Herman Bavinck (1854-1921)
Mais do que Hodge, e da mesma forma que Calvino, Bavinck enfatiza a natureza “em Cristo” da santificação. Ele quer que vejamos que não somos “santificados pelo que realizamos por nós mesmos”. Antes, a santificação evangélica “consiste na realidade de que, em Cristo, Deus também nos garante, junto com justiça, plena santificação, e não apenas atribui, mas também nos concede pela obra regeneradora e renovadora do Espírito Santo até que nós tenhamos sido completamente conformados à imagem de seu Filho” (Reformed Dogmatics, 4.248). Bavinck continua ao dizer que a doutrina romana da “justiça imputada” não está incorreta como tal. Os Crentes “realmente obtém a justiça de Cristo por imputação”. O problema é que Roma faz dessa justiça, um motivo para o perdão. A nós é dado o dom da justiça ( por Cristo “vindo habitar em nós pelo Espírito Santo e nos renovar a Sua imagem”), mas nós somos declarados justos somente pelo dom da justiça imputada (4.249).
Santificação, para Bavinck, é antes de tudo o que Deus faz em e por nós. Mas isso não é tudo que devemos dizer acerca da santificação:
É admitido, em primeiro lugar que [santificação] é uma obra e dom de Deus (Fp 1:5; 1Tess 5:23); um processo no qual se inicia na regeneração. Embora essa obra seja estabelecida nos homens, ela alcança, em segundo lugar, um sentido ativo, e as próprias pessoas são chamadas e capacitadas a santificar a si mesmas e a devotarem completamente suas vidas a Deus. (Rom. 12:1; 2 Cor. 7:1; 1 Tess. 4:3; Heb. 12:14; e assim por diante). (4.253)
Enquanto Bavinck pode estar mais decidido a enfatizar a natureza passiva da santificação do que usar a linguagem de cooperação, no final ele ataca os mesmos tópicos que nós vimos em Calvino, Turrentini, A Brakel, e Hodge. Bavinck não vê conflito “entre essa atividade de Deus realizada em graça e a busca da santificação pelos cristãos” (4.254). Ele exorta que os cristãos perdem o foco quando não conseguem conciliar esses dois significados. Santificação é um dom de Deus, e nós somos ativos nesse dom.
Louis Berkhof (1873-1857)
Nós percebemos em Berkhof a mesma tendência de se resguardar contra qualquer ideia de auto-ajuda por um lado e a inatividade humana por outro.
[Santificação] é uma obra sobrenatural de Deus. Alguns tem a ideia equivocada de que santificação consiste apenas no alongamento da nova vida, inserida na alma pela regeneração, apresentando motivos convincentes para o desejo. Mas isso não é verdade. Isso consiste fundamentalmente e principalmente em uma divina operação na alma, por meio da qual, uma santa disposição é originada na regeneração e fortalecida e as boas obras são aperfeiçoadas. (Systematic Theology, 532).
Em outras palavras, santificação é essencialmente uma obra de Deus. Embora seja também “uma obra no qual crentes cooperam.” Quando é dito que o homem participa na obra da santificação, isso não significa que o homem seja um agente independente nesse esforço, de forma que parte seria trabalho de Deus e parte do homem, mas significa apenas que Deus efetua a obra através do homem como um ser racional, requerendo dele uma cooperação piedosa e inteligente com o Espírito. (534)
Conclusão
Então o que vemos nessa breve análise de teólogos reformados. Para começar, não vimos exatamente as palavras monergismo ou sinergismo aplicada à santificação. Em segundo lugar, percebemos que, dadas certas restrições, cada termo pode ser usado com mérito.
“Monergismo” pode funcionar porque santificação é um dom de Deus, Sua obra sobrenatural atuando em nós.
“Sinergismo” também pode, pois nós cooperamos com Deus na santificação e ativamente nós esforçamos para crescer em piedade.
Em terceiro lugar, vemos nessa análise reformada a necessidade de sermos cautelosos com nossas palavras. Por exemplo, “passivo” pode descrever nosso papel na santificação, mas somente se nós também dissermos que há um sentido no qual somos ativos. Do mesmo modo, nós podemos usar a linguagem da cooperação desde que entendamos que santificação não depende fundamentalmente de nós. E se tudo isso parece confuso, você pode simplesmente dizer: nós desenvolvemos nossa santificação assim como Deus trabalha em nós (Fp 2:12-13). Essa são duas verdades que devemos proteger: o dom de Deus na santificação e a atividade do homem. Nós buscamos o dom, é como John Webster coloca. Eu atuo o milagre, é uma frase de Piper. Ambos estão dizendo a mesma coisa. Deus nos santifica e nós também santificamos a nós mesmos. Com certas restrições e definições, eu creio que Calvino, Turrentini, A Brakel, Hodge, Bavinck, e Berkhof concordariam plenamente.
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Fonte: The Gospel Coalition
Tradução: Henderson Fonteneles
Via: Justificação pela Fé